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domingo, 31 de maio de 2015

A DIMENSÃO SOCIAL DAS TELENOVELAS

Se olharmos para a história da televisão em Portugal nos últimos quarenta anos, reparamos que a telenovela se afirmou como programa âncora de qualquer grelha televisiva, independentemente do canal.
Desde das primeiras telenovelas brasileiras que prendiam ao ecrã pessoas de todas as idades e condições sociais, a telenovela afirmou-se como o entretenimento de todos: de fácil acesso, barato, descontraído e, muitas vezes, educativo. No entanto, parece-me que, apesar de importantes, estas razões não justificam esta longevidade que parece não ter fim à vista. 
O que têm as telenovelas de tão especial que cativam gerações sucessivas, apesar de todas as mudanças sociais e mentais que o país viveu em quatro décadas de democracia?

Na verdade as telenovelas  souberam reinventar-se, evoluíram, aproveitando ao máximo a evolução tecnológica operada. É certo que sempre contaram com alguns argumentos de eleição, capazes, por si só, de manter o espetador preso à trama, mas o grande trunfo foi a proximidade com o espectador. As telenovelas aproximaram-se tantos dos seus clientes que os fizeram decisores da evolução da história, permitindo, em muitos casos, que fosse o espectador a escolher o final da novela e por consequência a mensagem a reter.
Através da telenovela, o espectador sentiu-se, pela primeira vez, parte da ação. Percebendo o filão psicológico que deviam explorar, as produtoras apostaram cada vez mais em histórias que fossem de encontro aos dramas diários dos espectadores.

As telenovelas começaram por explorar temas clássicos: a dicotomia entre amor e carreira, os amores proibidos e perigosos, a luta entre famílias, os dilemas de consciência. Depois evoluíram para a intervenção social mais incisiva trazendo à discussão os temas que apaixonavam a opinião pública num dado momento. Acompanhando a evolução cultural das sociedades, trouxeram para ribalta as diferenças entre culturas, povos e costumes. Obrigaram os espectadores a refletir sobre a homossexualidade, o adultério, o racismo, a homofobia, a exploração do trabalho infantil, a violência doméstica. Neste sentido, as novelas funcionaram um pouco como fóruns de discussão e espelho social.
A qualidade dos atores fez-nos rir, chorar, comover, discutir, duvidar, mudar de opinião como se aquilo que víamos no ecrã fosse a realidade dos nossos dias. E na verdade era! Havia e há tanto de nós, dos nossos vizinhos, dos nossos amigos ou familiares naquelas histórias que nos entra(ra)m, em doses diárias de 30/40 minutos, pela nossa alma adentro.
Sem darmos conta, a telenovela juntava a família ou parte dela, punha quase toda a gente a dizer o que pensava sobre determinado tema, obrigava-nos a ver as razões do outro lado.
Sim, era tudo ficção e os finais eram quase sempre felizes e educativos como não é a vida, mas durante vários meses tudo aquilo era tão real, tão intenso, tão verdadeiro que desejávamos o fim do telejornal para nos ver na televisão sem que ninguém suspeitasse. Nem nós!
Gabriel Vilas Boas

sábado, 30 de maio de 2015

CASABLANCA, de Michael Curtiz


Há cerca de duas semanas (17 de maio) fez setenta anos que o filme CASABLANCA, de Michael Curtiz foi exibido pela primeira vez em Portugal, no Teatro Politeama. Trata-se de um filmes mais míticos do cinema mundial, uma película que marcou a história da sétima arte e a carreira de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman.
Há sempre outros que vêm à cabeça quando se fala no melhor filme de sempre. Há sempre outros maiores, mais grandiosos, há sempre outros mais profundos, mais belos, mas, se procurarmos no fundo da alma coletiva, onde se mantém a doce memória do toque inefável de uma obra-prima, sabemos invariavelmente qual é “O filme”: Casablanca.


Não há outro filme rodeado por semelhante aura e que demonstre a todo o momento ter vida própria e também a capacidade de sobrevivência: ultrapassou o culto a Humphrey Bogart; sobreviveu às ondas revivalistas; enxovalhou os que tiveram o desplante de o colorir; salta de geração em geração, com a vitalidade de uma obra que mais cedo ou mais tarde, acaba por ser o filme preferido de toda a gente.
Em Casablanca, tudo é perfeito. As interpretações são geniais (apesar de Bogart ter sido injustamente preterido na eleição de melhor ator) e a realização de Michael Curtiz, premiada pela Academia de Hollywood, vive pelos atores e para os atores, tornando-se brilhante sem atingir qualquer zénite.
Na chave de toda a excelência do filme está o argumento premiado de Julius Epstein, Philip Epstein e Howard Koch.


Poucas são as pessoas interessadas por cinema que ainda não viveram esta magnífica história em que Rick (Bogart), o aventureiro americano que tem um café em Casablanca, abdica do seu amor por Ilse (Ingrid Bergman), em nome da honra pessoal, para ajudar o marido desta – o chefe da Resistência, Victor Laszlo (Paul Henreid) – a embarcar num avião para Lisboa, de onde poderá escapar para o oásis americano.
Poucos são ainda os que não desejaram ver o filme uma e outra vez, ou os que não transbordam de nostalgia quando ouvem Dooley Wilson a cantar “A Time Goes By”.
E tantas são as histórias em torno deste mito do cinema, muitas delas fantasiadas, como aquela que sustentava que o final do filme apenas fora decido no último dia (a moralidade estabelecida em Hollywood apenas permitiria que Bergman seguisse com o seu marido) ou a emblemática frase, afinal inexistente no filme, “Play it again, Sam”…
“Everybody comes to Rick’s” era o título da peça original, mas que nunca foi publicada. Alterando um pouco: toda a gente acaba por amar Casablanca, e por vê-la, pelo menos, uma vez na vida. Hoje pode ser a sua vez!
Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 29 de maio de 2015

EL ESCORIAL – O PODER ABSOLUTO E O RIGOR INQUISITORIAL



Em 1984, a UNESCO classificou o Escorial como Património da Humanidade. Situado nos arredores de Madrid, El Escorial é um monumento da monarquia espanhola do tempo de Filipe II. Palácio, mausoléu de todos os réus espanhóis de Carlos V a Afonso XII e, simultaneamente, Mosteiro da Ordem dos Jerónimos, sendo o conjunto dedicado a São Lourenço.
No meu reino, o sol nunca se põe”, dizia Filipe II, que sucedeu ao imperador Carlos V, senhor dum imenso império que incluía Espanha, os Países Baixos, a Sicília, a Sardenha, Nápoles, Milão e alguns territórios na América do Sul.
Quando subiu ao trono, em 1556, a Espanha encontrava-se no auge do seu poder mundial. Depois de ter promovido a unidade religiosa, espiritual e política na europa, através do Concílio de Trento, era conveniente construir um edifício que desse expressão a tamanha abundância de sol  - “El Escorial”.
Num tempo recorde de 21 anos, concluiu-se o monumento de todas as vaidades que ficou pronto em 1584. No entanto, nada nele evoca a jovialidade soalheira. Diante dele sente-se o poder e o fervor religioso na sua dimensão absoluta.

A ideia de dedicar um mosteiro a São Lourenço já obtivera as graças do monarca, católico convicto, depois da vitória militar sobre a França em 10 de agosto de 1557.
Do juramento feito na altura, saiu um edifício multifuncional: local de oração, sede do governo, centro administrativo, reserva artística e científica, cemitério.
Com a sua estrutura de linhas direitas, completamente despida de ornamentos, El Escorial tem mais de 2.500 janelas e 1200 portas. O complexo sugere, logo a nível exterior, a grelha onde o mártir São Lourenço foi imolado pelo fogo no tempo dos romanos.
A planta do edifício, da responsabilidade dos arquitetos Juan de Toledo e Juan de Herrera, inspira-se na forma desse instrumento de tortura, cuja “pega” corresponde ao palácio privado de Filipe II, que se destaca da estrutura em rectângulo. As quatro torres de esquina representam os apoios da grelha. Não é de beleza que se trata, mas sim de monumentalidade.

Rígido e intransigente, como o sistema repressivo da inquisição que se viveu no reinado absolutista de Filipe II, El Escorial ergue-se no meio de uma paisagem montanhosa, com os seus dois elementos fundamentais: palácio e mosteiro.
As irregularidades do terreno são compensadas com a adição de caves suplementares. Sob o telhado do Escorial estão reunidas 12 claustros, 300 celas monacais, 16 pátios interiores, 86 escadarias e 88 fontes – mais do que se encontra em algumas cidades. Em todos os locais se sente a ambição de monumentalidade que esteve na génese deste projeto arquitectónico.
A aparência ascética contrasta violentamente com o fausto e luxo do interior. Filipe II não olhou a despesas e convidou os melhores artistas para criar tetos abobadados, telões de tapeçaria e pinturas magníficas que decoram as paredes de modo extraordinário. Do círculo de pintores eleitos fizeram parte Velasquez, El Greco, Goya, Hieronymus Bosch, Piter Paul Rubens.

Na basílica, na sacristia, nas salas do capítulo e na biblioteca tem-se a sensação de estar no museu do Prado, na secção das melhores pinturas antigas.
Para a decoração interior trabalhou-se «apenas» com materiais preciosos: mármores de diversas cores, madeiras nobres seleccionadas, marfim, ouro, prata e bronze esmaltado. No palácio real dos Boubons, Filipe II deixou que o seu designer desse largas ao seu pessoalíssimo gosto pelo rococó, por isso aí se podem ver valiosos Gobelins, castiçais, candelabros, porcelanas, espelhos e relógios. Na biblioteca há mais de 3000 preciosidades bibliográficas das áreas da ciência e da cultura.

O quarto do rei, que sofria de gota, está situado mesmo ao lado da igreja, permitindo-lhe assim assistir à missa da própria cama.
No frio coração da necrópole em granito encontra-se o marmóreo Panteão dos Reis, no qual repousam os restos mortais de quase todos os monarcas espanhóis.
O granito cinzento é também o material usado na construção do mosteiro. Este material foi extraído dos flancos da Serra de Guadarrama, em cujo sopé se encontra o Escorial, cercado por florestas de carvalhos e extensões de salgueiros.

A escolha de Filipe II para erigir o seu palácio recaiu na povoação de San Loureço de El Escorial e a Silla del Rey (uma colina na Serra de Guadarrama) passou a ser o local onde o rei seguia os trabalhos de construção. Nos nossos dias, são também os madrilenos que se refugiam no Escorial quando querem virar as costas à cidade.     

quinta-feira, 28 de maio de 2015

CANALETTO E A «SUA» VENEZA


Giovanni António Canal, chamado Il Canaletto (1697-1768), é um dos últimos génios do Barroco italiano. Graças ao contacto com paisagistas que estabelece em Roma, ganha muito interesse pelas cenas urbanas.
Hoje escolhi duas obras deste autor italiano do século XVIII, que estão no National Gallery de Londres, tal como acontece com a obra de Sandro Botticelli falada há duas semanas.
As obras selecionadas focam Veneza, terra natal do Canaletto.
VENEZA: A FESTA DE SÃO ROQUE
Esta obra de António Canal, mais conhecido como Canaletto, é uma das poucas em que o artista aborda uma temática diferente daquela em que se notabilizou: a paisagem.
Trata-se da festa de São Roque, que tinha lugar a dezasseis de Agosto, em comemoração do fim da terrível praga de 1576, na qual morreu Ticiano. No dia dezasseis de Agosto, o Doge ouviu missa na igreja de S. Rocco, onde aquele santo fora enterrado, a em memória da sua intercessão para acabar com a praga.
A obra de Canaletto mostra a enorme procissão de altos dignatários e embaixadores, saindo da igreja. Todos os participantes levam consigo pequenos ramos de flores que oferecem em sinal de lembrança da praga que ceifou tantas vidas.
O Doge, personagem principal da obra, fora eleito para representar a República de Veneza até 1797, ano em que o último Doge (o número 120) foi destituído por Napoleão.
Uma vez eleito, o Doge governava até à sua morte, embora não pudesse beneficiar livremente dos fundos do Estado. O Doge é sempre reconhecido pela sua indumentária, em particular com o chapéu com o nó atrás, o «corno ducal», muito típico no século XIV.
É evidente a perfeita noção que Canaletto tinha deste acontecimento, levado a cabo na sua cidade natal. É curioso a maneira como o artista retrata o Doge. Os rostos de todos eles são extremamente parecidos, sem grande pretensão em conseguir alguma expressividade.
Neste quadro destacaria dois pormenores: a grinalda que Canaletto coloca na porta principal da igreja é mais um símbolo da festa de São Roque.
O guarda-sol que cobre a cabeça e o rosto do Doge, juntamente com os pequenos ramos de flores, são dos poucos pormenores que se revelaram dignos de serem trabalhados por Canaletto.



VENEZA: O GRANDE CANAL COM A IGREJA DE S. SIMEONE PICCOLO
Esta pintura de Canaletto pertence a uma vasta série de obras do artista sobre o grande canal de Veneza.
Nesta panorâmica podemos contemplar a igreja de São Simeone Piccolo, reconstruída por Scalfarotto e benzida em 1738. Esta é uma das obras de grande dimensão tratada de um modo mais cuidado, nomeadamente em relação à luz e aos efeitos de perspetiva tão bem conseguidos.
 É impressionante observar como as casas junto ao canal se refletem nas suas águas cristalinas e azuis, sobretudo na zona esquerda da composição. Contudo, a zona direita fica submersa na escuridão. As casas são reproduções fiéis das daquele tempo. Neste sentido, a obra de Canaletto é mais uma fonte de informação acerca da época.
A barca que aparece na zona esquerda mostra uma das atrações típicas de Veneza e de que ainda hoje em dia podemos desfrutar: o passeio de gôndola. O gondoleiro que se encontro no extremo da embarcação está inclinado, a remar.
A casa que está junto ao canal, na zona esquerda da composição, mostra sinais evidentes de humidade e daí que, por tal motivo, se possa observar um conjunto de manchas.
A perspetiva criada por Canaletto nesta obra denota que possui um grande domínio da técnica, a qual aplicará na maioria das suas paisagens venezianas.


quarta-feira, 27 de maio de 2015

SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL

 Faz hoje 41 anos que foi instituído o salário mínimo nacional. Na altura fixado em 3300$00, o que corresponderia a cerca de 16,50 euros. No entanto, em 1980, já tinha crescido duas vezes e meia para cerca de 45 euros. Entre 1980 e 1990 quase que quadruplicou. Curiosamente a meia dessa década Portugal viveu uma situação de quase bancarrota, com a intervenção do FMI, mas não havia BPN, BES nem BPP.... Na última década do milénio duplicou, ou seja, de 174 euros, em 1990, passou a 334 euros, em 2001. A partir daí cresceu ao ritmo da teoria da migalha.
Ao fim de quatro décadas de salário mínimo nacional, ele continua a ser preciso, mas continua a ser muito baixo e a não servir de remuneração justa para muito do trabalho realizado em Portugal.
Infelizmente, a mentalidade económica do Portugal democrático é pequenina e vive de expedientes. Depois de todas as teorias económicas terem derrotado a ideia de que a competitividade económica de um país se faz através de baixos salários, a solução política adotada por Portugal é aprofundar esse caminho. Já o vínhamos a seguir mesmo antes da troika ter armado a sua tenda no Terreiro do Paço, mas os gurus do FMI e do BCE insistiram numa receita que cavou desigualdades e atirou para a pobreza e a miséria quase 20% da população portuguesa.

O mais trágico do salário mínimo que temos é que ele é, na prática, inferior àquele que tínhamos há uma década. O salário mínimo nacional não garante a quem o ganha totais condições de dignidade, pois não consegue cobrir todas as necessidades básicas daqueles que o têm como única fonte de rendimento.
Apesar de tudo isto, o salário mínimo é necessário. Tal não é um contra senso, pois em Portugal há gente que pagaria menos que isto se a tal não fosse obrigado.
Sei perfeitamente que um aumento justo do salário mínimo nacional causaria um impacto assinalável nas contas públicas e privadas, que um país em convalescença não pode, de momento, suportar. No entanto, esse aumento, para patamares mais justos (cerca de 600 euros), devia tornar-se numa prioridade político e económica.
Como já referi no dia 1 de maio, se não sabemos valorizar corretamente o trabalho, rapidamente perdemos o norte social. Quando o trabalho não é justamente remunerado, as pessoas tendem a procurar formas menos lícitas de ganharem o dinheiro que precisam.
O salário mínimo nacional não deve deixar de existir, mas deixar de ser tema de conversa, na medida em que aqueles que o ganham sejam em número tão reduzido que não tenham expressão social.  
Não podemos, não nos devemos conformar com a ideia de um salário mínimo cada vez mais mínimo a caminho do miserável.

Gabriel Vila Boas

terça-feira, 26 de maio de 2015

OS DIAS DA SEMANA


Só no século II d.C. os Romanos começaram a dividir o tempo em semanas de sete dias. Para designar os diferentes dias da semana escolheram planetas e astros divinizados, que facilmente se identificam em algumas línguas.

Alguns exemplos:

LATIM
ESPANHOL
ITALIANO
FRANCÊS
INGLÊS
Dies Solis
Dia do Sol)
Domingo
Domenica
Dimanche
Sunday
Dies Lunae
(Dia da Lua)
Lunes
Lunedi
Lundi
Monday
Dies Martis
(Dia de Marte)
Martes
Martedi
Mardi
Tuesday
Dies Mercurii
(Dia de Mercúrio)
Miércoles
Mercoledi
Mercredi
Wednesday
Dies Jovis
(Dia de Júpiter)
Jueves
Giovedi
Jeudi
Thursday
Dies Veneris
(Dia e Vénus)
Viernes
Venerdi
Vendredi
Friday
Dies Saturni
(Dia de Saturno)
Sábado
Sabato
Samedi
Saturday


Com se pode verificar pela análise atenta da tabela, para os termos ingleses foram usados deuses equivalentes aos romanos: Tiu, deus germânico, correspondente a Marte; Woden, deus anglo-saxão correspondente a Mercúrico; Thor, deus germânico correspondente a Júpiter e Freia, deusa germânica correspondente a Vénus.
No século III d.C., a Igreja Católica, através do imperador Constantino, santificou os dias da semana, atribuindo-lhe a designação de “feria” – dia de festa. A semana passou, então, a ser constituída por prima feria; secunda feria; tertia feria; quarta feria; quinta feria, sexta feriae septima feria.

O plural feriae correspondia aos dias de festas, ou seja, de férias, consagrados ao descanso. É daqui que deriva o termo “férias”. Além disso, era nos dias de festa que os comerciantes aproveitavam para fazer negócio e saíam à rua para vender os seus produtos. Daí o termo religioso “feria”, sob influência comercial, ter originado o termo “feira”.


Entre os judeus, o sétimo dia era considerado de descanso, por isso tinha o nome de xabbath, derivado do verbo “xabath” que significa “descansar” e que correspondia ao latim “sabbatum” – sábado, dia de repouso.

A designação hebraica tem influência divina, manifestada através de um dos dez mandamentos: “Recorda-te do dia de sábado, para o santificar. Trabalharás durante seis dias e levarás a cabo todas as tuas tarefas. Mas o sétimo dia é de descanso, consagrado ao Senhor, teu deus. Nesse dia não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem os teus animais, nem o estrangeiro que estiver dentro das tuas portas. Porque em seus dias, o Senhor fez o céu, a terra, o mar e tudo o que nele contém, e descansou no sétimo; por isso o Senhor abençoou o dia de sábado e santificou-o.” (Êxodo, 20, 8-11). Posto isto, a “septima feria” foi substituída pelo sabbatum – sábado, por ser dedicado à oração pelos primeiros cristãos.

Quanto ao primeiro dia da semana, prima feria, também foi alterado para dies domenicusdia do Senhor, domingo, em alusão ao Dia da Ressurreição e de Pentecostes.

Parece que, já desde os tempos apostólicos, o dia do descanso deixou de ser o sábado e passou a ser o domingo. Neste dia, os cristãos não podem trabalhar e devem assistir à missa, mas nem todos cumprem este preceito. Para a nossa língua, sábado e domingo entram no século XIII, ao passo que os restantes dias da semana sé chegam no século seguinte.  

segunda-feira, 25 de maio de 2015

MARIA BETHÂNIA


É muito difícil definir Maria Bethânia, mas é muito fácil gostar da sua Música. Ao longo de cinquenta anos, a irmã de Caetano Veloso criou uma forma de cantar única que conquistou o coração de milhões de brasileiros e portugueses. A sua música tem uma força vital tão imponente e prodigiosa que parece brotar da natureza, mas também a delicadeza feminina que enfeitiça em cada nota.
Bethânia cantou centenas de canções, algumas ficaram entranhadas na nossa memória para sempre.
Começo por recordar Reconvexo, onde parece se definir nessa amplitude paradoxal:


Eu sou a chuva que lança a areia do Saara

Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Lara
Água e folha da Amazônia

Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra

Você não me pega, você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não

Eu sou o preto norte-americano forte

Com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música a mais velha
Mais nova espada e seu corte

Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá gogoya

Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
(…)

Na relação entre a tensão e o êxtase, Maria Bethânia faz o seu canto. Ele canta com toda a força do seu corpo. São rios sanguíneos de paixão e ira, romance e revolta, doçura e dureza. Ela tem o veneno e o antídoto da vida. Canta o que vale a pena, o que faz sentido: o Amor.
Ainda que de um jeito desconcertante:
Eu sei que eu tenho um jeito
Meio estúpido de ser
E de dizer coisas que podem magoar e te ofender 
Mas cada um tem o seu jeito
Todo próprio de amar e de se defender 
Você me acusa e só me preocupa
Agrava mais e mais a minha culpa
Eu faço, e desfaço, contrafeito 
O meu defeito é te amar demais 
Palavras são palavras 
E a gente nem percebe o que disse sem querer 
E o que deixou pra depois 
Mais o importante é perceber

Que a nossa vida em comum
Depende só e unicamente de nós dois 
Eu tento achar um jeito de explicar 
Você bem que podia me aceitar
Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser
Mas é assim que eu sei te amar

Bethânia não se explica
somente a ela. Ele explica o jeito intrincado de muitos de nós, especialmente no que se refere à difícil arte de amar.
Entre as várias facetas da inesquecível cantora brasileira há ainda uma outra que me conquista completamente: a doçura da sua voz. Isto fica evidente em muitas canções, mas “Gostoso Demais” exponencia esta qualidade tão brasileira da baiana. Como diria Caetano Veloso, o “modo como ela atrasa os últimos momentos de cada compasso aponta para o futuro da beleza”.


Tô com saudade de tu, meu desejo
Tô com saudade do beijo e do mel
Do teu olhar carinhoso
Do teu abraço gostoso
De passear no teu céu
É tão difícil ficar sem você
O teu amor é gostoso demais
Teu cheiro me dá prazer
Quando estou com você
Estou nos braços da paz
Pensamento viaja
E vai buscar meu bem-querer
Não posso ser feliz, assim
Tem dó de mim
O que é que eu posso fazer.

Talvez por tudo isto, ontem, no final do seu concerto no Coliseu do Porto, o público tenha saído, mais uma vez, rendido à sua música que se solta como seiva de alma tão profunda e delicada. Ouvir Bethânia continua a ser um sonho, um sonho lindo que quero continuar a ouvir em palco. Dona Canô chamará mais dia, menos dia e Bethânia irá, como filha dedicada, mas que esse dia venha longe.


Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Vai mostrar esta saudade
Sonho meu
Com a sua liberdade
Sonho meu
No meu céu a estrela guia se perdeu
A madrugada fria só me traz melancolia





Sonho meu
Sinto o canto da noite
Na boca do vento
Fazer a dança das flores
No meu pensamento
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor.




Gabriel Vilas Boas

domingo, 24 de maio de 2015

HOMOFOBIA


Há dois dias, o povo irlandês aprovou, em referendo, a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, alargando para cerca de duas dezenas os países onde a união entre casais homossexuais é permitida.
Lentamente os diversos povos do planeta vão tratando de pôr em lei um direito vedado a muitos milhões de pessoas em todo o mundo, no entanto ainda há um largo caminho a percorrer, sobretudo ao nível das mentalidades, para que a homofobia não seja um problema sério das sociedades modernas.

Facilmente reconhecemos que todo o ser humano tem direito à sua personalidade e dignidade e que a sua orientação sexual não deve ser motivo para discriminá-lo, mas, na prática, muitos de nós continuam a discriminar, ridicularizar e impedir que casais homossexuais vivam conforme a sua orientação sexual. E isso é absolutamente inaceitável! Em certos momentos torna-se indigno e desumano, pois a maneira como certos homossexuais são tratado é de tal forma humilhante e degradante que devia envergonhar toda e qualquer sociedade que pactua com este tipo de realidade.

E este não é um problema a que não somos alheios. No mesmo dia em que os irlandeses repunham alguma justiça às suas leis, uma aluna minha escolhia o tema da homofobia como tema da sua oral. No breve diálogo que manteve no final com os colegas, referiu que tinha de ponderar bem uma putativa assunção da condição homossexual, pois tinha fundadas dúvidas sobre a reação dos colegas. Ela não estava disponível para suportar discriminações e humilhações e por isso achava que poderia ser melhor manter discreta uma relação homossexual.
Como esta jovem pensam milhares de pessoas em Portugal, o que se demonstra que a homofobia existe e está longe de ser residual.

É uma arrogância inútil, mas perigosa, queremos decidir a vida privada dos outros. Absurdo invocar argumentos culturais ou tradicionais quando em causa está um bem maior, como o direito de personalidade e dignidade.
A imposição de padrões morais é ilógica, pois em todo o mundo homens e mulheres relacionam-se de diferentes modos. O importante é respeitar os direitos fundamentais do ser humano e não permitir que aqueles que têm uma visão egocêntrica da vida voem como uma ave de rapina sobre os direitos humanos. Mesmo que a maioria seja heterossexual tem o dever de zelar pelos direitos daqueles que não o são. E zelar é não discriminar, nas pequenas e nas grandes coisas.
Muitas vezes, argumenta-se que a homossexualidade é anti natural e que atenta contra a reprodução. Curiosamente, no passado, já lhe chamaram  uma doença, mas, com o tempo, foram polindo as garras e tornaram-se aparentemente mais controlados nas objeções.
Ora cabe dizer que os homossexuais não têm nada a opor à existência de heterossexuais, simplesmente têm uma orientação sexual diferente e querem-na afirmar sem receios. Os homossexuais fazem perigar tanto a reprodução humana como os padres, as freiras ou todos aqueles que livremente decidem não ter filhos. Ultimamente o número tem crescido entre os heterossexuais… 
Além disto, o ser humano não se afirma apenas pelo instinto reprodutor. Os domínios cognitivo e afetivo são património inalienável da humanidade, que não autorizam argumentos homofóbicos baseados na alegada não naturalidade da homossexualidade.
A sociedade portuguesa como a generalidade da sociedade ocidental ainda tem um largo caminho a percorrer para expurgar a homofobia dos comportamentos sociais. Acho que a atitude correta não pode ser não tocar neste assunto por ser polémico, mas, pelo contrário, trazê-lo para o debate público.
Gabriel Vilas Boas