Há
vinte anos, ouvi Mário Soares dizer, perante um auditório de estudantes
universitários, que um facto só existe quando passa a ser noticiado. Entretanto
o mundo da comunicação evoluiu e hoje todos sabem que os acontecimentos sociais
só ganham dimensão para repararmos neles quando se tornam virais no facebook.
Ora toda a gente sabe que os vírus nunca espalham boas notícias.
Mais
uma vez marcando a espuma dos dias, um vídeo colocado esta semana na rede
social mais usada do planeta pôs a população portuguesa a discutir novamente o
bullying e a chocante agressividade entre jovens. É uma questão importante que
deve ser discutida e analisada pelas famílias portuguesas de forma urgente. No
entanto, toda a sociedade deve ter a noção que este problema também lhe diz
respeito e que pode contribuir para a sua resolução de uma maneira direta ou
indireta.
Treze
minutos a levar estaladas sem reagir não é bullying, é uma agressão brutal que
se aproxima muito da tortura. É tão difícil imaginar alguém a levar uns tabefes
durante vários minutos, sem esboçar grande reação, como conceber que um grupo
de jovens comete tão ignóbeis atos sem que em nenhum momento algum deles tenha
sentido um pingo de humanidade, culpa, remorsos e tivesse posto cobro a tamanha
barbaridade. Parece impossível, mas foi possível!
Como diria
Hannah Arendt, hoje assiste-se com frequência à banalização do mal e cenas como
as ocorridas há um ano na Figueira da Foz chocam muito pouco os mais jovens.
Não deixa de causar espanto que só um ano depois o jovem agredido se tenha
sentido agredido o suficiente para se deslocar à PSP e apresentar queixa.
Durante um ano, Constança e o seu grupo de gente cool não sentiram culpa nem
remorsos nem medo. O que lhes dói hoje é saber-se! Constança conhece finalmente
o significado da fama. Para além de ficar a saber que ela tanto leva ao céu
como ao inferno, já percebeu que ela se torna incontrolável e é mais
destruidora que a humilhação que infligiu àquele rapaz e, possivelmente, a
outros como ele.
Ficou também ciente que
o mundo egoísta e dominado pela vaidade em que vive haveria de lhe recordar o
que ela fez no verão passado. Em cada comentário, em cada notícia, em cada
olhar, em cada programa televisivo, em cada piada que já se faz sobre o caso,
Constança já sente toda a dor das bofetadas que deu ao rapaz agredido.
Como o seu pai bem
disse é uma lição que lhe fica, cruel e dura. Deixemo-la aprender sem
acrescentarmos os costumeiros pregos da moralidade hipócrita à sua cruz. Será
uma lição intensa mas não durará muito, porque o círculo mediático daqui a
breves horas já terá voado para outras paragens.
Constança precisa de
aprender algumas coisas sozinha, outras com a ajuda da família, que afinal não
a conhecia e outras com a ajuda de toda a sociedade. Se os adultos não
valorizam a amizade, o bom trato, a delicadeza, o respeito pela diferença como
podem os jovens sentir-se impelidos a tal? Se uma estação televisiva não acha
grande mal ridicularizar os defeitos físicos e artísticos de um adolescente,
expondo-o perante milhões de pessoas, como podemos ficar admirados que haja
mais “Constanças” do que aquelas que supúnhamos?
Gabriel
Vilas Boas
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