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segunda-feira, 25 de maio de 2015

MARIA BETHÂNIA


É muito difícil definir Maria Bethânia, mas é muito fácil gostar da sua Música. Ao longo de cinquenta anos, a irmã de Caetano Veloso criou uma forma de cantar única que conquistou o coração de milhões de brasileiros e portugueses. A sua música tem uma força vital tão imponente e prodigiosa que parece brotar da natureza, mas também a delicadeza feminina que enfeitiça em cada nota.
Bethânia cantou centenas de canções, algumas ficaram entranhadas na nossa memória para sempre.
Começo por recordar Reconvexo, onde parece se definir nessa amplitude paradoxal:


Eu sou a chuva que lança a areia do Saara

Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Lara
Água e folha da Amazônia

Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra

Você não me pega, você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não

Eu sou o preto norte-americano forte

Com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música a mais velha
Mais nova espada e seu corte

Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá gogoya

Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
(…)

Na relação entre a tensão e o êxtase, Maria Bethânia faz o seu canto. Ele canta com toda a força do seu corpo. São rios sanguíneos de paixão e ira, romance e revolta, doçura e dureza. Ela tem o veneno e o antídoto da vida. Canta o que vale a pena, o que faz sentido: o Amor.
Ainda que de um jeito desconcertante:
Eu sei que eu tenho um jeito
Meio estúpido de ser
E de dizer coisas que podem magoar e te ofender 
Mas cada um tem o seu jeito
Todo próprio de amar e de se defender 
Você me acusa e só me preocupa
Agrava mais e mais a minha culpa
Eu faço, e desfaço, contrafeito 
O meu defeito é te amar demais 
Palavras são palavras 
E a gente nem percebe o que disse sem querer 
E o que deixou pra depois 
Mais o importante é perceber

Que a nossa vida em comum
Depende só e unicamente de nós dois 
Eu tento achar um jeito de explicar 
Você bem que podia me aceitar
Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser
Mas é assim que eu sei te amar

Bethânia não se explica
somente a ela. Ele explica o jeito intrincado de muitos de nós, especialmente no que se refere à difícil arte de amar.
Entre as várias facetas da inesquecível cantora brasileira há ainda uma outra que me conquista completamente: a doçura da sua voz. Isto fica evidente em muitas canções, mas “Gostoso Demais” exponencia esta qualidade tão brasileira da baiana. Como diria Caetano Veloso, o “modo como ela atrasa os últimos momentos de cada compasso aponta para o futuro da beleza”.


Tô com saudade de tu, meu desejo
Tô com saudade do beijo e do mel
Do teu olhar carinhoso
Do teu abraço gostoso
De passear no teu céu
É tão difícil ficar sem você
O teu amor é gostoso demais
Teu cheiro me dá prazer
Quando estou com você
Estou nos braços da paz
Pensamento viaja
E vai buscar meu bem-querer
Não posso ser feliz, assim
Tem dó de mim
O que é que eu posso fazer.

Talvez por tudo isto, ontem, no final do seu concerto no Coliseu do Porto, o público tenha saído, mais uma vez, rendido à sua música que se solta como seiva de alma tão profunda e delicada. Ouvir Bethânia continua a ser um sonho, um sonho lindo que quero continuar a ouvir em palco. Dona Canô chamará mais dia, menos dia e Bethânia irá, como filha dedicada, mas que esse dia venha longe.


Sonho meu, sonho meu
Vai buscar quem mora longe
Sonho meu
Vai mostrar esta saudade
Sonho meu
Com a sua liberdade
Sonho meu
No meu céu a estrela guia se perdeu
A madrugada fria só me traz melancolia





Sonho meu
Sinto o canto da noite
Na boca do vento
Fazer a dança das flores
No meu pensamento
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor.




Gabriel Vilas Boas

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