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domingo, 29 de agosto de 2021

PARA QUE SERVES TU ONU?


 

O que está acontecer no Afeganistão é profundamente triste e revoltante, especialmente porque altamente expectável. Particularmente chocante, para mim,  é aquilo que não se discute: a inação da comunidade internacional, que é como quem diz da ONU, neste processo de tomada de poder pelos talibãs.

Ninguém gosta dos talibãs mas também ninguém espera que mudem, por isso havia que ter sido prático e objetivo com os afegãos. A comoção e as lágrimas ocidentais são altamente hipócritas, pois esta situação era amplamente expectável há várias meses, precisamente desde que a administração Trump fez um acordo com os talibãs para a retirada dos soldados americanos do Afeganistão, à revelia das autoridades de Cabul.



Ora, toda a gente séria sabia perfeitamente o que aconteceria quando os americanos marcassem a data para a retirada após duas décadas de presença na região - os talibãs assumiriam rapidamente o poder. Houve tempo e modo de retirar do território afegão os 400 ou 500 mil afegãos que quereriam, por certo, abandonar o país. Mas não, deixou-se andar. 

De quem é a responsabilidade? Da ONU, antes de qualquer outra instituição. A organização dirigida pelo português António Guterres não tratou de ter um plano de contingência para a mais que certa crises humanitária no Afeganistão que vinha no calendário delineado por Trump e aceite por Biden. A casa comum das nações está transformada num peso morto, mastodôntico, que se limita a lamentar e condenar. 

A ONU tem de ser muito mais do que isso. Prever o que vai acontecer e encontrar soluções que protejam os direitos humanos, sabendo contornar os previsíveis direitos de veto dos hipócritas interesses dos países mais poderosos.   

Guterres tinha a obrigação de fazer melhor e não fazer-se de coitadinho. Muitas vidas perdidas e outras que se perderão inevitavelmente teriam sido salvas.

Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O BOM, O MAU E O PAROLO

 


A época que antecede qualquer eleição autárquica é sempre um altura em que o poder político revela o seu melhor e o seu pior, sem deixar de mostrar também o patético. Finalmente, aparece o dinheiro que não havia nos anos anteriores e as cidades tornam-se estaleiros de obras, procurando o poder autárquico mostrar trabalho feito, como se não tivesse havido três anos e meio para o realizar. É uma estratégia um pouco tola e algo dispendiosa, mas que a maioria dos políticos autárquicos aplica. Curiosamente nunca vi nenhum estudo de opinião questionar os cidadãos dos vários municípios portugueses se é uma estratégia adequada ou não, mas talvez interessa a quase todos manter o mistério sobre excelência da estratégia. 

Quanto a mim, não gosto de ver obras em ano de eleições quanto mais a dois meses de eleições. Acho que revela má consciência de quem sabia que devia ter trabalhado em tempo oportuno e não o fez, e demonstra também alguma falta de respeito para com os eleitores, pois toma-os por tolos, pensando «comprar o seu voto» com o tradicional foguetório de obras públicas, normalmente concentradas na sede do concelho.

Obviamente isto também se passa em Amarante, onde realmente faltavam (e continuam a faltar) alguns equipamentos públicos essenciais à população enquanto outros precisavam mesmo de ser remodelados. E foi isso que a Câmara  fez, acertadamente. Na recuperação de bairros sociais, na requalificação de equipamentos culturais, na facilitação rodoviária, na construção do trilho das azenhas. Opções certeiras, mas que deviam ter sido feitas e concluídas há mais tempo e jamais deviam estar a ser realizadas em tempo de eleições. 


No entanto não existem só coisas positivas. Algumas há até bastante negativas, umas por ação outras por omissão. A pior de todas: a construção de um parque de estacionamento na margem do rio Tâmega, bem junto à água. Contra toda a lógica de proteção e defesa do ambiente. Numa altura em que se quer restringir o trânsito automóvel dentro das cidades, Amarante constrói um parque de estacionamento para embelezar a margem do seu lindo rio. Inqualificável do ponto de vista ambiental, desnecessário para as necessidades de uma população habitual a rondar os dez  mil habitantes, um erro crasso para aquilo que se devia pretender para  o futuro da cidade e para o rio.

Esta medida é tão negativa que imensos amigos, vindos de fora da cidade, me questionam «Como é possível os amarantinos "deixarem" erguer uma coisa destas?! Como não se revoltam?!» 


Depois há o tipicamente parolo: os cassapos. no rio Tâmega. E logo o Tâmega que tem/tinha belas gaivotas e as tradicionais gigas que tão bem representavam  a cidade de Teixeira de Pascoaes. Em breve, Amarante será o gozo dos turistas, pelo menos, aqueles que tenham um bocadinho, só um bocadinho, de bom gosto e um pouco de conhecimento das tradições portuguesas e da cidade de Amarante. Estão a ver os cassapos na ria da Aveiro em vez dos moliceiros, não estão? Eu também não!  E duvido que o presidente da Câmara de Aveiro ou os aveirenses permitissem tamanho desaforo.

Uma palavra final para o que ainda ficou de fora e já devia estar feito há mais de duas décadas: um parque infantil público, no centro da cidade, totalmente dedicado às crianças; um pavilhão municipal com dimensões oficiais, de maneira a que a seleção nacional de voleibol ou de andebol ou de basquetebol ou de futsal pudesse disputar um jogo internacional na nossa cidade, algo nunca aconteceu. 


P.S. Amarante é uma cidade em transformação, para melhor, mas o seu atraso em relação às cidades vizinhas não permite erros nem parolices. Honrar compromissos não é mais do que a obrigação de uma pessoa de bem e portanto nada de mais para quem quer servir a causa pública. A cidade também precisa mais do que IMAGINAR, precisar de concretizar algumas ideias válidas e consensuais, mesmo que isso significa algum sacrifício político. Mais importante que quem faz é aquilo que se faz. 

Que seja útil, belo e reprodutor. 

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

CUSPIR NO OURO QUE COMEU



A maneira como alguns medalhados olímpicos recebem o tão almejado prémio do seu esforço, talento e trabalho, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, está  a ser cruelmente revelador do seu carácter.

Recentemente, o inglês Ben Whittaker resolveu não colocar no peito a sua medalha de prata, porque o cubano Arlen Lopez cometeu a ousadia de ser melhor do que ele no combate de boxe olímpico, na categoria de meios-pesados (-81 kg). Sem o mínimo de consideração e respeito pelo seu colega cubano, o inglês declarou: “Não conquistei a prata, perdi o ouro!”. Sim, porque o ouro era dele, à partida, e os oponentes estavam em competição apenas para dar lustro à sua vitória.


A mesma cena triste já se tinha passado na final do Campeonato da Europa de Futebol, jogo que opôs a Inglaterra à Itália, em Londres, e decidida, favoravelmente, nas grandes penalidades, aos transalpinos. Na cerimónia da entrega de medalhas, os jogadores ingleses portaram-se de maneira indecorosa, ao receberem as medalhas de vice-campeões com enfado, retirando-as de imediato do pescoço como se fosse alguma coleira cheia de pulgas.

Nesta madrugada o português Pedro Pablo Pichardo garantiu a quinta medalha Olímpica de sempre para Portugal. Entre os muitos milhares que o felicitaram, alguns houve também que se referiram a Pichardo como o luso-cubano ou simplesmente «o cubano», exibindo um desprezo por alguém que decidiu pedir a nacionalidade portuguesa e se dispôs a competir, com todo o seu talento, debaixo da bandeira nacional. Só não disseram que voltasse para a terra dele, porque estavam interessados no ouro que brilhava no seu peito. Mesmo sabendo das afrontas, Pedro Pichardo respondeu com a elevação dos campeões: «Este ouro tem um significado muito grande, pois é a única forma de agradecer ao país que me apoiou desde o primeiro dia. Agradecer com medalhas e bons resultados.”

A dignidade e a nobreza de carácter são medalhas de ouro ao alcance de todos, mas nem todos a sabem conquistar. Uma pena que aconteça em Portugal, um país onde escasseiam medalhas olímpicas e das outras também.
Gabriel Vilas Boas

domingo, 1 de agosto de 2021

QUEM INVENTOU OS ÓCULOS?


Os óculos são dos poucos inventos produzidos durante a Idade Média. Das suas origens pouco se sabe, muito menos quem foi o seu inventor. Certezas, e relativas mesmo assim, só quanto à data: terá sido por volta do século XIII, algures na europa. Possivelmente, terá sido um invento anónimo, fruto da necessidade, desenvolvido e aperfeiçoado, depois, por várias pessoas. 

Eis alguns factos que ajudam a clarificar a história deste invento extraordinário. 

Um dos primeiros nomes nomes apontados é do frade inglês Roger Bacon, que teria delineado os princípios para a fabricação de lentes, na sua Opus Majus (cerca de 1266). Contudo, não existe qualquer prova que Bacon tenha posto as suas teorias em prática.


A pista seguinte vem de um sermão pregado em Florença por Giordano da Rivalto, um frade de Pisa, em 1305, em que refere que a arte de fazer óculos não teria mais de vinte anos. No mesmo ano, no livro  Lilium Medicina, Bernard de Gordon faz referência a uma loção que permitiria aos idosos ler sem ter que usar óculos. Uma outra crónica refere o nome de Alessandro Della Spina, um frade dominicano de Pisa, que morreu em 1313, que teria aprendido a arte de fabricar lentes de outra pessoa,  que não se menciona. Regista-se ainda o nome de Guy de Chauliac: na obra La Grand Chirurgie, refere-se o uso de óculos para casos em que a aplicação de uma loção se revele insuficiente. Isto é em 1363.


Há também representações visuais destes primeiros óculos. Há quem considere que esta primeira representação data de 1352, num fresco na Basílica de San Nicolo, em Treviso, no norte de Itália. Nesse desenho  surge o cardeal Hugo da Provença, usando um par de óculos em tudo parecidos com os atuais. No mesmo fresco surge também o cardeal Nicolau de Ruã, lendo um livro com um objeto em tudo semelhante a uma lupa. Alguns anos mais tarde, por volta de 1375, São Paulo é retratado usando óculos, numa iluminura francesa  da Bíblia. 

Na literatura aponta-se o nome de Franco Saccheti, que numa obra de ficção, de 1358, põe uma personagem a usar óculos.

Em suma, as certezas são poucas e as dúvidas são muitas. Certo é que os óculos são uma invenção anónima, possivelmente do século XII ou XIII, usados, e possivelmente inventados, em ambiente monástico, o que não admira, pois eram os conventos os grandes centros difusores da cultura na Idade Média.