Etiquetas

domingo, 28 de fevereiro de 2021

O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico dos media

 


Talvez a primeira parte da frase de Millôr Fernandes já esteja um pouco desatualizada, mas não a segunda. Não há um excesso de futebol na televisão, (até porque não há tanta qualidade assim para mostrar) mas sim de conversa fiada acerca do mesmo.

A conversa acerca do futebol é cansativa, porque se apega à futilidade, à intriga e à maledicência. Dirão muitas pessoas que isso é instigado pelas televisões, que procuram audiências fáceis. É verdade, mas quem faz as audiências fáceis são os espetadores pouco exigentes.

Gostar de ver desporto na televisão não é um gosto menor nem nos desqualifica. Haverá espetáculos mais interessantes do que outros,  tal como acontece com as entrevistas, os debates, os filmes ou as séries, mas a opção por dar audiência a modelo repetitivos e trauliteiros, onde a gritaria impera é do espetador. Ao mesmo tempo, ele tem outras opções, até dentro da temática desportiva, apesar de lhe parecer que não.

Precisámos de excluir os narcotraficantes da pseudoinformação desportiva, para vermos com mais nitidez a beleza do desporto. Isso levar-nos-á a ser mais seletivos e variados naquilo que vemos, ao mesmo tempo que será possível não futebolizar o discurso político e social, como tem acontecido com infeliz frequência. 

É costume dizer-se que o futebol é paixão, mas não é verdade que seja irracionalidade. O desporto adquiriu admiradores pela beleza do jogo, pela competitividade das equipas, pela capacidade de agregar, pela excecional capacidade dos atletas e pela nobreza de quem pratica um determinado desporto. É isto que interessa ver e reter do desporto. Tudo o resto é uma palermice que faz uma péssima publicidade ao desporto que dizemos gostar. 

Dar audiência a conversa sem assunto sobre futebol é um péssimo serviço ao próprio desporto e à saúde mental do adepto. Mas tal como acontece com a droga e os traficantes, jamais os media deixarão de explorar este filão de mau gosto enquanto houver esta dependência mesquinha.

Se uma noite qualquer de confinamento, observar que está a consumir uma inútil discussão sobre um penalty que o árbitro deixou de marcar a favor do seu clube, tome uma vacina RTP2. Tem a duração de uma hora, mas terá um efeito devastador na imbecilização da conversa acerca do futebol, que noite após noite vai minando o nosso gosto pelo desporto em geral e pelo futebol em particular.

Gabriel Vilas Boas

domingo, 14 de fevereiro de 2021

REGRESSO DEVAGAR AO TEU SORRISO

 


Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa.

Faço de conta que não é nada comigo.

Distraído, percorro o caminho da saudade,

pequeninas coisas me prendem,

uma tarde num café, um livro.

Devagar te amo e às vezes depressa,

meu amor, e às vezes faço coisas que não devo.

Regresso devagar a tua casa, 

compro um livro, entro no amor como em casa.


Manuel António Pina


terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

FINALMENTE OS CIENTISTAS ASSUMEM A CRÍTICA FRONTAL AO GOVERNO

 
Custou, mas foi. 

Manuel Carmo Gomes e outros epidemiologistas, com presença ativa nas reuniões do Infarmed, falaram claro: o desastroso último mês, no que diz respeito à resposta à pandemia da Covid-19, deveu-se às medidazinhas remendadas e tardias com que o governo português atacou um sério problema. 

Há mais de vinte dias que cai um avião em Portugal, sem sobreviventes, e isso não pode ser normal. António Costa e o seu governo, assim como Marcelo Rebelo de Sousa são os principais culpados pela inação, pela falta de firmeza, pela falta de medidas adequadas, no combate ao grave problema de saúde de Portugal no último século. 

Morreu muita gente que não tinha de morrer. Não só agora mas também há um mês era óbvio que as pessoas não podiam andar na rua alegremente, e aos molhos aos sábados e domingos de manhã, quando já tínhamos mais de cinco mil casos por dia. Também era evidente que as escolas tinham de parar, como dizia toda a comunidade científica, mas a comunicação social continuava a ouvir os Ascenções desta vida como se o que estivesse em causa fosse uma qualquer luta sindical. 

Morreram milhares de pessoas e muitas delas não tinham de morrer se ouvíssemos os médicos e epidemiologistas e tomássemos por bons os seus conselhos. 

Tal como acontece com outros assuntos, a televisão está cheio de gente que acha isto e aquilo e é essa gente que o governo parece ouvir para depois decidir. 


Os médicos não são insensíveis à economia, ao cansaço das pessoas, mas ninguém foi tomar o seu lugar quando os hospitais estavam entupidos de gente com Covid. Nenhum desses peritos de coisa nenhuma acolheu uma ambulância e prestou auxílio a um doente grave. 

O governo português não abunda em gente muito competente, mas ainda lá estão alguns com algum bom senso. É preciso que essa gente tenha poder de decisão. É preciso que não queiram fazer de Marta Temido um qualquer Tiago Brandão Rodrigues, que tem de perguntar todas as semanas «o que é p'ra dizer agora?»

Manuel Carmo Gomes não tem mais tempo para aturar incompetentes e gente que não fez outra coisa na vida do que ser um jogador político. A ministra da saúde está cansada de ser derrotada no Conselho de Ministros. Ela precisa que a população entenda que é preciso estar fechado mais seis semanas e sem pressionar todos os dias para desconfinar. 

Voltaremos apenas quando for seguro. E é isso que temos de absorver. Quanto mais cedo aceitarmos estas condições mais perto estaremos do regresso. 

Muitas vezes pergunto-me «Para quê precisamos dos políticos?» A resposta surge-me agora mais clara do que nunca: precisamos que não atrapalhem, que decidam com base em critérios racionais e que deixem os joguinho políticos para o seu mundo paralelo e virtual. 

Gabriel Vilas Boas

sábado, 6 de fevereiro de 2021

QUERIAS TER AS VACINAS QUE ISRAEL TEM?

 

Segue fantástica a vacinação em Israel. Nos países da união europeia cresce o nervosismo à medida que os dias passam e as vacinas não chegam. Os cidadãos olham para a percentagem de vacinação dos israelitas e invejam-nos. Metade da população vacinada quando os países europeus não chegam aos 10% e países como Portugal vão em 1%

Como fizeram os israelitas? Fizeram aquilo em que normalmente são ótimos: pagar mais caro, passar por cima das regras, vender a alma ao diabo, excluir os palestinianos do plano de vacinação, incumprindo o acordo com a pfizer. 

Numa altura de grande angústia, medo, com a economia parada e as morgues em grande azáfama, há, certamente, adeptos dos método judeu: pagar o dobro dos outros para ter primeiro aquilo que devia ser distribuído; fornecer os dados clínicos da população israelita, sem o consultar, à pfizer; deixar para o fim os palestinianos da Faixa de Gaza.

Era isto que os europeus deviam fazer? Na minha opinião, claro que não! Se a união europeia, a parte do mundo mais civilizada e democrática, não dá, nesta pandemia, um exemplo de solidariedade, o que a distingue dos regimes ditatoriais? É na adversidade, no sofrimento da espera, que mais devemos ser exigentes com os nossos valores. O «salve-se quem puder», o «cada um por si» só nos afunda em humanidade e torna insignificante qualquer esforço da ciência, o brilho da criação artística, a magnificência das atitudes nobres. 

Um povo vê-se na nobreza do seu carácter. A vacinação contra o coronavírus é um momento delicada da vivência da humanidade que há várias décadas não tinham encontrado um inimigo tão letal. Havemos de o vencer. Uns com mais baixas do que outros, mas a pior das derrotas é a da indignidade. 

Excluir pessoas porque professam outra religião ou vender a intimidade dos cidadãos são decisões víricas que não gostaria de ver no meu país.

GAVB

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

ESCRE(VER)-ME

 Nunca escrevi


sou 

apenas um tradutor de silêncios


a vida

tatuou-me nos olhos

janelas

em que me transcrevo e apago


sou 

um soldado

que se apaixona

pelo inimigo que vai matar.


Mia Couto, 1985