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domingo, 16 de fevereiro de 2020

VIVER É UM DIREITO OU É UMA OBRIGAÇÃO?


Pode a escolha de uma morte digna sobrepor-se ao direito à vida? Deverá esta ser prolongada mesmo que isso implique mais sofrimento? A Assembleia da República volta a debater a eutanásia com os projetos de lei do PS, BE, PAN, PEV e Iniciativa Liberal (IL), apesar das críticas da Igreja Católica e da Ordem dos Médicos.
Há dois anos faltaram cinco votos para que a lei sobre a eutanásia fosse aprovada, agora existe uma maioria que quer despenalizar a morte medicamente assistida, contra a qual o PCP e o CDS-PP e Chega se manifestam.
Apesar da opinião dos partidos me interessar pouco, a verdade é que são eles que vão decidir alterar a lei, mesmo sem querer saber a opinião dos portugueses. Dizem que os “direitos fundamentais não se referendam” para se justificarem, mas não há justificação para que dezenas de deputados se arrogarem no direito de decidir sobre algo tão fundamental sem nos ouvir. Como sabem se é isto que queremos, logo eles que foram eleitos por pouco mais de metade dos eleitores? Sabem-no por intuição? Porque estava os seus programas eleitorais? Nos programas eleitorais dos partidos está o combate à corrupção há dezenas de anos e no entanto ela têm aumentado, sendo muitos deputados e ex-deputados infelizes protagonistas.


Viver é um direito e não uma obrigação. Nunca foi uma obrigação! O que não havia nem há, por enquanto, é a morte medicamente assistida, a que pomposamente querem chamar “morrer com dignidade”.
Talvez seja fácil alocar recursos a quem quer “morrer com dignidade”, quando não se permitiu a essas mesmas pessoas viver com dignidade.

É sempre mais fácil deitar ao lixo do que consertar, que é como quem diz “cuidados continuados”. É consensual que vivemos num triste tempo em que as pessoas vivem relações frágeis e muito relativas, em que se sentem tão descartáveis quanto um saco de plástico. E é precisamente nesta altura que se discute a eutanásia. Que péssimo sinal damos! No entanto, ele não é surpreendente, mas tão somente coerente.

Queremos dar poesia à morte, quando a vida tem sido um horrível conto de segunda categoria.

Entendo e respeito o ponto de vista daqueles que defendem a eutanásia como uma solução para terminar com os sofrimentos horríveis e sem reversão, mas a realidade será muito menos poética. A realidade é aquela que já se discute no país das liberalizações – A Holanda – onde o debate já está no “comprimido gratuito para maiores de 70 anos cansados de viver”.
E porque não um brinde? Daqui a uma década estaremos a discutir um incentivo às famílias para os encorajar a aliviar os encargos da Segurança Social ou dos Hospitais, permitindo que os doutores da morte aliviem as dores daqueles que se recusam a morrer naturalmente e em tempo útil.

E é tão fácil fazermos um velhinho desejar morrer! Basta enchermos-lhes o coração de mágoa e tristeza, deixá-lo abandonado a um canto do lar de terceira categoria para que sejam eles a pedir o comprimido gratuito que lhes permita morrer com dignidade, porque nós lhes damos uma vida indigna.
Talvez daqui a uma década aquela anedota* sobre a morte de um velhinho deixa de nos fazer sorrir, porque optamos agora por priorizar a morte em vez da vida.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

O MUNDO É UM LABIRINTO SEM CENTRO


A civilização confunde relógios com tempo, o crescimento com desenvolvimento e o grandalhão com a grandeza.
Também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem fim, se limita a quebrar o céu.

Eduardo Galeano

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

A REVOLUÇÃO ACONTECEU E NÓS ESTÁVAMOS ALAPADOS A VER A NETFLIX



«Embora o meu país tenha tomado a decisão louca, infantil e provavelmente suicida de abandonar a Europa, eu continuo a sentir orgulho de ser europeu e da grande experiência social que a União Europeia representa. Na minha cabeça, ainda estou na Europa e é lá que vou ficar. Para a Inglaterra está tudo acabado e as gerações vindouras avaliarão os resultados.
Mas estou a escrever-vos porque quero dizer-vos o que aconteceu a Inglaterra. 
Todos os ingredientes sistémicos de que provavelmente têm conhecimento: uma imprensa corrupta e enganadora, pertença de umas poucas pessoas muito ricas; uma ilusão absurda e bem alimentada sobre o passado imperial de Inglaterra; uma imprensa que vive de atenção e de cliques e por isso amplia as hipóteses políticas de entertainers como Trump e Johnson; um ecossistema de redes sociais que conduz à polarização, em vez de [promover o] compromisso, e uma série de líderes indistintos que aparentemente nada sabiam sobre estes problemas sistémicos.

Mas houve outra coisa e o objetivo desta carta [é apontá-lo]: aqueles dentre nós que se consideram liberais ou socialistas ou democratas não estiveram atentos. A maioria não reparou que, para a classe trabalhadora, as condições se agravavam de ano para ano. E não nos apercebemos que a imprensa do esgoto atribuía a culpa dessas condições às vítimas - os imigrantes, os pobres, os assistentes sociais, os professores, os estrangeiros... e, acima de tudo, a União Europeia. 

Não reparámos porque a nossa vida não era assim tão má - todos tínhamos os nossos iPhones e as nossas aplicações e as nossas contas na Amazon e os nossos voos baratos para zonas costeiras e outras formas de gastar o tempo. Entretanto, uma revolução estava a acontecer. Não a reconhecemos porque sempre pensámos que os revolucionários devíamos ser nós. A revolução aconteceu e nós estávamos alapados a ver Netflix. 

Estou certo que os vossos países também enfrentarão, em breve, campanhas para sair da União Europeia, se é que já não enfrentam. A União Europeia é um alvo fácil para qualquer político ambicioso. 
Querem tornar-se um grande nome na política? 
Identifiquem um problema, digam que a culpa é da União Europeia e depois cavalguem a onda nacionalista com a ajuda que os media inevitavelmente vos darão. 

Por favor, amigos na Europa - não façam os mesmos erros estúpidos que nós. Não se limitem a rir de pessoas como Trump e Johnson e todos os outros, porque em breve eles irão devorar-vos. 
Se queremos uma Europa unificada, precisamos de defendê-la agora. Falar sobre ela. Pensar sobre ela. Melhorar e resolver as coisas.

Brian Eno, músico e produtor inglês.



sábado, 1 de fevereiro de 2020

NENHUM HOMEM É UMA ILHA


Ninguém deve menosprezar a vossa decisão de seguir sozinhos.

Talvez o melhor que podemos desejar é que o Reino Unido, finalmente liberto do pesadelo europeu, rume para novas margens, parcerias e oportunidades — e aquilo que for bom para o Reino Unido não será mau para os seus ex-parceiros europeus.

Obviamente que ninguém deve menosprezar a decisão dos britânicos de seguir sozinhos. Isso foi longamente debatido. As nações têm o seu ego, como disse James Joyce. Se outros países europeus lidassem com crises como ilhas, talvez também eles ansiassem por recuperar a grandeza do passado. Portugal teve a sua próprio experiência nos anos 50 do século XX, quando o ditador "tin-pot" [expressão inglesa atribuída a ditadores de países pequenos que acham que são mais importantes do que são de facto] António Salazar proclamou que iríamos ficar orgulhosamente sós.

É suposto que o Reino Unido, de novo como uma ilha, siga à deriva no Atlântico em direção aos Estados Unidos. A América estará à espera, de braços abertos, com as suas boas maneiras e jogo limpo, personificados pelo atual presidente. Ele irá explicar a Boris Johnson que as alterações climáticas não existem, que é bom continuar a explorar minas de carvão e que a lei internacional foi ultrapassada pelo Twitter.

Mas as escolas na Europa vão continuar a ensinar a linha poética de John Donne que diz que "Nenhum homem é uma ilha"
Lídia Jorge, in The Gaurdian