Etiquetas

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A CULPA FOI DO COMPUTADOR


«Foi lapso informático!» Há quanto tempo não ouvíamos uma desculpa esfarrapada destas? Há muito, mas esta foi a única justificação que o responsável pelo Plano Nacional de Leitura deu para a inserção do livro de Valter Hugo Mãe «Nosso Reino», nas recomendações de leitura para os alunos do 8.ºano.
Ora, como toda a gente sabe, os lapsos informáticos só se descobrem quando não há outra justificação para dar sobre um erro humano cometido. A comissão do PNL percebeu rapidamente a indignação geral. Aos puritanos do costume juntaram-se as vozes do bom senso que disseram o óbvio: o romance do Valter Hugo Mãe até pode ser bom (que o é), mas aquela linguagem não é própria para um adolescente de 13 anos. É verdade. E foi isso e só disso que o lapso informático veio desculpar-se. O PLN pede desculpa por ter recomendado o livro para adolescentes de 13/14 anos; na verdade, queria recomendá-lo a jovens de 16/17 anos.

Os pais do Liceu Pedro Nunes já podem dormir descansado, a sensibilidade dos filhos já não será mais ofendida, porque ler “aquela coisa abjeta” três anos mais velho passa a fazer sentido. Até lá, os pais vão preparar o espírito dos jovens e adolescentes para parágrafos tão feios quanto aqueles.
Entretanto, o pessoal entendido em literatura sempre podia dar uma vista de olhos no “Nosso Reino”, passar à frente os parágrafos sacrílegos e deixar uma opinião abalizada. Nos intervalos das leituras podem aproveitar para dar uma espreitadela aos portáteis, tablets e smartphones dos filhos e das filhas e verificar que tipo de fotos (in)decentes andam a postar, os vídeos que trocam entre si nos chats, os sites que visitam, os filmes que veem. Depois voltem ao livro do Valter Hugo Mãe, leiam os parágrafos da polémica e comparem.

É uma tarefa que dá o seu trabalho, mas verão que vão ficar a saber coisas interessantes sobre literatura e os próprios filhos.  
GAVB

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O MELHOR PATRÃO DO MUNDO NÃO É PORTUGUÊS




Os portugueses gostam de dizer, orgulhosamente, que têm o melhor jogador de futebol do mundo, o melhor vinho do mundo, das melhores paisagens do planeta, a melhor gastronomia, mas quando a conversa chega ao patrão… preferem deixam-se de patriotismos e só gabam o patrão se ele for estrangeiro.
O patrão português tem todos os defeitos: paga mal; foge aos impostos; esquece-se dos direitos do trabalhador; investe os lucros em bens pessoais e descapitaliza a empresa; não promove a formação profissional; é insensível aos problemas pessoais dos empregados; não premeia o mérito; é permeável à cunha.

Por contraste, o patrão estrangeiro quase só tem virtudes. Começa logo por ser estrangeiro, o que lhe dá imediatamente outro estatuto e outra imagem. Fala línguas; é educado, respeitador, cumpridor; valoriza o trabalho dos seus colaboradores.
Na verdade a diferença não é assim tão grande como o preconceito da maioria dos portugueses. O problema é que os portugueses detestam ter de trabalhar e ter de obedecer a outro português. Sentem-se menorizados, quase humilhados, por haver um “tipo como eles” a ditar-lhes ordens. Não pode ser! Ordens recebem de um alemão, um francês, ou dinamarquês, mas de um português é que não! Tenham lá santa paciência, mas receber ordens de um português não é para portugueses. Por isso boicotam-lhe as ordens, atrasam o serviço, põem em causa a sua competência para mandar.
Na Alemanha, em Inglaterra ou na Holanda são uns cordeirinhos: rápidos a cumprir as diretrizes, percebem todas as urgências do patrão, disponibilizam-se para trabalhar horas-extra se for preciso.
Com empregados assim, um país como Portugal só há de ser bem sucedido quando contratar patrões estrangeiros, para dirigir as nossas empresas. Adoramos ordens em inglês ou alemão. Como se percebem pior, cumprem-se melhor. Só pode ser isso…

Gabriel Vilas Boas

domingo, 29 de janeiro de 2017

AS PESSOAS FARTARAM-SE DOS MODERADOS


O que é um moderado? Podemos escolher uma de duas respostas: uma pessoa que usa de bom senso, medindo os seus atos, as suas respostas e atuando de forma equilibrada e justa ou um indivíduo oportunista, cínico e que apenas diz aquilo que é politicamente correto, ou seja, aquilo que a maioria quer ouvir em determinados momentos.
A vida pública e política está cheia de moderados da segunda espécie e foram eles que deram uma desgraçada fama à estirpe dos moderados.

O primeiro sinal que os moderados estavam em queda foi dado pela política de pequenos países em crise, como a Grécia; depois o fenómeno alargou-se a outros países, quando a corrupção e a crise económica mundial revelaram gente corrupta em todas as latitudes do poder. 

Os povos fartaram-se dos moderados, ao perceberem que eles eram apenas uns sonsos, que se aproveitavam da ignorância e medo das populações para instalar um labirinto de poder, onde apenas eles sabiam progredir.

Sem arte nem engenho para regenerar o sistema por dentro, as sociedades foram-se entregando nas mãos e nas ideias dos doidos que prometiam rebentar com o sistema. O sistema deixou de ser a liberdade, a democracia, a livre circulação de pessoas, bens e ideias para significar injustiças, desigualdades, burocracia, corrupção, aproveitamento. 
O doido que chega para tomar o poder pela força do voto não tem que provar nada nem garantir coisa nenhuma a não ser cumprir a promessa de arrasar com tudo. O que há de bom também! Normalmente este tipo de gente é impreparada, xenófoba, racista, antidemocrata, belicista e com uma enorme dose de loucura.

O poder embriaga muitíssimo e não é certo que a força do dinheiro seja antídoto suficiente para neutralizar esta vertigem de loucura desesperada que invadiu o coração de muitas sociedades ocidentais (Inglaterra, França, EUA…). Os loucos não conseguirão derrotar os ocultos poderes instalados e que minaram as democracias – não são suficientemente espertos – mas poderão causar-lhes temporariamente alguma mossa. No entanto, esses mesmos loucos são perfeitamente capazes de nos reduzir drasticamente os direitos que arduamente fomos conquistando durante séculos e, por orgulho ou maldade, perpetuarem-se no poder.
Os tempos atuais são altamente desafiantes para os povos, que estão a reagir por instinto em vez de usarem a razão. Ser capaz de encontrar e eleger o moderado certo, que corrija a embriaguez de corrupção em que mergulhámos nas últimas três décadas e ao mesmo tempo corresponder aos anseios dos vários grupos que crescem desordenadamente em cada sociedade, é a tarefa mais importante que cada povo tem entre mãos.
O último grande moderado que conheci já morreu e chamava-se Nelson Mandela.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 28 de janeiro de 2017

O MEU TRABALHO É MUITO MAIS DIFÍCIL QUE O TEU


Quantos de nós já não fomos confrontados com um argumento «poderoso» como este? Normalmente vem de uma pessoa próxima (amigo, mulher, marido, familiar) e até é facilmente rebatível, mas magoa que se farta.
É o típico comentário desesperado e mal-intencionado que procura amesquinhar o outro, sugerindo que o seu trabalho é fácil de executar, cheio de regalias e bem remunerado. Já o ouvi várias vezes entre amigos e casais e interrogo-me porque surge com tanta frequência.
É assim tão natural pensar que nós é que somos especiais, nós é que fazemos as coisas difíceis, nós que é que trabalhamos mais? Todos os trabalhos têm as suas dificuldades e não é o facto de alguns não se queixarem que os torna mais «fáceis».

Na verdade, o trabalho dos outros só é fácil porque não somos nós a fazê-lo. Por vezes, nem imaginamos quão complexa é a sua execução e como estaríamos realmente impreparados para o fazer com o mínimo de qualidade, no entanto assegurámos ao nosso marido, ao nosso amigo ou à nossa tia que daríamos conta do recado com uma perna às costas. Curioso é que raramente nos disponibilizamos para fazer a “contra-análise”, ou seja, por alguns dias, trocar de tarefas.
Este tipo comentários revela-se, na maioria das vezes, injusto e perigoso, porque cria animosidade, tristeza e desconfiança nas relações. O cansaço ou a frustração profissional não se resolvem aos pontapés. A amizade por aqueles que amamos prova-se no respeito que temos por eles; menorizar aquilo que fazem é uma profunda falta de respeito.

GAVB

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O PREÇO DA COCAÍNA VAI SUBIR EM FLECHA


Donald Trump pretendia humilhar os mexicanos fazendo-os pagar o muro da vergonha que vai erigir, ao longo da fronteira, que separa os dois países. Como é óbvio, o México não vai pagar coisíssima nenhuma e Trump já retaliou, lançando um imposto de 20% sobre os produtos provenientes do México. Está dado o mote, este vai ser o estilo da política americana, com a administração Trump.
O homem que chamou aos mexicanos criminosos, delinquentes, traficantes de droga promete fazer uma lista semanal dos crimes cometidos por imigrantes, numa das medidas mais xenófobas de que há memória. Provavelmente, teremos uma réplica noutra latitude qualquer; Trump retorquirá como um miúdo mimado, habituado a brincar com armas de fogo e o mundo tornar-se-á na mais perigosa geringonça dos últimos cinquenta anos.

A perseguição de Trump aos mexicanos quase que nos recorda o ódio que Hitler tinha aos judeus. Não duvido que Trump imponha altos impostos aos produtos mexicanos, rasgando todos os tratados comerciais em vigor, mas é bom lembrar que esses produtos vão ficar mais caros aos… norte-americanos. É certo que os mexicanos precisam do comércio com os EUA como de ar para respirar, mas a atitude do presidente dos EUA trará solidariedades várias e por certo não ficarão isolados.

É provável que as medidas de Trump tenham um efeito boomerang mais cedo do que Trump espera. Infelizmente para os mexicanos e para os norte-americanos, o México é o principal fornecedor dos vícios dos «yankees». Muita da droga que os americanos consomem entra pela porta mexicana. As ideias de Trump vão provocar, literalmente, uma enorme ressaca em Hollywood, Nova Iorque ou Washington. Não me admira nada que os mexicanos enviem todos os meses a Trump uma lista pormenorizada de ilustríssima gente que se vai abastecer de pó branco ao outro lado do muro. Talvez até façam algumas detenções espetaculares… só para ter cromos para a troca.
Gabriel Vilas Boas  


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

FRENPROF JÁ SURFA NOVA ONDA. VAI VOLTAR A PERDER


Poucos dias depois de uma clamorosa derrota nas negociações com o Ministério da Educação, sobre a vinculação extraordinária de professores, Mário Nogueira não sente necessidade de se explicar aos professores, mas acha necessário abrir nova frente de batalha com o Ministério tutelado por Tiago Brandão Rogues – o modelo de gestão das escolas
Nogueira quer reduzir o poder dos Diretores, tornando a gestão das escolas mais democrática. A luta de Mário Nogueira faz sentido, mas a Fenprof vai voltar a perder. E perder tanto e em tão pouco tempo era desnecessário.

A derrota da passada semana foi estrondosa – a FENPROF não só não conseguiu a vinculação extraordinária de um número razoável de docentes, como viu a FNE passar-lhe a perna, ao conseguir que os professores do privado concorram às míseras vagas que o ME vai abrir, em igualdade de circunstâncias com os docentes do público. Usando uma expressão popular, Nogueira foi “comido de cebolada”. Pior foi a justificação envergonhada que deu, sugerindo que o ME o chantageou e ele não cedeu.
A vinculação extraordinária de professores era uma peça fundamental da luta dos professores e a FENPROF perdeu clamorosamente. 
Procurando disfarçar a incómoda derrota, Mário Nogueira lança-se em nova batalha – alterar a gestão escolar, muito centrada nos Diretores. O secretário-geral da maior associação sindical de professores diz que este é um dos assuntos que mais preocupa os professores, a par das questões salariais e a progressão na carreira. Mário Nogueira sabe que não é bem assim e todos os professores também sabem.

É verdade que a progressão na carreira e as questões salariais são fulcrais, mas isso é válido para os professores como é para os médicos, enfermeiros, policias, funcionários judiciais ou das finanças. Os professores não serão exceção – quando houver aumentos (e se houver) será para todos. 
Comparar a definição das regras dos concursos de professores e a vinculação extraordinária de professores à questão da gestão escolar, na lista de prioridades dos professores portugueses é uma piada de mau gosto.
Além do mais, Mário Nogueira devia saber que o PS não está nada interessado em reduzir o poder dos Diretores. Que governos institucionalizaram a figura do Diretor por todo o país? Os governos do PS, quando Maria de Lurdes Rodrigues era Ministra da Educação. A ideia de um Diretor a mandar na Escola Pública assim como o atual modo da sua eleição casa muito bem com uma certa ideia de controlo político local das Escolas.

Não sei se Nogueira gosta de perder, mas que faz tudo por isso, faz. Além do mais, prepara mal algumas batalhas. Assim será cada vez mais difícil mobilizar os professores.
Mário Nogueira parece cada vez mais o Pinto das Costa dos professores: está há tempo a mais na liderança dos professores; traz muito a agenda da CGTP para a luta dos professores e educadores; não tratou de preparar a sucessão; os principais problemas dos professores continuam por resolver… e não se vislumbra argúcia para reverter a situação.
Também em relação a Mário Nogueira é pertinente a pergunta que fiz aos Diretores – ainda se lembra da última vez que deu aulas durante um ano inteiro?

Gabriel Vilas Boas  

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

COMO O RESSENTIMENTO ATRASA A VIDA


A palavra é feia e ninguém gosta de a assumir facilmente, mas a verdade é que passamos muitos dias da nossa vida acarinhando ressentimentos. Com os amigos, com familiares, com os colegas de trabalho, com a vida.
O ressentimento é uma espécie de erva daninha que nos cerca o coração e nos aperta a bondade tão vorazmente que, em poucos meses, ficamos amargos, injusto, quase velhacos. Fechados num castelo ilusório de razões que pouco mais não são do que águas passadas lá vamos construímos muros em volta.

O que procura o ressentido? Infligir um castigo, uma lição a quem o magoou! O que consegue? Magoar-se, isolar-se, derrotar-se.
O ressentimento é uma prisão poderosa, porque se aprofunda com facilidade. É um lugar difícil de sair, pois tem um carcereiro vigilante: o orgulho ferido.
É difícil relativizar as nossas mágoas, porque são nossas e parece que nelas está tudo o que somos, mas elas são apenas mágoas. Hoje são as nossas, amanhã são as de outros. Os erros, os nossos e os dos outros, sempre acontecerão, com uma regularidade surpreendente. Hoje compete-nos compreender e perdoar, amanhã será a vez dos outros.

O medo que os outros não o façam corrói-nos o orgulho e paralisa-nos a vontade, sempre que nos falta coragem e grandeza de perceber o que é mais importante e nos faz melhor. 
A única coisa que atrasamos, quando nos deixamos dominar pelo ressentimento, é a nossa vida. Quem quer saber dum tipo maldisposto e ressentido? Ninguém. Quem tem paciência para um ressabiado? Ninguém.

Gabriel Vilas Boas  

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O BABY BOOM CHINÊS


No final de 2015, o governo retirou a proibição das famílias chinesas terem mais de um filho. Depois de quatro décadas de política de filho único, as autoridades de Pequim acharam que já era altura de devolver aos chineses o direito de terem os filhos que quisessem. Os resultados não se fizeram esperar e são agora divulgados: neste primeiro ano de liberdade, os chineses tiveram quase dezoito milhões de novos cidadãos, o que se cifrou num aumento de 7,9% face a 2015.
Se tivermos em conta que na primeira década do século XXI, a população chinesa aumentou, em números redondos, 100 milhões de pessoas (10 milhões por ano) verificamos que o ritmo aumentará significativamente, em liberdade de procriação.

O problema chinês, em 1970, era económico, como se prova com esta restituição da liberdade aos casais chineses. O grande Mao Tse Tung falhou a estratégia de crescimento chinesa quando pensou que o crescimento se faria multiplicando gente no meio de um comunismo sui generis e de uma economia estatizada. Quando Deng Xiaoping fez cair a China na realidade e impôs medidas desumanas de controlo da natalidade, os chineses viviam no limiar da pobreza. Passados quarenta anos, respirando a plenos pulmões uma política de mercado, onde são eles a ditar as leis, os governantes  chineses começam a devolver ao seu povo alguns direitos básicos que lhe foram tirados.

É verdade que os chineses estão a envelhecer, é verdade que há 80 milhões de filhos únicos que não puderam ter irmãos, mas a principal razão para os chineses terem acabado com a política do filho único foi o desafogo económico em que vive a China.
O Baby Boom chinês está em marcha. Não sei se eles caberão todos dentro da Grande Muralha, mas, com o dinheiro que os chineses fazem nascer, não me surpreendia que, um dia destes, os chineses comprassem uns territórios em África ou arrendassem um país em crise para instalar os duzentos milhões de novos chineses que nascerão na próxima década.

Gabriel Vilas Boas 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

É O FIM DA (carne) PICADA!


Ainda não é, mas devia ser! Hoje a DECO apresentou um estudo, onde demonstra que a carne já picada, comprada em talhos de Lisboa e Porto (e não apenas a embalada nos supermercados) contém bactérias nocivas, aditivos alergénicos, sulfitos em grande quantidade e demasiada gordura. A Deco não só desaconselha a compra de carne já picada pelos talhos, como pede ao governo que proíba a sua venda.


Não é um estudo surpreendente, pois há muito que todos já suspeitávamos que os talhos empurravam, para as embalagens de carne picada, hambúrgueres e almôndegas, todas aquelas sobras de gordura e alguma carne de duvidosa qualidade, que devia ir para o lixo. Infelizmente, a ASAE, nos últimos anos, passou do oitenta para o oito e aligeirou demasiado o seu trabalho. Ainda hoje, perante este estudo tão perentório da DECO, a ASAE diz estar atenta (nota-se!) e "admite tomar medidas de fiscalização suplementares, se tal se justificar”.
Não se compreende tantos salamaleques da ASAE, que há poucos anos andava a infernizar a vida dos vendedores de bolas de Berlim nas praias e não deixava em paz as pizzarias com fornos a lenha, invocando a saúde dos portugueses para justificar a sua sanha persecutória.


A carne picada embalada é um problema de saúde pública. Dado que os talhos e quem neles manda deixaram de ter um mínimo de consciência cívica, urge tomar medidas. A mais importante cabe a cada um de nós: mandar picar a carne in loco e no momento ou então recuperar as picadoras lá de casa e fazer o trabalho em casa.
Andar a pagar gordura e carne estragada como boa carne de vaca é mau, mas muito pior é andar a ingerir bactérias como a salmonela e a E coli, de origem fecal, à espera de ir parar ao hospital com alergias, náuseas, dores de cabeça, problemas digestivos, respiratórios ou de pele.

GAVB

domingo, 22 de janeiro de 2017

POR QUE É QUE ESSAS PESSOAS NÃO VOTARAM?


A frase é de Donald Trump e talvez seja das melhores coisas que disse ultimamente. Donald Trump referia-se às enormes manifestações que pontuaram a sua tomada de posse.
Donald Trump tem absoluta razão! A grande manifestação do povo são as eleições. É aí que as pessoas manifestam a sua suprema vontade sobre quem os irá governará. Criticar quem é eleito democraticamente (ainda que as regras sejam diferentes de país para país) é criticar a própria democracia; soa a mau perder.

É ótimo vivermos num sistema social e político que não nos coíbe de manifestarmos a nossa repulsa até com uma eleição democrática, mas é bom termos a noção do que fazemos e como estamos a dar trunfos a quem prefere as ditaduras às democracias. Millor Fernandes dizia, com graça, que “Democracia é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim.” O tempo da informação total e sem filtro trouxe-nos uma certa infantilidade de pensamento, em que parece que só queremos brincar quando somos os reis do jogo.
O que se está a passar na América de Trump é uma espécie de birra de crianças mimadas ou de má consciência com os seus amuos de Novembro de 2016 e que agora não querem reconhecer o grande erro que cometeram.

Trump venceu com os votos dos seus apoiantes e sobretudo com a ausência dos naturais apoiantes do Partido Democrático. Foi uma dura lição para as elites políticas americanas e para uma certa arrogância da América instruída e com acesso aos media. Havia outra América, a América que votou convictamente em Trump, e que sempre nos procuraram esconder. Agora ela está bem à vista.
A eleição de Trump, o modo como ele ocorreu, deve servir de lição para outras realidades – nos momentos importantes não devemos amuar e exercermos a nossa vingançazinha, mas antes votar em consciência, afirmar a nossa cidadania, perceber a importância do que está em jogo e decidir em consciência sobre o que é melhor e mais justo para a maioria, ainda que façamos parte da minoria.
Se Trump, no discurso da tomada de posse, tivesse tido a coragem e a inteligência de se dirigir aos manifestação e corajosamente lhe tivesse perguntado “Se me detestam tanto, por que não foram votar, em vez de terem ficado em casa?”, talvez tivesse havido uns segundos de silêncio em memória de muitas más consciências.

Gabriel Vilas Boas 

sábado, 21 de janeiro de 2017

OS PROFESSORES DO PRIVADO SÃO PROFESSORES DE SEGUNDA?


A decisão do Ministério da Educação de fazer concorrer na mesma prioridade os professores do ensino privado e os professores contratados do ensino público fará estalar definitivamente a guerra entre os professores, reabrirá feridas mal cicatrizadas e colocará a FENPROF (sobretudo esta) numa posição delicada, em que finalmente terá de se assumir, como sindicato de todos os professores ou só de alguns professores.

Ainda que ache que esta tomada de posição de ME vá causar algumas injustiças, concordo com ela. Uma coisa é eu defender uma escola pública pujante e que se faça justiça aos professores que nela trabalham, outra coisa é achar que há professores de 1.ª e professores de 2.ª. Não há e quem tem de zelar por isso é precisamente o Ministério da Educação.
No início do ano letivo, o ME impôs regras claras aos colégios sobre os contratos de associação. Na sequência dessa definição, centenas de professores foram despedidos. Aqueles que permaneceram ficaram a ensinar alunos a quem as escolas públicas da área de residência não ofereciam alternativa, ou seja, estão a executar um serviço público. São esses professores do ensino privado, com quem o ministério da educação tem contrato de associação, que podem concorrer na mesma prioridade que os professores contratados das escolas públicas.

Onde reside a grande revolta dos professores contratados das escolas públicas? Não tiveram (têm) as mesmas hipóteses, no recrutamento feito pelo privado. É verdade. Todavia, uma injustiça não se colmata com outra injustiça, mas com o desfazer das injustiças criadas. É justo que um professor a lecionar há vinte anos num colégio seja ultrapassado num concurso para uma escola pública por um colega que leciona há cinco anos? É justo que lhe seja realmente vedada a hipótese à vinculação pública, apenas porque lecionou num colégio? A sua vida não esteve em suspenso ano após ano como um contratado? Dir-me-ão que não amargou, todos os anos, a troca de escola, o ficar longe da família. É verdade, mas partilhou outros medos, como por exemplo a não renovação de contrato. Além de que os seus direitos (faltas por doença e maternidade, recusar trabalhar para além do horário) nem sempre foram totalmente respeitados.

Impedir os professores do ensino privado, com contrato de associação, de concorrer na mesma prioridade seria uma injustiça maior, especialmente depois do ME ter revogado muitos contratos de associação.
A FENPROF e Mário Nogueira são os grandes perdedores desta negociação com o governo. Negociar com os amigos é muito mais difícil do que se pensa! Mário Nogueira só tem um caminho: ser um verdeiro líder de todos os professores. O que ele deve propor ao governo não são prioridades diferentes para professores do privado e público, mas propor ao governo que imponha aos colégios com contratos de associação as mesmas regras de contratação que existem no público. O colégio não quer? Está no seu direito, mas perde a ajuda do Estado. Se o colégio presta um serviço à comunidade não pode ser um sítio onde apenas trabalham os amigos do patrão.
Provavelmente não conseguiremos chegar a este ponto de evolução nos próximos tempos, mas não será por falta de acordo entre os professores.
Gabriel Vilas Boas     


sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO, SABEDORIA


Informação há muita, o conhecimento é pouco e a sabedoria uma raridade. Esta é a sensação com que fico muitas vezes quando ligo a televisão, ouço a rádio, leio jornais ou converso com algumas pessoas.

A informação circula com facilidade e velocidade inusitadas e dá-nos a falsa sensação de conhecimento. Muita da informação que existe é falsa ou imprecisa ou incompleta. Comemo-la com sofreguidão, em diagonal, sem o cuidado de verificarmos a sua consistência. 

Como ocupamos demasiado tempo na inútil tarefa de absorvemos o máximo de informação, não dedicamos o tempo suficiente ao conhecimento e, por isso, deixamos de ter capacidade de «perceber» aquilo que nos põem à frente do ecrã. Falta-nos estudo, tempo, reflexão para adquirir os conhecimentos necessários, em determinadas áreas, para poder entender a muito informação, que nos chega de todo o lado. Falta-nos conhecimento até para rejeitar aquela informação que é apenas embuste uma mão cheia de nada.
O acesso à informação é muito fácil, mas o conhecimento exige esforço, por isso é que há muita informação mas parco conhecimento. Também por isso muitas discussões se tornam estéreis ou até absurdas, pois os seus intervenientes não sabem do que falam e limitam-se a debitar opiniões alheias.

A sabedoria é um estádio superior ao conhecimento. Só o atinge quem sabe o que fazer com a muita informação e qualificado conhecimento que dispõe. Diria que o primeiro ato sábio está em saber selecionar corretamente a informação, sem constrangimentos de nenhuma espécie. Também revela sabedoria aquele que resolve aprofundar e atualizar os seus conhecimentos, mas a fase mais difícil é saber conjugar boa informação com riqueza de conhecimentos e tirar conclusões certeiras, aplicando-as à vida.


Aprender a refletir. Eis um desafio que a sociedade da informação em bruto nos coloca. Precisamos de tempo e paciência. Ora, tempo e paciência parecem dois conceitos tão démodé… tal como a sabedoria.
Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

UM POLÍTICO CULTO É OUTRA COISA


Através da cultura podemos expressar, de uma maneira sublime, toda a beleza da vida. Infelizmente a política afastou-se da cultura e aproximou-se da boçalidade, levando-nos a desacreditar da vida. Mas é vida é bela, mesmo no meio dos maiores horrores, como se nos ensinou Roberto Benigni.

Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente português, devolveu ao alto cargo que ocupa a grandiosidade que ele merece. Marcelo é um homem muito culto, sensível, afetuoso, humano.
Desde esta semana, Marcelo juntou no Palácio de Belém, residencial oficial do Presidente da República, escritores e alunos. Como é um homem culto e sensível, Marcelo sabe quando e como dar solenidade a um ato cultural, por mais singelo que seja.

Um encontro com um escritor no Palácio de Belém, a convite do Presidente, será sempre um momento inesquecível para milhares de jovens portugueses. Pequenos gestos, mas incisivos.
Enquanto fazia comentário político Marcelo recomendou milhares de livros, incentivou o seu povo à leitura; hoje é Presidente e continua a convidar os jovens a ler, através de ações originais e cativantes.
Uma pessoa verdadeiramente culta, como Marcelo é, está mais preocupada que a cultura invada a alma do seu povo que em fazer gala de todos os seus atributos intelectuais e culturais.
A cultura é um dos atos mais nobres de cidadania. Um cidadão culto é um cidadão informado, com sentido ético e gosto estético. Um político culto sabe como puxar pelo desenvolvimento do seu povo, elevando a exigência de cada um consigo.
A cultura em Portugal pode não ter um grande ministro nem grandes verbas para gastar ou investir, mas tem um Presidente que ajuda imenso com o seu exemplo.
Gabriel Vilas Boas


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A MERCANTILIZAÇÃO DOS MÉDICOS ESTÁ EM MARCHA



São bastante amargas as últimas declarações do Bastonário da Ordem dos Médicos, em fim de mandato: “Saúde 24? – Aquilo é uma Caixa Registadora”; “Aquelas 190 mil urgências que dizem que evitam são ranholas e fabrículas. (…) Essas deviam poder ser resolvidas com um telefonema para o médio ou enfermeiro de família”; “”Cada chamada efetuada por um doente para a linha Saúde 24 custa 12 euros aos Estado. É um valor superior à hora de um médico. E se o problema for resolvido custa 16 euros. Não brinquemos com coisas sérias.” “Há diretores clínico mal preparados!”.

Vai de mal a pior a vida dos médicos em Portugal. A outrora mais desejada profissão, em Portugal, vive dias difíceis, especialmente porque o quadro social, político, económico lhes faz um cerco do qual muito dificilmente sairão vencedores. Arrisco a dizer que os médicos serão o último bastião da Saúde a cair, mas cairão como caíram os enfermeiros e as farmácias.

As palavras do Bastonário da Ordem dos Médicos – José Manuel Silva – traduzem o profundo mal-estar da classe com as opções low cost e de duvidosa qualidade do Ministério da Saúde. Na minha opinião, os médicos não souberam ler corretamente os novos ventos que sopravam na área da Saúde quando milhares de enfermeiros emigraram para o Reino Unido, pois em Portugal não ganhariam nem metade do que lhes era oferecido. 
Como os salários continuavam mais ou menos iguais, os médicos não perceberam que o seu dia também chegaria. Antes, as administrações hospitalares estouraram com eles, aumentando-lhes o serviço até que ficassem exaustos. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde foi descendo  o preço/hora a pagar aos médicos no início de carreira, de tal modo que o Bastonário já luta com as operadoras de telecomunicações por migalhas. 

As farmácias (aliadas de sempre) estão encostadas à parede com créditos que o Estado não paga e uma redução abrupta de ganhos com e generalização dos genéricos e a descida de preço dos medicamentos. O aumento de estudantes de medicina trará muitos médicos ao mercado de trabalho nos próximos anos, o que forçará uma descida do valor médio que cobram por ato médico.
Os médicos continuarão a trabalhar muito, sem a cobertura dos enfermeiros necessários, com os medicamentos no mínimo dos mínimos, com fortes restrições e pressões dos diretores clínicos e administradores hospitalares e sem qualquer compreensão social, pois, para a maioria da população, eles são os bem instalados do sistema.
Obviamente que continuará a haver muitos médicos a ganhar muitíssimo bem, mas daqui a cinco anos, a grande maioria da classe terá forte concorrência, trabalhará bem mais por menos dinheiro e verá o seu estatuto social menos brilhante.

Gabriel Vilas Boas

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

ISSO É DO MEU TEMPO


“Isso é do meu Tempo!” – Quantas vezes já não ouvimos ou dissemos esta frase? Muitas, claro. E, no entanto, ela tem o seu quê de mentiroso, pois não "morremos" e este continua a ser também o nosso tempo.
Todavia é um facto que fazemos mentalmente essa divisão. O «nosso tempo» é o tempo da nossa juventude; o tempo de todas as ilusões e sonhos, em que pensávamos que íamos mudar o mundo. Nessa altura, não podíamos fazer grande coisa, mas “aquele” era (e é) o nosso tempo. Agora, que temos o poder e a oportunidade, achamos que já não é o nosso tempo.

Isso não quer dizer que abdicamos de fazer as coisas ao nosso modo… A maneira como lidamos com os outros, a música que pomos a tocar para os outros ouvirem ou o modo como atuamos no emprego revelam bem quão agarrados estamos a um tempo passado.
Na semana passada, uma colega minha colocou uma música dos U2 para motivar os seus alunos, para uma determinada atividade letiva. Observei a não-reação dos alunos e como aquela ideia musical não lhes suscitava nenhuma das reações esperadas. Posteriormente, em conversa com alguns deles, questionei-os sobre a música e eles confirmaram-me aquilo que eu já suspeitava: os U2 dizem-me muito a mim, quase nada a eles. A aula é para eles e não para mim, por isso a professora devia ter escolhido outro tipo de motivação musical.


Mais do que cometer o clássico erro de impor o «nosso tempo» aos jovens de hoje, a geração que hoje tem 40/50 anos comete o erro de parar o tempo. Este tempo também é nosso. Não se trata somente de nos adaptarmo-nos, mas de nos metamorfosear, ou seja, de sermos um pouco como o camaleão, porque essa coisa “do nosso tempo” é parar antes de morrer e parar antes de morrer é um imoral desperdício de vida.
Gavb 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O DIRETOR AINDA É UM PROFESSOR?


Quando a figura do Diretor de Escola se generalizou pelo país, substituindo a o Presidente do Conselho Executivo, os professores conseguiram in extremis impor a condição de que este teria de ser um professor.
Nessa altura, os professores somavam derrotas em série e nem percebiam quão profundas seriam no futuro. O cargo de Diretor seria unipessoal (os outros membros da Direção seriam escolha sua e não teriam a legitimidade de uma eleição, ficando sempre ao dispor do Diretor); os professores não teria mais de um terço do colégio eleitoral (quase tanto como os pais e encarregados de educação) e não haveria limitação de mandatos, ou seja, um Diretor poderia passar trinta anos no  cargo, que nada o impediria.

Ingenuamente os professores temiam que um qualquer economista burocrata tomasse conta das escolas e impusesse a lei dos números à frente da lei das pessoas. Realmente esse fantasma foi afastado, mas tratou-se de uma vitória de Pirro.
Quando olhamos parta o panorama dos Diretores Escolares, atualmente em funções, verificamos que muitos exercem as funções de Direção há mais de uma década, existindo um número apreciável que é Diretor há mais de vinte anos. O que quer dizer que há muitos Diretores que não dão aulas desde o século passado. 
Só para lembrar como era o mundo há vinte anos: os telemóveis estavam a dar os primeiros passos em Portugal; a internet era lenta e não estava generalizada, a Escola era a paixão de António Guterres; a Tv por Cabo estreava-se e ninguém sonhava com nenhum novo acordo ortográfico. Nessa altura muitos dos nossos atuais Diretores de Escola deram a sua última aula. Se lhes perguntarmos, nem eles se lembram bem em que ano foi.

A este problema acresce outro, muito mais grave: desde que são Diretores, a quantas aulas assistiram eles? Quantas vezes nestes últimos dez, quinze vinte anos enfrentaram os alunos? Que sabem eles das alterações aos programas curriculares que os professores de Matemática, Português, Francês, Geografia, Educação Visual sofreram e como tiveram de se adaptar?
Se tivessem que voltar a dar aulas (afinal eles só foram eleitos porque eram professores), que plano de aula apresentariam aos seus alunos?
O core business da Escola são as aulas! O coração de uma Escola está na sala de aula, na relação professor-aluno e naquilo que se aprende e ensina. Quando quem dirige uma Escola percebe de tudo, mas não faz a mínima ideia como se dá uma aula, algo não vai correr bem.

Se para se ser Diretor de uma Escola tem de se ser professor, então, por que temos pouquíssimos ex-Diretores de Escola a voltar a ensinar?

GAVB

domingo, 15 de janeiro de 2017

O DESCONCERTANTE MUNDO DAS EXPRESSÕES JORNALÍSTICAS

As expressões desconcertantes não são um exclusivo do mundo do futebol. Todas as profissões têm as suas, mas nenhuma se expõe tanto como o jornalismo.
Os lugares-comuns, nas notícias, reportagens, entrevistas, são tão frequentes que já nem reparamos quão desconcertantes são, na medida em que são usados fora de Tempo, sem oportunidade ou de modo hilariante.
Selecionei uma pequena lista.

Vítimas a lamentar, refere o jornalista sempre que alguém morre ou fica gravemente ferido, mas  tem de ser uma pessoa de bem, pois se for um terrorista a morrer em consequência de uma qualquer explosão já não há ninguém para lamentar nem ele sequer pode almejar ao estatuto de vítima.

Despesas supérfluas. Usa-se frequentemente em tempos de crise, quando alguém quer dizer que cortou em despesas desnecessárias. O que o jornalistas nunca pergunta é que se eram supérfluas, por que não acabou com elas antes? Por outro lado, se eram supérfluas, ou seja, desnecessárias, não há grande problema em acabar com elas. Mas elas não tinham acabado por causa da crise?

Quando um jornalista fala em Sétima Arte já toda a gente sabe que se refere ao cinema. O que quase ninguém sabe (e o jornalista nunca diz) é quais são as outras artes. Talvez nem ele saiba…

Sem orientação ficamos quando a notícia refere “pessoa oriunda de um país de leste”. Será húngara? Russa? Eslava? Não interessa. A leste da Alemanha, como no tempo da guerra fria, em que o mundo geográfico se submetia ao mundo político. O que pensará uma pessoa de trinta anos ao ouvir um jornalista destes?

Além das coordenadas geográfico-jornalistas fora de tempo, o jornalista também gosta da geografia paternalista. Quando uma reportagem se refere ao Interior já sabemos o que nos espera: aldeia de xisto, velhinhos, um ritmo de vida lento e um tom condescendente. Onde fica esse interior? Isso não interessa nada. A propósito, Madrid fica no interior de Espanha e da península ibérica, mas o jornalista nunca diz isso…

Ainda que não tenha consciência disso, o jornalista é muito apegado aos seus lugares-comuns. O mundo pode mudar bastante, mas para ele a televisão continua a ser a caixa que mudou o mundo. Já alguém me disse que foi a roda; a minha filha não percebe porque não é a internet e eu não entendo por que é que se o mundo mudou tanto, a culpa é sempre de uma caixa que agora é plasma e se pendura na parede como um quadro.

Termino com o clássico despida de preconceitos, aplicada a uma mulher que surge nua ou com pouca roupa. Normalmente a expressão tem um cunho positivo e aparece para elogiar a desinibição e ousadia da mulher. O que o jornalista não pensa é que acabou de chamar preconceituoso ou, no mínimo, antiquado, a quem não se despe com tanta prontidão.

Gabriel Vilas Boas