As expressões desconcertantes não são um exclusivo do mundo
do futebol. Todas as profissões têm as suas, mas nenhuma se expõe tanto como o
jornalismo.
Os lugares-comuns, nas notícias, reportagens,
entrevistas, são tão frequentes que já nem reparamos quão desconcertantes são,
na medida em que são usados fora de Tempo, sem oportunidade ou de modo
hilariante.
Selecionei uma pequena lista.
Vítimas
a lamentar, refere o jornalista sempre que alguém morre ou
fica gravemente ferido, mas tem de ser uma pessoa de bem, pois se for um
terrorista a morrer em consequência de uma qualquer explosão já não há ninguém
para lamentar nem ele sequer pode almejar ao estatuto de vítima.
Despesas supérfluas. Usa-se frequentemente em tempos de crise,
quando alguém quer dizer que cortou em despesas desnecessárias. O que o
jornalistas nunca pergunta é que se eram supérfluas, por que não acabou com elas
antes? Por outro lado, se eram supérfluas, ou seja, desnecessárias, não há
grande problema em acabar com elas. Mas elas não tinham acabado por causa da
crise?
Quando um jornalista fala em Sétima Arte já toda a gente sabe que se refere ao cinema. O
que quase ninguém sabe (e o jornalista nunca diz) é quais são as outras artes.
Talvez nem ele saiba…
Sem orientação ficamos quando a notícia refere “pessoa oriunda de um país de leste”. Será húngara? Russa? Eslava? Não
interessa. A leste da Alemanha, como no tempo da guerra fria, em que o mundo
geográfico se submetia ao mundo político. O que pensará uma pessoa de trinta
anos ao ouvir um jornalista destes?
Além das coordenadas geográfico-jornalistas fora de tempo,
o jornalista também gosta da geografia paternalista. Quando uma reportagem se
refere ao Interior já sabemos
o que nos espera: aldeia de xisto, velhinhos, um ritmo de vida lento e um tom
condescendente. Onde fica esse interior? Isso não interessa nada. A propósito,
Madrid fica no interior de Espanha e da península ibérica, mas o jornalista
nunca diz isso…
Ainda que não tenha consciência disso, o jornalista é muito
apegado aos seus lugares-comuns. O mundo pode mudar bastante, mas para ele a
televisão continua a ser a caixa que
mudou o mundo. Já alguém me disse que foi a roda; a minha filha não percebe porque
não é a internet e eu não entendo por que é que se o mundo mudou tanto, a culpa
é sempre de uma caixa que agora é plasma e se pendura na parede como um quadro.
Termino com o clássico despida
de preconceitos, aplicada a uma mulher que surge nua ou com pouca
roupa. Normalmente a expressão tem um cunho positivo e aparece para elogiar a
desinibição e ousadia da mulher. O que o jornalista não pensa é que acabou de
chamar preconceituoso ou, no mínimo, antiquado, a quem não se despe com tanta
prontidão.
Gabriel Vilas Boas
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