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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O PRIMEIRO ENCONTRO INTERNACIONAL DE FUTEBOL


O primeiro de todos os encontros internacionais de futebol foi disputado entre equipas representantes de Inglaterra e Escócia, num campo de críquete (imagine-se), a 30 de novembro de 1872.
Quatro mil espectadores assistiram a um empate sem golos. Embora tivesse havido encontros anteriores, em Londres, entre as duas nações, a equipa escocesa integrava apenas escoceses residentes na capital inglesa e por isso o carácter internacional desses desafios ficava um pouco comprometido.

Para contrariar as críticas a esta situação a Football Association lançou um desafio aos escoceses e este foi aceite. Toda a equipa escocesa foi formada por jogadores do Queen´s Park, o clube líder na Escócia (não existia uma associação de futebol escocesa e os restantes clubes a norte da fronteira jogavam, naquela época, na associação de futebol inglesa).
Quanto ao jogo propriamente dito, na primeira parte, os escoceses controlaram o jogo e chegaram mesmo a marcar um golo, mas este foi controversamente anulado. Na segunda parte, os ingleses dominaram, mas também não conseguiram marcar qualquer golo.  Pouco antes do apito final do árbitro, um remate escocês caiu sobre a fita que na época era usada em vez da trave. Foi a segunda melhor situação de golo durante todo o jogo.

A partir desta data (30-11-1872), este jogo passou a disputar-se anualmente e tornou-se fonte de muita rivalidade entre escoceses e ingleses. Só mais de cem anos depois (1989), esta tradição foi abandonada.
A pátria do futebol é mesmo o Reino Unido e não admira que o seu campeonato seja seguido em todo o mundo, por povos que não têm grande ligação ao futebol ou à Grã-Bretanha. Os ingleses criaram o jogo mais popular e apaixonante do mundo do desporto e souberam exportar a sua paixão para o resto da Europa, pela América do sul, em África e na Ásia, onde apesar de não serem especialmente dotados para a prática da modalidade há legiões de fãs que seguem os melhores campeonatos da Europa.
Em 1972 nasceram os jogos internacionais de países que durante o século XX se haviam de tornar em campeonatos do mundo e da Europa, transformando o futebol num dos espetáculos desportivos mais apreciados durante todo o século XX e o verdadeiro desporto do povo.

Gabriel Vilas Boas

domingo, 29 de novembro de 2015

AQUILO QUE NOS UNE OU AQUILO QUE NOS SEPARA?


Há dias ouvi uma amiga confidenciar a outra: “Acabámos por decidir manter a nossa relação. Chegámos à conclusão que aquilo que nos une ainda é mais forte do que aquilo que nos separa!” Disse-o com um misto de satisfação e alívio, como se a porta do inferno tivesse acabado de ser transposta. A outra ouviu, em silêncio, e sorriu. O seu sorriso era forçado mas eloquente. Obviamente não concordava nada com aquela conclusão, mas não seria ela a dizê-lo. Tinha decidido não opinar mais sobre a desgastada relação dos amigos.

           
Não vem nos livros, mas poucos ignoram como a voragem do tempo gasta e degasta as relações entre as pessoas, sobretudo as amorosas. Talvez seja fácil e cómodo responsabilizar algo externo e indefinido (como “a voragem do tempos modernos”) pelo falhanço de muitas relações, mas é o mais comum. Apetece-me por isso voltar à conversa entre as duas amigas: “Aquilo que nos une é mais importante que aquilo que nos separa!”  É mesmo assim? E quando é ao contrário? Também concluímos com a mesma eficácia e agimos em conformidade? Não me parece…
Não é difícil explorar o que há de bom (comum) numa relação. O difícil é aprender a incorporar e a superar as diferenças (o mau)! A razão parece-me óbvia: um não quer ou até os dois não querem! Não alinho muito pela tese da incapacidade ou pela tese do medo ao desconhecido (“Não sei onde isto me vai levar!”).

Há dias, uma mãe, irritada, esclarecia uma jovem filha ávida de encontrar namorado: “Difícil não é arranjares um namorado; difícil é queres ficar toda a vida com ele.” Sim, o mais difícil é manter uma relação, especialmente quando ela se desgastou a um nível em que só as circunstâncias a mantêm!

Às vezes, tendemos a concluir, erradamente, que as circunstâncias são “aquilo que nos une”, mas não são. São apenas as circunstâncias ou um somatório de medos e incertezas. O medo da solidão, a degradação da situação económica, o terror de desiludir os filhos.
Por que será que ninguém pergunta sobre a força “daquilo que nos separa”? Provavelmente o receio será o mesmo que consultar o saldo da conta bancária quando o mês se aproxima do fim. Só que a conta bancária todos os meses tem uma entrada de dinheiro enquanto muitas relações estão desempregadas há vários meses.

Ver o que nos une é tão importante como percecionar aquilo que nos separa. Saber/ver as dificuldades que uma relação atravessa é fundamental. Depois podemos decidir enfrentá-las ou contorná-las. Felizmente ou infelizmente a opção nunca depende apenas e só de um.
Encontramo-nos nas nossas diferenças ou cada um segue o seu caminho? O desafio é estimulante e difícil qualquer que seja a intenção – fazer uma relação resultar ou ganhar força e coragem para uma rescisão amigável.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 28 de novembro de 2015

SPECTRE, O NOVO FILME DE JAMES BOND


Os filmes de James Bond estão para o cinema um pouco como a coca-cola está para as bebidas: uma fórmula de sucesso, que apaixona cinéfilos ou simples apreciadores de um bom filme de ação e suspense, geração após geração, como se o tempo fosse incapaz de derrubar o seu poder sedutor. É assim há mais de cinquenta anos e não é por «Spectre» que a linhagem sofrerá danos de imagem. Antes pelo contrário, pois estamos perante um dos melhores filmes do ano na categoria dos thrillers.

«Spectre» tem tudo o que se espera de um filme de James Bond: ação, mistério, suspense, aventura, inovação tecnológica, belas mulheres, a tradicional luta entre o bem e o mal adaptada ao momento, uma mensagem forte sobre a qual vale a pena refletir e, claro, um desempenho notável do protagonista.
Em «Spectre», James Bond (Daniel Craig) vai à cidade do México com a missão de eliminar Marco Sciarra (Alessandro Cremona), sem que o seu chefe, M (Ralph Fiennes), tenha conhecimento. Isto faz com que seja suspenso temporariamente das suas atividades e que Q (Bem Whishaw) instale no seu sangue um localizador que permite ao governo inglês saber sempre em que parte do mundo ele está. Apesar deste handicap, Bond conta com a ajuda de um dos seus colegas na organização para poder continuar a investigar a origem duma misteriosa organização chamada Spectre.

Daniel Craig vai no seu quarto filme, igualando Pierce Brosnan e ameaçando os míticos Sean Connery e Roger Moore. Neste filme, Craig interpreta um James Bond que parte em missão pessoal, em busca do recado da antiga M, tentando encontrar o líder da maior organização criminosa internacional.
O filme só não supera o anterior, Skyfall, porque desta vez Sam Mendes não acertou na banda sonora. A voz de Adéle, potente, decidida, doce, combinava na perfeição com a mítica personalidade de James Bond enquanto Sam Smith tem uma voz demasiado delico-doce para filmes deste calibre.
Quanto a Daniel Craig está cada vez melhor dentro do fato da personagem que Ian Fleming criou em 1953: homem alto, moreno, caucasiano, de olhar penetrante, viril, sedutor, com idade entre os 33 e os 40, charmoso, elegante, inteligente, destemido e sempre rodeando de belas mulheres.

Por falar em Bond Girls (Monica Bellucci, bela como sempre), elas estão presentes, mas o realizador não faz delas um eixo fundamental da ação. Esse papel fica para o vilão de serviço, Christoph Waltz, que desempenha o papel de Ernest Stavro Blofeld, líder da organização criminosa Spectre. Talvez a realização queira que o espectador fica com mais do que 150 minutos de pura adrenalina e suspense, e passe à reflexão de assuntos tão relevantes como o poder que a espionagem e a informação têm no mundo atual e na vida de cada indivíduo, a importância da ética no mundo da espionagem e o supremo valor do humano face à máquina.
Gabriel Vilas Boas 

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

PRÉMIOS DE MÉRITO NA ESCOLA PÚBLICA


Hoje, o Agrupamento de Escolas de que faço parte (Agrupamento de Escolas de Amarante) entrega os prémios de Mérito aos melhores alunos do ano letivo passado. São oitenta alunos que sobem ao palco da escola para receber o seu diploma e respetivos prémios associados (uma estatueta, um livro, um crachá).
É a quarta vez que o Agrupamento promove esta festa, onde os melhores alunos do 4.º, 6.º e 9.º anos são premiados. Recordo como há quatro anos a ideia sofreu resistências por parte de alguns professores, que viam nos quadros de mérito reminiscências do ensino do tempo da ditadura salazarista ou então sugeriam que tais prémios serviam propósitos de estratificação escolar, replicando a estratificação social.

Sempre vi com bons olhos os Prémios de Mérito na escola pública portuguesa. Reconhecer o mérito dos alunos estudiosos, trabalhadores, aplicados é um dever da comunidade e um ato da mais elementar justiça. E não é uma tarefa fácil alcançar tal prémio. Os alunos têm de tirar uma média igual ou superior a 4,5 (numa classificação máxima de cinco) e obter, pelo menos, a classificação de quatro nas provas/exames de Português e Matemática. Além disso, não podem ter qualquer participação disciplinar nem falta injustificada.

Só quem acompanha o trabalho diário deste tipo de alunos percebe quanto eles se sacrificam, quantas horas devotam ao estudo, quantos fins-de-semana passam a estudar para manter um nível tão alto, durante todo o ano escolar.
Esses jovens são um exemplo para os colegas e não há quem discuta, inter pares, o seu mérito. O primeiro e mais importante reconhecimento que estes jovens obtêm vem dos seus colegas. Depois chega o reconhecimento dos professores, da direção da escola, dos pais, da comunidade.
Os Prémios de Mérito são também o reconhecimento do trabalho, da persistência, da dedicação de muitos professores que ajudaram os seus alunos a chegar a este patamar de excelência. 

Silenciosamente, gozam o momento, apreciam aqueles rapazes e raparigas, que ajudaram a crescer, recebendo as palmas da plateia repleta e sentem-se, um bocadinho, também merecedores delas. Muitas vezes são estes jovens o combustível que os faz trabalhar melhor, que os desafia, que os faz sentir minimamente realizados numa profissão tão causticada e tão desconsiderada pela sociedade.
Nos últimos anos chamei ao palco centenas de alunos amarantinos, citei os seus nomes por completo, debaixo das palmas de colegas, professores, familiares, entidades públicas locais e senti-lhes aquele lindo brilho nos olhos que trazem as pessoas felizes. Desfrutar desses momentos é um dos raros prazeres que a profissão de professor ainda encerra.

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

JÚPITER E TÉTIS, de Jean Auguste Dominique Ingres

Esta grande tela, pintada em 1811, foi a última obra que Ingres completou enquanto estudante em Roma. Nela vemos Júpiter, o supremo deus da antiguidade, sentado no seu imperial trono no reino dos céus.
O deus tem um cetro na mão direita e o seu braço esquerdo repousa sobre uma nuvem. Uma águia ao seu lado observa-o atentamente. Esta poderosa águia era o atributo de Júpiter devido à sua grande força, velocidade e voo alto.
Júpiter ignora as atenções ardentes de Tétis, já que tinha sido profetizado que a descendência da sua união acabaria por o usurpar. Para o impedir, Júpiter ordenou que ela casasse com um mortal chamado Peleu. À esquerda, a ciumenta mulher de Júpiter, Juno, observava a cena com suspeição.

Ingres enviou esta obra, para ser criticada em Paris, em 1811, onde foi fortemente censurado pela falta de relevo e pelas curiosas proporções das suas figuras. No entanto, vinte e três anos depois (1834), esta obra viria a ser adquirida pelo estado francês, numa prova inequívoca do seu valor artístico.

Tétis e Júpiter são os elementos centrais do quadro de Ingres. A história destes dois seres da mitologia romana não começara sob os melhores auspícios. Uma profecia afirmava que Tétis (a mais encantadora das Nereides) daria à luz um filho que havia de superar o pai. Ora Júpiter não estava disposto a ser superado por ninguém e por isso ordenou a Tétis que desposasse Peleu. Embora Tétis tentasse que o enlace não se concretizasse, transformando-se primeiro em pássaro e depois em tigre, Peleu acabou por arrebatá-la.
Durante o casamento de Peleu e Tétis, a Discórdia atirou uma maçã de ouro como prémio para a mais bela das deusas ali presentes: Vénus, Minerva e Juno. Este ato conduziu ao chamado “julgamento de Páris”, que acabaria por provocar a Guerra de Troia.

Aquiles, herói da Guerra de Troia, era o filho de Tétis e Peleu. Na Ilíada, Homero conta como o filho de Tétis foi insultado por Agamémnon e como Tétis se ergueu das profundezas dos mares para se deslocar ao Olimpo e suplicar a Júpiter que vingasse o seu filho. O quadro de Ingres refere-se a esse pedido de Tétis que a Ilíada relata do seguinte modo:
Pai Zeus (Júpiter), se alguma vez entre os imortais eu te ajudei, por palavra ou gesto, realiza esta oração: honra o meu filho, que está destinado a uma morte mais cedo que a de qualquer homem; ainda agora Agamémnon, rei de homens, o desonrou, pois ele tomou e mantém seus troféus com seu ato arrogante. Todavia honra-o, Zeus olímpico, senhor do conselho; e dá poder aos troianos, até que os aqueus prestem homenagens ao meu filho e o elevem com recompensas.”

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O 25 DE NOVEMBRO DE 1975


Há precisamente quarenta anos, o 25 de novembro de 1975 foi o dia em que Portugal mais perto esteve de mergulhar numa guerra civil de consequências incalculáveis, mas certamente nefastas para uma jovem democracia de ano e meio.
Nesse dia, forças da extrema-esquerda radical portuguesa tentaram um golpe militar que se propunha derrubar o governo e instaurar em Portugal uma ditadura comunista, próxima da daquilo que acontecia nos países de leste e sob influência da União Soviética. Felizmente um grupo de operacionais, comandados por Ramalho Eanes (o povo havia de lhe agradecer com uma dupla eleição para Presidente da República), conseguiu controlar e dominar os revoltosos e fez abortar a intentona sem grande derramamento de sangue.
As conquistas de abril de 1974 estiveram por um fio. Embora nunca o admitisse explicitamente, o PCP esteve por detrás deste frustrado assalto ao poder. Até porque Cunhal acabou por falar em derrota da esquerda revolucionária, uns dias mais tarde.

O que falhou ao PCP foi a coragem (ou a falta dela) de Otelo Saraiva de Carvalho e do presidente da República, Costa Gomes. Otelo foi para casa em vez de assumir o comando do golpe; Costa Gomes lutou por evitar uma guerra civil, o que na prática significou o não apoio às ideias de Cunhal.
Talvez o PCP não tenha percebido logo, mas a 25 de novembro de 1975 perdeu muito mais que um falhado assalto ao poder. Perdeu credibilidade, perdeu a confiança da esmagadora maioria do povo. Aqueles que haviam lutado como nenhuns outros contra a ditadura fascista de Salazar, mostravam ser apenas uns ditadores de sinal contrário. Ora os portugueses queriam liberdade, democracia, pois só isso garantia condições de desenvolvimento.
Quarenta anos depois o PCP chega ao poder, mantendo-se fora do governo. Terão a oportunidade que sempre reclamaram: influenciar políticas, pugnar pelos direitos dos trabalhadores, criar condições para uma maior equidade social. Se não cederem à tentação de impor ideologias, se não forem contra a vontade da maioria da população em matérias como a integração na União Europeia, a Nato, o euro e até a economia de mercado, podem limpar a má imagem que deixaram há quarenta anos. 



Provavelmente, mais de metade da população portuguesa não acredita nisso. Tal como aconteceu com o PCP há quarenta anos, eu gostava que essa imensa maioria que detesta os comunistas estivesse enganada. Como desejo o melhor para o meu país e acho que algumas das reivindicações comunistas têm que ter cabimento orçamental (afinal sempre arranjamos 7 mil milhões de euros para pagar BPN e BES), espero que só voltemos a falar de eleições daqui a quatro anos e nessa altura ninguém tenha dúvidas que o PCP é um parceiro "credível” da democracia portuguesa. São as ditaduras, e não as democracias que se fazem de preconceitos.

Gabriel Vilas Boas

terça-feira, 24 de novembro de 2015

PRENDA DE ANIVERSÁRIO


A Mulher
Mais bonita do mundo
É a minha Mãe!

Nela habita o sorriso
Doce da ternura,
Que ainda hoje perdura,
E aparece quando é preciso.

O seu abraço acolhe e conforta
Sempre que a tristeza bate à porta.
Ensinou-me a ser e a viver com alegria
E a suportar os infortúnios com sabedoria.

Porque dotada d’alma imensa,
Enfrenta a saudade e a dor
Com a força dum grande amor,
Pois conhece a sua recompensa:
Ver os filhos crescidos
Com a certeza que estão unidos!



Recordo o seu ralhar terno e doce
De quem tudo vê com muita atenção.
E as vezes em que disse sim, dizendo não,
Apagando cada falha, como se nada fosse.

Mãe assim nunca envelhece!
Constrói, cada dia, aquilo que sou.
Por isso é eterna e permanece
Única e bela como no dia em que me criou!


Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

BOLERO, de Ravel

 Quando, na primavera de 1928, a famosa bailarina russa Ida Rubinstein lhe pediu “uma peça para ballet, com carácter espanhol”, o francês Maurice Ravel estaria longe de pensar que no verão desse mesmo ano comporia a mais famosa peça da sua carreira: o Bolero.
Ravel pensou, primeiro, em satisfazer os desejos de Rubinstein através da adaptação de trechos da “Iberia” de Isaac Albéniz, mas não conseguiu a necessária autorização do autor e teve de deitar mãos à obra.

“O mais belo longo crescendo do mundo” ficou pronto em Outubro, mas apenas a 22 de novembro de 1928, Ravel a apresentou ao grande público, em Paris, onde Ida Rubinstein causou escândalo ao coreografar a obra que Ravel compusera par ela com uma dança cheia de sensualidade.
O sucesso do Bolero de Ravel foi crescendo como a própria música prometia e vários compositores ousaram fazer a sua própria interpretação da original e apaixonante obra do pianista e compositor francês. 

Os coreógrafos também ficaram enfeitiçados pelo Bolero de Ravel, de tal maneira que ficou famosa a versão que o dançarino Maurice Béjart criou para esta composição de Ravel, em 1961. Esta coreografia ficou tão célebre que o argentino Jorge Donn resolveu adotá-la, no filme “Retratos da Vida”.
A popularidade do Bolero crescia de ano para ano e ofuscou, um pouco, a originalidade que Ravel havia introduzido com ela. O compositor francês criou uma composição que privilegiava a dinâmica, onde o ritmo é invariável e a melodia uniforme e repetitiva. Escrita para ter a duração teórica de 14 minutos e dez segundos, o Bolero de Ravel acabou por consumir 15 minutos e 40 segundos na primeira gravação e o próprio autor admitir que a peça poderia chegar aos 17 minutos.

O sucesso desta obra-prima de Maurice Ravel ficou a dever-se, em muito, à sua ligação com a dança. Não é por acaso que existe uma dança com o mesmo nome… Através da dinâmica do Bolero, vários bailarinos reinventaram e redefiniram vários movimentos corporais, criando um novo estilo.
Ravel faleceu no final do ano de 1937 e não pôde presenciar toda a popularidade que o Bolero criado por si alcançou. Talvez gostasse de saber que todos os dias, ao pôr-do-sol, Jurandy Sax toca o seu Bolero na praia do Jacaré, em Paraíba, no Brasil.
A imortalidade também se faz de coisas assim.
Gabriel Vilas Boas





domingo, 22 de novembro de 2015

O ASSASSÍNIO DO PRESIDENTE JOHN KENNEDY, 1963



O atentado de Dallas ao presidente John F. Kennedy (JFK) foi noticiado em primeira mão pelo pivô da CBS, Walter Cronkite, às 13.40 (hora local), exatamente dez minutos após os disparos que vitimaram o presidente dos EUA.
A transmissão em direto de uma novela foi interrompida diversas vezes pelos informativos áudios de Cronkite, à medida que surgiam mais notícias. Pelas 14.30, Cronkite noticiaria já a morte do presidente, deixando a América e o mundo em estado de choque.

Foi o fim trágico de uma presidência sobre a qual havia muitas expectativas e que enfrentara crises como a edificação do muro de Berlim e a Crise dos Mísseis de Cuba.
Na sequência dos caóticos e complexos acontecimentos das 72 horas seguintes, o vice-presidente Lyndon Baines Johnson sucedeu ao assassinado presidente como 36.º presidente dos Estados Unidos da América.
Sobre o assassínio de Kennedy muitas teorias se construíram, no entanto aquela que mais me marcou (e convenceu) foi a exposta por Oliver Stone no filme “JFK”, de 1992, em que Stone procurou demonstrar como o presidente norte-americano foi morto pelos «seus», numa demonstração clara que o poder detesta que alguém abale as suas regras feitas de poder, corrupção, dinheiro, guerra. Infelizmente, a História nunca trouxe à luz a mais límpida verdade sobre os acontecimentos de 22 de novembro 1963.
No entanto, era sobre a personalidade de Kennedy que me queria debruçar. Inequivocamente, JFK representava a primavera americana no meio do longo inverno que estava a ser a guerra fria. Kennedy representou na política a lendária geração dos anos sessenta, que advogava paz e amor para o mundo.

Provavelmente Kennedy foi mais um mito do que uma realidade efetiva de mudança, mas os mitos constroem-se assim: reais promessas de um mundo melhor que alguém resolve interromper para sempre. São os carrascos que mais contribuem para a criação desse mito.
Hoje pouco importa o que Kennedy poderia ter realmente feito até porque a História escreveu, com alguns inúteis anos de atraso, um tempo de paz, mas é interessante refletir e concluir sobre a importância que homens como Kennedy, Gandhi, Luther King, Mandela, tiveram na História coletiva e individual. Na verdade, eles foram uma locomotiva civilizacional que fez acreditar milhões de pessoas que era possível construir um mundo melhor, feito de liberdade, paz, tolerância, onde grande parte do nosso tempo fosse ocupado a construir, a inventar, a criar algo que tornasse as nossas vidas um largo rio de felicidade.
Kennedy era uma utopia? Ainda bem! Oscar Wilde dizia que “o progresso não é senão a realização das utopias” e o escritor uruguaio Eduardo Galeano acrescentou “A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos. Ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Gabriel Vilas Boas     

sábado, 21 de novembro de 2015

A PENSAR MORREU UM BURRO


A expressão “a pensar morreu um burro” parece um contra-senso pela carga negativa que a palavra tem quando aplicada aos seres humanos, mas significa que alguém demora demasiado tempo a tomar uma decisão, porque nela pensa durante muito tempo.
A história que dá corpo a esta expressão idiomática é de um filósofo francês do século XIV, Jean Buridan. Em O Asno, este reitor da Academia de Paris escreveu sobre essa característica humana: a indecisão. Imaginou um burro cheio de sede e de fome. Perante duas tijelas, uma cheia de água e outra de comida, o burro ficou tão indeciso que acabou por morrer à fome e à sede.

A indecisão é uma das características que mais atrasa o desenvolvimento individual e coletivo. Obviamente, que não devemos decidir rapidamente, sem necessidade, mas fugir à tomada de decisões, normalmente acaba por ser a pior das decisões.
Escolher faz parte da vida e, muitas vezes, implica perder algo... muito importante ou até perder tudo. Este medo tolhe, assusta, paralisa.
Não decidir também pode ser uma decisão, mas dificilmente será a melhor e nunca será nossa.


A sabedoria deste ditado popular reside no facto de nos ensinar a aceitar que a vida comporta riscos e devemos assumi-los. Não como se de um jogo se tratasse, mas como um elemento fundamental para o nosso crescimento.
Este crescente medo de decidir, começa no indivíduo e prolonga-se no trabalho e em decisões relevantes para a vida dos povos. Ninguém decide sempre bem, mas só quem arrisca decidir está em condições de decidir melhor na próxima angústia, dúvida, incerteza.
A racionalidade é indispensável ao comportamento humano, mas é indesmentível que o instinto e a intuição, muitas vezes, são a chave que abre as portas do futuro e, algumas vezes, do Destino.

Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

UMA PARIDADE MAL PARIDA


Há dias vi o filme “As Sufragistas” que recordava o começo da luta das mulheres inglesas pelo direito ao voto. Foi há cem anos e foram precisos dezasseis para que esse direito lhes fosse efetivamente outorgado. Ontem, o jornal O Público fazia manchete com um estudo recente que referia que as mulheres portuguesas ainda gastam o dobro do tempo em atividades domésticas que os seus companheiros. Quando li a notícia fiquei surpreendido, pois esperava que a diferença fosse maior. Em 2002 o fosso era realmente maior, mas a aproximação tem sido feita a passo de caracol.
O século XX marca a conquista, em muitos casos dolorosa, de direitos fundamentais das mulheres, em sociedade que eram dominadas pelos homens.

Colocar na lei a igualdade é fundamental, mas a paridade não se decreta, constrói-se. É uma responsabilidade que cabe tanto ao homem como à mulher e está muito dependente da educação, através do exemplo, que os adolescentes e jovens recebem.
A lei pode ajudar imenso, ao ser imperativa em determinados casos concretos e, sobretudo, ao fiscalizar as arbitrariedades cometidas ao nível da disparidade salarial entre homens e mulheres. Hoje um salário médio de um homem é superior, em cerca de 130 euros, ao de uma mulher. Mais do que um problema de mentalidade de quem emprega, acho que se trata duma falha de quem regula.
Homens e mulheres são seres diferentes e, obviamente, têm inclinações naturais para fazer mais umas tarefas que outras. Por isso espanta-me tanto que, num lar, 92% das mulheres tratem da roupa como 82% dos homens se ocupem, em exclusivo, das reparações.
Se a questão da paridade não oferece filosófica discussão, então tem de ter tradução prática. Desgraçadamente, o meio família ainda é um triste palco desta (dis)paridade. Os homens portugueses dedicam oito horas semanais às tarefas domésticas, mas a necessidade impõe que as mulheres tenham de lhes dedicar dezassete. Esta diferença ainda é muito grande. Além da educação dos filhos para a paridade, as mulheres devem “exigir” que os seus companheiros cumpram aquilo que defendem (74% dos homens acha que as tarefas lá de casa devem ser repartidas igualitariamente). É uma luta difícil, porque é também uma luta de poder e de transformação de mentalidades. Saber negociar é uma arte tão ou mais útil como saber seduzir.

É verdade que os casais mais jovens dividem mais e melhor as tarefas domésticas, mas recusou-me aceitar que tenhamos de esperar décadas para sincronizarmos direitos e deveres. É possível fazer mais e melhor nesta área. Recordo, por exemplo, o extraordinário contributo que as diversas monarquias europeias podiamm dar, ao permitir que seja a princesa a tornar-se rainha, quando é a mais velha, e não que esse lugar fique reservado para a esposa do jovem príncipe, mesmo que este seja o mais novo dos irmãos.
Na esfera profissional, penso que o problema não se resolve com quotas, que além do mais até podem ofender a dignidade das mulheres e criar situações muito injustas. Implementar a paridade passa antes pela valorização da meritocracia. Homens e mulheres devem ter uma situação de partida igualitária e serem objeto de uma avaliação justa e imparcial. Depois, se houver mais mulheres a mandar ou mais homens com salários superiores, não há como invocar mais a injusta paridade que nos atrasa civilizacionalmente.
A paridade de géneros revela muito acerca dos valores fundamentais de determinada sociedade.
Gabriel Vilas Boas    

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A NAVE DOS LOUCOS, de Bosch

O quadro que vos proponho hoje está em Paris, no Museu do Louvre, desde 1918.
 Trata-se de um quadro de Bosch, provavelmente da última década do século XV, cujo nome é bem sugestivo: A NAVE DOS LOUCOS.
Desconhece-se a sua origem e parece faltar-lhe a parte inferior. O tema representado faz referência a uma história em tom burlesco, acerca da corrupção existente na sociedade  em geral e no clero, em particular.
É muito provável que o pintor se tenha baseado num poema satírico, em latim, de Sebastian Brant que, na sua edição de 1498, apresenta algumas gravuras com ilustrações que não têm nada a ver com a obra de Bosch.

Os protagonistas da pintura são uma freira e um frade franciscano que estão tão distraídos, tentando fincar os dentes num pedaço de comida, pendurada por um fio, que nem dão conta que um ladrão lhes vai roubar o pouco que lhes resta sobre a mesa.

Nesta pequena tela (óleo sobre madeira de 58 X 33 cm) realço dois pormenores: um na parte superior da pintura e outro na parte inferior direita.



No primeiro caso, vemos que o mastro do navio se converteu numa árvore em que se destaca uma caveira. A bandeira, flutuando ao vento, mostra uma meia-lua que faz alusão aos lunáticos, ou seja, aos loucos que eram habitualmente marginalizados nas suas cidades de origem e obrigado a viajar num barco sem rumo fixo.








O segundo pormenor que destaco é o da personagem masculina que está a vomitar. Este vómito foi interpretado por alguns historiadores de arte como símbolo da abominável náusea que os condenados sentem no inferno.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O REVOLUCIONÁRIO GUILHERME TELL, 1307




A 18 de novembro de 1307, Guilherme Tell, do cantão suíço de Uri, recusou tira o chapéu a um outro colocado no poste da cidade pelo meirinho austríaco Gessler. Obrigou Guilherme Tell a disparar uma besta contra uma maçã colocada na cabeça do seu filho Walter, situado à distância de cem metros. Apesar de Tell ter acertado na maçã, Gessler mandou prendê-lo, mas Guilherme fugiu, montou uma emboscada e matou Gessler. Daqui nasceu uma revolta contra a regência austríaca, patrocinada por Guilherme Tell.




Esta é a lenda de Guilherme Tell, tal como foi contada, pela primeira vez, por Aegidius Tschudi, por volta do ano de 1570. No entanto, não há provas da real existência de Tell ou da grande revolta que supostamente terá liderado. Todavia esta lenda tornou-se fundamental para a identidade suiça depois de o dramaturgo alemão Schiller a ter adotado.






«Gessler: Então Tell, já que a cem metros podes
Fazer cair a maçã da árvore, poderás
Provar-me a tua perícia. Toma o meu arco –
Empunha-o com as tuas mãos – prepara-te e depois
Faz cair a maçã da cabeça do rapaz!
Mas ouve este conselho, olha bem para o teu alvo,
Assegura-te que atinge a maçã à primeira,
Porque, se falhares, o custo é a tua cabeça…

Walter: Pai, não cedas perante aquele homem mau!
Diz, aonde tenho de ficar? Não tenho medo;
O meu pai acerta na asa da ave,
E não falhará agora, quando poderia ferir o seu filho!

… Pensas que temo
Uma seta vinda da mão de meu pai? Nunca!
Esperarei por ela firmemente, sem pestanejar!
Depressa, pai, mostra-lhes o que esse arco pode fazer.
                                         Ela duvida da tua perícia – pensa que pode arruinar-nos.
                                            Dispara então e acerta, para despeitar o tirano!»

Friedrich Schiller