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domingo, 8 de novembro de 2015

ESCOLA PÚBLICA: ENTRE O OITO E O OITENTA



A escola pública portuguesa enfrenta um drama semelhante à da sociedade portuguesa: tornar-se uma escola do oito e do oitenta, ou seja, uma minoria de alunos obtém resultados muito bons e tem um nível de conhecimento elevadíssimo enquanto uma imensa maioria demonstra uma confrangedora preparação académica para a vida, cumprindo penosamente a escolaridade obrigatória, ao ritmo do caracol, que só uma avaliação “amiga” e pressionada pelo cumprimento dos objetivos do abandono escolar não conduz à reprovação.

A escola pública tem ainda uma classe docente que fez a sua formação inicial há mais de duas décadas, numa altura em que o mundo informático dava os primeiros passos. Os métodos de muitos professores estão ultrapassados e em muitos casos não conseguem oferecer soluções ao maravilhoso mundo dos extremos em que se torna a escola pública portuguesa.
As respostas que a tutela e as direções das escolas vão dando ao problema são bem-intencionadas, mas não são uma política concertada, pensada, estruturada de resposta ao problema.
O primeiro desafio que a escola pública portuguesa enfrenta é ter gente qualificada em número suficiente para dar resposta aos diversos tipos de alunos que atualmente cumprem o ensino obrigatório. Faltam profissionais qualificados para tratar dos alunos com Necessidades Educativas Especiais, faltam psicólogos nas escolas, faltam assistentes operacionais. E falta reciclar o método de ensino, de alto a baixo. Não falo das degradantes condições físicas de algumas escolas, onde não existe dinheiro para substituir coberturas com trinta e quarenta anos por outras que não ponham em causa a saúde futura de alunos, professores e funcionários, porque esse não é o principal problema.
Os professores não podem exercer funções para as quais não estão preparados só porque têm um jeitinho especial para gerir conflitos ou têm piedade dos meninos com défice cognitivo evidente. Os alunos com Necessidades Educativas Especiais são pobres, pouco informados e pertencem a famílias desestruturadas, pouco conhecedoras dos seus direitos e deveres, completamente impreparadas para ajudar os filhos. 

O dinheiro que o país tem que gastar com estes alunos é muito mais do que com os bons alunos e o retorno será menor. Mas temos de fazer esse investimento se queremos legar aos nossos filhos uma sociedade onde a igualdade de oportunidades seja a regra e não a exceção.
É um trabalho longo e difícil que tem de começar no primeiro ciclo e prolongar-se pelos restantes ciclos de ensino obrigatório, mas com equipas multidisciplinares, constituídas por gente em número suficiente.
A manutenção dos melhores alunos na escola pública passa também pela subida gradual do nível médio das competências dos alunos mais fracos. É preciso recriar o aluno médio, com aspirações a ser bom ou muito bom. Há famílias que não podem e não sabem fazer esse trabalho, os alunos nem o problema pressentem, quem decide faz de conta...


O voluntarismo dos professores jamais levará sozinho o barco a bom porto, especialmente quando cada vez mais decidem menos sobre o futuro do ensino e da escola onde trabalham. Urge planos diferenciados, não tratamentos de favor. Até porque há muito trabalho a fazer também com os mais capacitados, especialmente ao nível da falta de humildade e do refrear a louca competição que existe entre alguns alunos dessa elite.
Numa entrevista publicada hoje na “Notícias Magazine”, Kate Winslet, atriz talentosa e premiada, dizia: “Nunca penso em termos de ser a melhor. A minha filha teve uma boa nota num trabalho e estava triste por não ter sido das melhores. Disse-lhe que não podia ser. Que essa competição não fazia sentido.” 
Não podia estar mais de acordo.

Gabriel Vilas Boas   

2 comentários:

  1. “Nunca penso em termos de ser a melhor. A minha filha teve uma boa nota num trabalho e estava triste por não ter sido das melhores. Disse-lhe que não podia ser. Que essa competição não fazia sentido.”
    Não sei se percebo bem o que Kate quer dizer porque me parece que aqui há duas ideias misturadas. A competição com os outros, para ser melhor do que os outros, de facto não faz sentido. Mas há um outro tipo de competição que faz todo o sentido - a competição que deve existir dentro de nós mesmos e que nos poderá levar a superar fraquezas próprias, a atingir um patamar melhor hoje do que o que alcançamos ontem.

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    1. Li a entrevista da Kate e o que ela queria dizer, obviamente, é que a competição com os outros não faz sentido na escola. A competição connosco faz todo o sentido e é uma ideia grega (acho eu) que adoro e que defendo. Como me pareceu evidente aquilo que a Kate queria dizer não adiantei mais nada, mas era, claro, "a competição com os outros", Anabela.

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