«Sabes, eu acho que que fogem de ti para
não ver / a imagem da solidão que irão viver / quando forem como tu / um resto
de tudo o que existiu»
Morrer de velho foi o sonho que a
ciência nos ajudou a concretizar. Os nossos velhos duram, em média, até aos oitenta
anos, mas este sonho tem sido um pesadelo para muitos.
Desejámos morrer de
velhos, mas esquecemos de traçar o plano correto para que isso acontecesse em
condições dignas. A vida não se rejeita, mas há finais tão tristes, decadentes,
penosos, que se tornam tão dolorosos até para quem só assiste.
Queríamos morrer velhinhos e para tal estudámos, lutámos, ganhámos dinheiro, inventámos curas, criámos fármacos, mas tudo parece em vão, quando as reformas de dois terços dos nossos idosos não chegam aos quinhentos euros, quando há milhares de velhos que vegetam nos lares completamente abandonados pelas famílias, quando a sociedade faz os avós sentirem-se inúteis, rejeitados, um estorvo.
Os velhos não são um problema económico, mas um problema de valores morais e éticos. Somos uma sociedade evoluída, pseudointeligente, egocêntrica e marcadamente desumana.
Por detrás de qualquer
valor económico de um objeto, de um negócio, de uma ideia está quase sempre um
valor afetivo. É por causa dele que investimos tempo, dinheiro, conhecimento.
Os nossos maiores, como diriam os romanos, são os guardiões desse santo graal e
nós estamos a enterrá-los vivos, sem cuidar de tomar em mãos a boa herança que
nos querem legar.
Não foi este final que
sonharam, não foi para este final que trabalharam, não é este o final que
merecem. Envergonho-me de pertencer a uma geração que despreza os seus velhos,
que os faz ter que escolher entre o medicamento obrigatório e a comida no
prato, que desdenha dos seus ensinamentos, que lamenta as miseráveis reformas
que lhes paga como se o dinheiro despendido não tivesse resultado dos descontos
do seu trabalho durante décadas.
Costumo ouvir com
frequência que os velhos não são o futuro. Permitam-me discordar, sem não antes
verberar essa visão mercantilista do ser humano que tanto desdignifica quem a
perfilha. Quer queiramos quer não, a velhice será o grande “negócio” das
próximas décadas; nós seremos os próximos velhos; a História costuma acertar
contas mais cedo do que imaginamos.
Não adianta andar a
sonhar com uma vida longa se não soubermos o que fazer com um quarto dela ou se
tornamos os últimos vinte anos de existência numa cruz penosa. Os nossos filhos
dar-nos-ão o desafeto que lhes ensinamos. Talvez não seja má ideia pensarmos em
chegar a velhos com uma saúde aceitável, vivendo de maneira mais regrada;
fazermos uma gestão mais equilibrada das finanças porque a solidariedade
intergeracional está a ser posta em quase por nós e não creio que os nossos
queridos filhos tenham vontade de contrariar a nossa doutrina; e, já agora, era
de todo aconselhável que nos dessemos um bocadinho melhor, pois daqui a vinte
anos só nos teremos uns aos outros para aturar as nossas impertinências
serôdias e viver largos anos de solidão.
Até podemos vir a ter
algum valor económico, mas não teremos qualquer valor afetivo e isso será
fatal: seremos um produto fora de validade.
Gabriel
Vilas Boas
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