Elia Barceló, académica espanhola que vive
na Áustria, escreveu no seu conto para crianças “Do Muro Para as Estrelas” algo
que devia ser bem compreendido pelos adultos:
“O muro é o símbolo do medo. Os antigos precisavam de muros para se protegerem dos que eram diferentes. (...) Os muros serviam para encerrar as pessoas fisicamente, para lhes tirar a liberdade. (...) Quando olhamos para alguém e desviamos o olhar, construímos um muro. Se olhas o outro nos olhos e sorris, constróis uma ponte. "Ontem a europa devia ter assinalado os vinte e seis anos da queda do muro de Berlim, mas não o fez com a pompa e a circunstância habituais. A hipocrisia é imensa, mas ainda tem algum receio da consciência coletiva dos povos.
Duzentos anos depois da revolução francesa e 44 depois do fim da segunda guerra mundial, a europa tinha feito as pazes com os seus traumas do século XX, destruindo fisicamente um muro sem sentido, que separava um povo que ansiava estar novamente junto, mas cuja História teimava em não perdoar. Vinte e seis anos proliferam os muros da vergonha, feitos de arame farpado, xenofobia, preconceitos e arrogância, no coração da europa. Não são apenas os 175 km. do muro húngaro, orgulhosamente assumido pelo louco primeiro-ministro Orbán, na fronteira com a sérvia para impedir que os imigrantes sírios cheguem à europa. São também os trinta e dois mil metros de arame farpado que os búlgaros ergueram em tempo recorde para evitar o nefasto assalto dos desvalidos do Médio Oriente.
Já não bastava os muros que separavam as duas Coreias no paralelo 38, a barreira aos imigrantes ilegais no norte de África que Espanha impôs perto de Ceuta, o muro da vergonha da Cisjordânia ou as barreiras que os americanos criaram para quem tentava chegar à América de todos os sonhos, vindo do México. Atá a falida Grécia investiu um pouco da sua enorme dívida na construção de um muro, em 2012, junto ao rio Evros, na fronteira com a Turquia para estancar o fluxo de refugiados sírios. Já raparam que os alvos destes muros são quase sempre gente doutra cor, doutra religião e que é pobre.
Como podemos explicar-nos a uma criança sem nos definirmos como pequenos monstros travestidos de humanos? Somos assim tão inseguros da nossa personalidade que temos medo da diferença? Talvez seja verdade que não conseguimos acomodar todos condignamente cá em casa em pouco tempo, mas a resposta não pode ser o arame farpado, a xenofobia ou até indiferença perante o sofrimento de um povo que se viu obrigado a fugir para não morrer.
Se é este o exemplo que damos aos nossos jovens, daqui a trinta anos, os nossos asilos terão muros tão altos que parecerão cadeias de alta segurança.
Há muitos muros por derrubar nas tortuosas almas humanas. Talvez com os seus inúteis pedras se possam construir belas pontes. Talvez…
Gabriel Vilas Boas
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