“Quero pintar o que não existe como se
existisse.”
Maria Helena Vieira da Silva
Nesta semana
que é de festa para os Museus, nada melhor do que vos trazer hoje um, muito
especial, “pensado” para um sítio mais especial ainda.
O
edifício pombalino que acolhe a memória e a arte de Vieira da Silva e Arpad
Szenes, à sombra do romântico Jardim das Amoreiras, foi uma escolha plena de
afetividade, justificada pela harmonia, pelo jogo de proporções e simplicidade
que tão bem caraterizam Vieira.
Vieira
da Silva bem se pode considerar a mais destacada artista plástica nascida no
nosso país, no séc. XX, pelo que era urgente um espaço digno que testemunhasse
o seu génio, que divulgasse as suas obras, em diálogo permanente com amigos,
intelectuais e artistas que se constituíram referências incontornáveis no seu
percurso pessoal e artístico. Arpad Szenes, o grande amor da sua vida, também
lhe dá o nome e bem. Este espaço, inaugurado em 1994 na antiga Fábrica de
Tecidos de Seda acolhe regularmente exposições temporárias de ambos, dando-lhes
um lugar de relevo no panorama da arte internacional.
É
igualmente possível o acesso ao centro de documentação e investigação, a
colóquios, a conferências, a palestras que visam o desenvolvimento da cultura e
da educação artística.
Arpad
Szenes nasce em Budapeste, Hungria, em 1897.Maria Helena Vieira da Silva,nasce
em Lisboa, em 1908.Ambos originários de famílias da alta burguesia, cedo
manifestam apetência para as artes. Conhecem-se em Paris e casam em
1930.Convivem com os surrealistas Miró, Tanguy e Max Ernst.
Vieira
expõe no nosso país, pela primeira vez, em 1935,pela mão do surrealista António
Pedro, na Galeria UP. Szenes expõe no ano seguinte, no atelier das Amoreiras.
A II
Guerra Mundial obriga os dois a regressarem a Portugal,de onde partem para o
Brasil e onde continuam a desenvolver o seu trabalho de sempre.
Em
1956, estes dois apátridas que viram recusada pelo nosso país a nacionalidade
portuguesa, naturalizam-se franceses e a partir da década de 60 é notório o
reconhecimento mundial da sua obra e Vieira é cumulada de prémios
internacionais.
As
exposições e as retrospetivas sucedem-se-Londres, Nova Iorque, Amesterdão… Lisboa….
as suas originalíssimas composições geométricas são aclamadas por todos.
As obras
de Vieira da Silva figuram em grandes museus mundiais como o Centre Georges
Pompidou, o MoMA, o Guggenheim (Nova Iorque), o SFMoMA (São Francisco) e muitas
outras são pertença de colecionadores privados.
A
venda da sua obra Saint-Fargeau (1965),
em 2011, pela “módica” quantia de 1,54 milhões de euros, é prova do
reconhecimento incontestado do seu talento. Orgulho português é também o facto
de a NASA ter dado o nome da artista a uma cratera em Mercúrio, que não nos
deve surpreender dada a dimensão da sua obra.
Para
os gregos, a palavra Museu definia o templo das Musas. O séc.XIX vê nascer os
Museus como instituições que reforçam a referência identitária das novas nações
emergentes. O Museu cria e constrói Património Cultural e hoje, a moderna
Museologia abandonou já a prática de simples armazém e depósito de peças e
objetos, dando lugar à criação, em constante interação, de espaços de serviço à
comunidade. Assim, o museu converte-se num meio de comunicação de ideias, de
identidades, de valores.
Fiquem
hoje com o templo desta Musa que foi Vieira da Silva. Apreciem Ville Forte (1960),quadro pertencente à
Coleção Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, que me agrada particularmente.
Testemunho de uma temática repetitiva e recorrente em Vieira da Silva, as
cidades, o registo cromático da presença do Homem, da Civilização.”Je suis une
femme de ville”, dizia Vieira frequentemente.
Esta é
uma obra da sua maturidade artística. Cor, luz, geometria pura. Paleta
discreta, mas intensa e forte, como o nome da pintura sugere. O olhar do
observador é convidado a pousar suavemente no ponto de fuga, visível na metade
inferior esquerda do quadro. Os brancos lembram a luz de Lisboa, que ela
insiste em não esquecer.
Lisboa
é a cidade onde podemos apreciar a sua obra. Vieira da Silva é conhecida pelas
suas cidades vertiginosas, Arpad pelas suas paisagens contemplativas. Não
receiem viajar até Lisboa, beber daquela luz inconfundível que invade também a
Praça das Amoreiras, observar o edifício singelo que alberga tantas e tantas
obras de beleza ímpar. Percorram o espaço intimista, desvendem a coleção e
deixem-se seduzir pelas histórias que ela nos conta…ou apenas deixem correr a
vossa imaginação. Perscrutem e entendam o amor que uniu estes predestinados,
dialoguem com outras correntes, mais marialvas e sedutoras que influenciaram as
nossas personagens de hoje. E, depois de um chá bem retemperador, em gesto de
despedida, voltem à cidade e desfrutem daquela que foi fonte inspiradora para a
obra de Vieira da Silva e que ela escolheu para receber a sua Fundação. Ainda
bem.
Ville Forte,1960
Maria
Helena Vieira da Silva, óleo sobre tela,
Coleção Fundação
Arpad Szenes-Vieira da Silva
Rosa Maria Fonseca
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