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quinta-feira, 31 de março de 2016

UM HOMEM NA DANÇA



O que é que leva um rapaz de 6 anos a começar a frequentar aulas de ballet clássico?...
A resposta é simples e, ao mesmo tempo, um pouco inusitada.
Um pediatra, dois irmãos pianistas, uns pais com mente aberta e uma boa dose de ingenuidade.
O que é que mantém esse rapaz a frequentar as aulas de ballet clássico durante 15 anos?Uma enorme dose de coragem e de autodeterminação.
Explicando. Corria, então, o ano de 1977 quando numa consulta de rotina, o pediatra disse aos pais que o rapaz precisava de uma atividade física regular, que lhe permitisse desenvolver a massa muscular e estimulasse o desenvolvimento harmonioso do corpo. Por esta altura, os dois irmãos do rapaz eram pianistas acompanhadores de aulas de ballet e lançaram a ideia de o rapaz experimentar uma aula, sendo que era sabido que a dança é uma atividade que além de desenvolver o corpo, trabalha outras áreas nomeadamente a parte intelectual e criativa. 


Os pais, pessoas de mente aberta e sensíveis à arte, não viram nenhum tipo de obstáculo. Em particular, o pai. O rapaz, com a tal boa dose de ingenuidade, também não viu nenhum óbice a experimentar.E assim, foi. Gostou. Rezam as crónicas que demonstrou, até, alguma apetência. E continuou. Só que o que era normal para alguns, para outros ainda estava carregado de preconceito. Um rapaz na dança?... No ballet clássico???... Hummmmm, só pode ser “efeminado”…. É aqui que entra a enorme dose de coragem e de autodeterminação.
Mas porque é que um rapaz no ballet clássico tem de ser um rapaz de tendências femininas?
Uma coisa é a dança, outra é a orientação sexual. Não vamos mais fugir da questão central. Há bailarinos que são homossexuais? Há, com certeza. Tal e qual como há médicos, políticos, futebolistas, engenheiros, etc. homossexuais. A questão é a orientação sexual e não a atividade que se desenvolve. Foi fácil quebrar este preconceito? Não foi. 


Na maior parte das vezes foi mais fácil esconder o que se fazia do que explicar aquilo que o preconceito vigente nas cabeças das pessoas não queria entender. Com algumas histórias engraçadas à mistura, como aquela do colega de turma que tinha uma irmã colega de turma do rapaz no ballet, que passou um ano letivo inteiro a conversar (gozar seria um termo mais adequado…) com o rapaz, sobre o colega que a mana tinha no ballet. “Anda lá desde miúdo. Deve ser maricas de certeza!...” Pois deve, pois deve… Entretanto, o rapaz e a irmã riam-se a bandeiras despregadas com os comentários do irmão preconceituoso. 
Tudo isto termina, quando o mano vai assistir ao espetáculo de final de ano letivo da escola de dança e é confrontado com a foto do colega no escaparate em que se podiam ver os alunos mais avançados e que iam dançar as coreografias mais importantes. O choque não podia ser maior. A lição, sim. Valha em bom rigor dizer que além de um pedido de desculpas, veio um ato de contrição assumindo que tinha recebido a maior das lições acerca de julgamento de pessoas, com base no preconceito. 

Certamente já desconfia que esta é uma crónica autobiográfica. Acertou em cheio. Embora as coisas já se tenham alterado muito substancialmente, ainda há um caminho a percorrer, nomeadamente no que diz respeito ao ballet clássico. Pela minha parte, só posso agradecer-lhe o muito que me deu enquanto pessoa e enquanto Homem. Valores como o rigor, a disciplina, a sensibilidade, a criatividade e a perseverança, foram-me incutidos na dança e desde sempre têm norteado a minha vida. Já para não falar das amizades de e para a vida, que ficaram até aos dias de hoje e ficarão para sempre.

Por isso, aceite um conselho. Dance, Sem medo, sem preconceito, sem entraves mentais absolutamente ultrapassados e que mais não fazem do que tolher-nos e impedir-nos de desfrutar a vida naquilo que ela tem de melhor. Dance!!!  
Paulo Santos Silva

quarta-feira, 30 de março de 2016

SUITE FRANÇAISE - UMA HISTÓRIA DE AMOR IMPOSSÍVEL?




Há cerca de um ano estreava nas salas de cinema portuguesas “Suite Française”, um drama romântico de Saul Dibb, cujo argumento se baseou na obra homónima de Iréne Némirovsky. O filme coloca-nos na França ocupada pelos nazis, nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial e relata-nos uma história de amor entre uma residente francesa e um jovem soldado alemão.

Lucille Angallier (Michelle Williams) aguarda por notícias do marido (destacado para a frente de combate contra os nazis), na companhia da sua sogra (Kristin Scott Thomas), quando um regimento alemão chega à pequena cidade francesa onde vivem e resolve ocupar as casas dos moradores.
Por entre a brutalidade insensível dos soldados alemães que faziam questão de humilhar os franceses, abusando das suas mulheres e usando-as para satisfazer os instintos sexuais, emerge a figura do comandante Bruno von Falk, um jovem soldado alemão que se instala em casa de Lucille e a cativa pela delicadeza do trato, pelo respeito com que aborda os subjugados e sobretudo pela música delicada e desconhecida que vai compondo ao piano.

A música é um elemento fundamental de todo o filme, pois serve de metáfora à personalidade do protagonista alemão e cria uma atmosfera sensível e subtil, que transporta o foco do filme da guerra para uma história de amor triste e condenada ao insucesso.
Lucille e Bruno são dois jovens adultos sensíveis que se apaixonam, mas cujo amor é esmagado pelas botas de guerra e das circunstâncias cruéis do seu encontro. Ao concentrar-se nesse amor perdido, o realizador traz o romance até nós, dando-lhe autenticidade.
Ao ver “Suite Française”, não pude deixar de pensar que nem sempre o omnia vincit amor, mas não é por isso que ele é menos intenso ou desaparece.

Não deixa de ser curioso pensarmos sobre as barreiras que se levantam contra o amor de Lucille e Bruno: a guerra; a pertença a povos inimigos que se combatiam ferozmente; os papéis que deviam representar; a imoralidade de serem os dois casados e por consequência deverem fidelidade aos seus companheiros. Apesar desse estado civil não ter impedido que se apaixonassem, o argumentista veio em defesa da moralidade de ambos os protagonistas ao fazer Lucille descobrir que fora traída ainda antes da guerra começar enquanto Bruno não chegara a sentir o casamento, pois levava tantos anos de serviços militar quantos de casamento. Foi uma proteção desnecessária. Eles apaixonaram-se, apesar de tudo o resto e nesse “tudo o resto” incluía-se o facto de serem casados. As circunstâncias derrotaram-nos, não o sentimento de culpa.
Serão sempre as circunstâncias assim tão poderosas? Muitas vezes são-no, mas também é verdade que não estamos muito habituados a vencê-las ou até a dar-lhes luta.

GABRIEL VILAS BOAS

terça-feira, 29 de março de 2016

LIMA DUARTE - VIDA, PAIXÃO E "MORTE" DE UM CABOCLO


Lima Duarte é daqueles atores que prende o espectador ao ecrã só para apreciar a sua atuação. Com ele aprendemos a gostar de telenovelas, porque personagens como Zeca Diabo, Sinhozinho Malta, ou Sassá Mutema entranharam-se na nossa memória afetiva para sempre.
Uma personagem pode ser muito mais ou muito menos do que aquilo que o argumentista/dramaturgo projetou para ela – cabe ao ator torná-la inesquecível ou redundante. Normalmente, Lima Duarte tornava uma telenovela inolvidável e tudo parecia girar à volta da sua personagem. Os grandes atores são assim: não esperam os papéis importantes, constroem-nos.

Lima Duarte começou desde cedo a colocar a máscara de ator, quando aos dezasseis anos decidiu que havia de vingar com um nome diferente do seu. Pôs de lado aquele inenarrável Ariclenes Venâncio Martins e recebeu como bênção materna o bendito “Lima Duarte”.
Entretanto passaram setenta anos e uma enormidade de excelentes trabalhos no cinema, no teatro e em televisão, que tornaram  Lima Duarte num dos melhores atores brasileiros de sempre.
Lima Duarte conseguia ser o bruto mais doce, o assassino profissional mais humano, o analfabeto mais eloquente, um comediante que nos fazia rir como perdidos e arranjava sempre maneira de nos surpreender.

Representou imenso, ensinou bastante. Não tanto como gostava e muitos vezes sentindo a injustiça de ser mal dirigido por gente que notoriamente sabia menos de direção de atores. 
Há seis meses correu a notícia que Lima Duarte tinha falecido, mas tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto que o autor aproveitou para fazer humor: "Não tenho pressa". Nós também não! 
Lima Duarte não foi embora; ficou e permanece como uma dádiva de talento e generosidade bem para além dos oitenta. Hoje está de parabéns aquele que sabe que é o nosso “Bem-Amado”, “Pai Herói” ou simplesmente um Sassá Mutema feito de sonho e vontade de aprender e de se dar - a perfeita metáfora daquela Brasil que nunca deixaremos de amar.
Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 28 de março de 2016

I DIDN'T MEAN IT, de Aurea


Gosto deste “I Didn´t Mean it”. Aurea tem uma voz que condiz com o nome e há nesta canção a paixão sofrida e nostálgica das músicas de Adéle. Ao ouvir “I Didn’t Mean It” não pude deixar de pensar na emoção que as canções da britânica proporcionam.
Novamente em inglês (onde as palavras parecem ganhar vida musical), Aurea explora a delicada temática das relações humanas.
 Quantas vezes já não dissemos: “Eu quis dizer isso!”? Mas a verdade é que dissemos e o que dissemos não deixou de criar um efeito. Como também é verdade que, por vezes, dizemos aquilo que não sentimos ou, pelo menos, não sentimos com a profundidade que os outros desejam. E como isso é facilmente captável...

You say the words I wanna hear
But They are as empty as the air

As palavras são importantes, reconfortantes, doces… quando recheadas de sentimentos. Desesperadamente, por vezes, os outros não acertam nas nossas necessidades. E nós reclamamos e culpámo-los… obviamente! No entanto, por vezes, também não preenchemos os anseios dos outros e eles reclamam e reprovam a nossa falha, mas nós não sentimos tanta culpa como aquela que eles tiveram! E tudo isso parece tonto, porque a culpa não é coisa que fique bem aos sentimentos.
Vemos isto perfeitamente do lado de fora; tão perfeitamente como recusámo-lo aceitar quando parte interessada. Talvez até fosse fácil aceitar as nossas imperfeições, falhas e hesitações porque “Sometimes, [the life] is that’s how is it. Apesar de não o querer ter dito, dissemos; embora quiséssemos ter estado, não estivemos… Chegámos um pouco cedo ou um pouco tarde. O facto é que dessincronizámos. Do lado de dentro é imperdoável, do lado de fora é entendível e faz parte da vida. E a verdade é que faz.

A sincronização é uma espécie de perfeição. E nós adoramos a perfeição porque não a podemos ter! Ainda que isso nos cause medo, ansiedade e algum choro, também alimenta a nossa luta.  Quando dizemos “I Didn’t mean it” já estamos a lutar. Provavelmente contra a nossa imperfeição, mas, como diria Fernando Pessoa, O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.
Gabriel vilas Boas

domingo, 27 de março de 2016

O PAPEL DA TUA VIDA





No teatro da vida
Segues… representando.
Entalado entre a certeza e a dúvida
Uma verdade se acentua:
Esta peça não é tua.




Há cenas que te angustiam,
Outras apenas te entediam.
Há alegria, há amor e… dor!
Encenação ou verdade?
Não te importas e sorris: és ator.
Essa é a inconveniente verdade!

Fazes de bom, fazes de mau…
Herói, figurante ou vilão
Querido, proeminente, importante
Sobes escadas, desces o degrau.
Pensas ser o centro da ação?
És apenas circunstancial comediante…
Para uns arrogante, para outros brilhante.



Tem coragem de mudar:
Transformar-te em drama, em texto
 E sem lamentares o contexto
Deixa a tua vida sobrevoar
A morada secreta dos sonhos,
Onde mil e uma histórias
Esperam qu’ as convertas em vitórias
Sobre os teus fantasmas medonhos.





No palco único do teu futuro
Aceita somente ser protagonista.
Nada receies, não fiques inseguro
É a hora de te assumires como artista.
Dessa peça emocionante e preciosa
Em que uma personagem fabulosa
Enfrenta a traiçoeira tragédia
Rejeita a insignificante comédia
Apresentando-se à vida à sua maneira.


Gabriel Vilas Boas

sábado, 26 de março de 2016

PAZ ENTRE O EGITO E ISRAEL, 1979



A 26 de Março de 1979, Jim Carter sorriu perante aquele aperto de mãos que selava a paz: Anwar Sadat e Menachem Begin trocavam aquele braço que finaliza meses de negociações e punha fim a séculos de intolerância.
Seis meses antes (setembro de 1978) decorreram reuniões substantivas destinadas à assinatura de um tratado de paz israelo-egípcio no refúgio presidencial de Camp David, na sequência do gesto de paz do presidente egípcio Sadat, em novembro de 1977 – quando fugiu para Jerusalém e se dirigiu ao Knasset israelita.
Graças a estas negociações, Sadat e o primeiro-ministro israelita Begin partilharam o prémio Nobel da Paz em 1978.

O acordo bilateral de 1979 permitiu o reconhecimento mútuo dos dois países e a retirada das forças israelitas da península do Sinai, que Israel ocupava desde a Guerra desde a Guerra dos Seis Dias em 1967. Não resolveu a questão dos Territórios Ocupados nem dos Palestinianos, e Israel continuou a ser encarado com hostilidade na região; no entanto não houve guerra em larga escala entre Israel e os seus vizinhos árabes desde 1979.
Devido aos seus esforços pela paz, Sadat foi assassinado por militares descontes durante uma parada militar em 1981.

Naquele dia luminoso, o discurso de Sadat foi particularmente impressivo: «Hoje uma nova alvorada emerge da escuridão do passado. Nunca os homens haviam travado uma disputa tão complexa, que está carregada de emoções. Nunca os homens precisaram de tanta coragem e imaginação para enfrentar um só desafio. Nunca uma causa despertara tanto interesse nos quatro cantos do globo.
… Que não haja mais guerras nem derramamento de sangue entre árabes e israelitas. Que não haja mais sofrimento nem negação de direitos. Que não haja mais desespero nem perda de fé. Que nenhuma mãe lamente a perda do seu filho. Que nenhum jovem desperdice a sua vida num conflito do qual ninguém beneficia. Trabalharemos juntos até chegar o dia em que ekles transformem as suas espadas em rabiças de arados e as suas lanças em podões. E Deus apela à morada da paz. Ele guia quem Lhe apraz que siga o Seu caminho.”

E a mim apraz-me sempre o caminho da PAZ.   

GAVB

sexta-feira, 25 de março de 2016

PRECÁRIO, O CLANDESTINO LABORAL E SOCIAL


A precariedade no emprego é um dos grandes flagelos das sociedades atuais. Ano após ano, atinge cada vez mais pessoas, porque as teorias neoliberais fizeram, sem o dizer, da precariedade um elemento fundamental das relações laborais.
Em Portugal, por exemplo, cerca de 80% dos novos contratos são precários. É um número assustador! O grande problema da precariedade moderna é que foi feita para se tornar permanente, sem que tal fosse absolutamente necessário, mantendo o trabalhador num estado de pressão psicológica e à mercê de propostas imorais e indecentes.

Ao contrário do que se diz, a precariedade não assenta só e sobretudo numa lógica económica. As melhores empresas mundiais não mantêm com os seus trabalhadores esse tipo de vínculo laboral nem as economias de referência assentam o seu desenvolvimento nesse paradigma laboral.
Qualquer patrão sabe que o precário é um sobrevivente e que aceita aquelas indignas condições laborais por necessidade. Poucos patrões investem na formação profissional de um precário, os salários são os mais baixos do mercado, os direitos mínimos (e ainda assim aldrabados). É claro que estes empregadores apenas pretendem usar aquela mão-de-obra barata, por algum tempo e deitá-la fora à primeira contrariedade ou oportunidade de negócio. O precário é um número, não uma pessoa. Dá imenso jeito para enriquecer em tempos de prosperidade e é extramente fácil de alijar em tempos de vacas magras.

Na minha opinião, os precários são mais vítimas do novo ordenamento social que se pretende criar do que consequência absoluta da globalização. A democratização dos regimes políticos, a educação das sociedades e a constante circulação das pessoas entre países fizeram crescer no ser humano um sentimento de liberdade e igualdade que se tornou intolerável e perigosa para muita gente habituada a privilégios injustificados. Ora, antes que esses privilégios fossem discutidos corpo a corpo no competitivo mercado laboral havia que criar uma cintura de segurança que impedisse esses jovens lobos de ascender aonde o mérito os levasse. Não é por acaso que a precariedade atinge essencialmente os jovens.

As gerações que se empregaram no tempo do trabalho para toda a vida “lamentam imenso” a situação aviltante dos precários, mas não fazem nada para a alterar, pois sabem que isso significa abdicar um pouco das suas regalias, dos seus direitos adquiridos, dos seus ordenados incomparavelmente superiores. Tratam de silenciar a voz daqueles que reclamam, reduzindo ao máximo a discussão mediática do tema ou lavando as mãos do problema como Pilatos, acusando a iníqua globalização de todos os males. Não é totalmente verdade! Há claramente uma luta surda de gerações pelo rendimento do trabalho, mas com armas desiguais e objetivos diferentes – uns lutam pela manutenção de privilégios, outros aspiram a um trabalho com salário e direitos condignos.

Provavelmente vamos continuar a aprofundar este modelo de sociedade injusto, em que uns são lobos e outros cordeiros; onde uma ou duas gerações será sacrificada. Tornamo-nos demasiado egoístas e perdemos a visão periférica, onde a inteligência combinava sempre com solidariedade e humanidade.
O precário é uma espécie de clandestino laboral e social que empurramos para longe. Há-de crescer, provavelmente, na mágoa de quem o impediu de seguir os seus sonhos. A mágoa pode enrijecer caracteres e criar riqueza, mas também endurece corações que tornarão solitária e precária a nossa velhice.

Gabriel Vilas Boas

quinta-feira, 24 de março de 2016

UMA MUDANÇA PACÍFICA E INESPERADA DE DINASTIAS REAIS, 1603




No dia 24 de março de 1603 registou-se a primeira transição pacífica na história inglesa de uma dinastia para outra, com a morte de Isabel Tudor, aos 69 anos, e a subida ao trono de Jaime VI, rei Stuart dos escoceses, como Jaime I de Inglaterra.
Jaime era neto da tia de Isabel (Margaret Tudor) que era irmã de Henrique VIII; ocupara o trono escocês desde a infância, depois de a mãe, Maria, rainha dos escoceses, ter sido forçada a abdicar devido aos seus casos amorosos… chocantes.


Isabel, solteira e sem filhos, mandara executar Maria, rainha dos escoceses, em 1587, por conspiração. Além disso, recusara-se a nomear um sucessor, mas uns anos antes da sua morte o seu primeiro-ministro, Robert Cecil, negociara em segredo com Jaime, e assim que Isabel morreu ele leu a proclamação do seu poder em Whitehall. Circularam imediatamente cópias pelo país e Jaime foi convidado a abandonar Edimburgo e ir para Londres, onde o esperava o trono inglês e o encontro com a História.
À união das coroas da Escócia e de Inglaterra seguiu-se, 104 anos depois, uma união de parlamentos, em Westminster, em 1707.  


A História tem destas ironias sábias que ensina todos a serem humildades na hora de exercer o poder, porque reis e rainha podem pôr, mas a História acaba sempre por dispor.
Uma negociação secreta uniu a Escócia e a Inglaterra e pôs termos a séculos de ódios entre os Tudor e os Stuart. Na verdade, o ódio acabou quando quem o personificava morreu. Foi um fim ditado pelas circunstâncias e não pela vontade, mas terminou o que só prova quanto injustificado eram. Há monarcas que aprisionam os seus povos à guerra, ao ódio e à intolerância, atrasando a História, mas uma vontade tão cega e tão mesquinha apenas vive a sua circunstância.
 Quatro séculos mais tarde, todos estes ódios nos parecem bárbaros, mas foi com eles que a história dos povos também se fez. E nós que História faremos? Ao observar o mundo nas últimas décadas, não posso deixar de pensar como as reminiscências bárbaras da humanidade parecem tão marcadas no ADN de alguns povos.

Gabriel Vilas Boas

quarta-feira, 23 de março de 2016

CASA DOS 24, de Fernando Távora


O edifício conhecido como CASA DOS 24 – mais rigorosamente, o edifício dos Paços do Concelho – situa-se junto à Sé do Porto e foi proposto como um sinal da reconstrução da zona envolvente da Sé que as demolições da década de 40 fizeram desaparecer.
Funcionando como um obstáculo vertical, A CASA DOS 24 reenquadra visualmente a Sé e a sua proximidade física face à catedral portuense permitiu reabrir o debate sobre os limites de intervenção arquitetónica em zonas de grande valor patrimonial.

O projeto de Fernando Távora constitui uma radical inversão dos propósitos “higienistas” que pretendem exponenciar a monumentalidade da Sé, criando uma esplanada que até permaneceu inacabada.
No plano programático, a CASA DOS 24 pretendia criar uma espécie de “memorial recordatório dos longos anos de vida e de História da cidade do Porto”, e por isso três pisos – à cota do Terreiro da Sé, da Rua Sebastião e ainda um intermédio – criam percursos e espaços para contemplar a beleza de uma cidade ímpar.

Não havendo documentos históricos que provem exatamente a conformação do edifício, Távora apoiou-se num documento que refere que este tipo de edifício teria mais de “cem palmos de altura”. No entanto, Távora propõe uma estrutura que evoca a antiga casa-torre. Assim sendo, “uma estrutura de paredes em U, repousando sobre parte da ruína inexistente”, ergue-se conformando três lados da torre.

O quarto lado é realizado com uma parede de vidro, permitindo uma leitura abrangente da cidade e criando uma escala mais amena face à malha urbana envolvente.
Continuando a trabalhar no sentido de recriar com clareza e projeto a matriz histórica dos edifícios ou espaços onde intervém, Fernando Távora pretendeu reintroduzir a relação original da Sé do Porto com a sua envolvente.

Siza Vieira considerou este projeto de Távora como pedra fundadora da intervenção que que ele próprio levou a cabo no início do século XX na chamada “Avenida da Ponte”, onde retomou a ideia consagrada neste edifício emblemático da cidade do Porto.

terça-feira, 22 de março de 2016

O IMPÉRIO DAS LUZES, de Magritte



Magritte é um pintor surrealista belga que recebeu a sua educação em Bruxelas, depois completada pelas viagens que efectuou pela Europa: França, Grã-Bretanha, Holanda, Alemanha. Entre 1927 e 1930, viveu perto de Paris, contactando com o grupo surrealista francês. Contudo, ao longo da Segunda Guerra Mundial, pintou várias obras impressionistas. Viveu em Bruxelas e pintou várias pinturas murais para diversos edifícios públicos belgas.  





Esta obra do pintor surrealista belga Magritte apresenta uma paisagem da qual existem diversas versões, embora esta tenha sido realizada exclusivamente para o Museu Real de Belas Artes de Bruxelas. O artista apresentou nela a realidade imediata, como a árvore o candeeiro, o céu, a casa ou a água.
Magritte transmite a sensação de se estar a observar uma paisagem misteriosa. Esta obedece, em parte, ao facto de o céu claro e sem nuvens ser próprio da meia tarde enquanto um candeeiro de rua ilumina duas janelas de uma das fachadas da casa.
Magritte joga com o espectador, pois este não sabe, ao certo, se se trata de uma paisagem diurna ou noturna, já que podem encontrar-se elementos que defendem ambas as hipóteses. Deste modo, o pintor belga consegue evocar uma atmosfera poética fantástica, que converte a obra numa composição absolutamente mágica.
Nesta pintura, aprecio dois pormenores: o candeeiro e os reflexos de luz na água. O candeeiro (elemento de modernidade e usado pela primeira vez pelos impressionistas) ilumina a fachada da casa ao mesmo tempo que provoca magníficos reflexos de luz na água.
A água possui umas cores maravilhosas. Podemos observar as cores rosa e verde das janelas reflectidas na água escura.  
Ver os quadros de Magritte entre outras preciosidades dos Museus Reais de Belas-Artes, em Bruxelas, é uma muito boa razão para visitar este pequeno país do centro da europa.

Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 21 de março de 2016

O MELHOR DE MIM, de Mariza



O final do ano de 2015 trouxe um novo álbum de Mariza, após cinco anos de paragem, e a expetativa era enorme entre todos aqueles que apreciam a cantora assim como no mundo do fado nacional.
O álbum “Mundo”, produzido por Javier Limón, cumpre mas não deslumbra. A canção mais emblemática do novo trabalho de Mariza – O Melhor de Mim – concentra toda a sua força na letra e na voz de Mariza.

No refrão, Mariza proclama que o seu melhor "ainda está para vir" e talvez seja verdade. 
Mariza não sabe cantar mal e a interpretação desta música traz aquela voz triste e doce que identifica a alma lusitana que canta o fado. A letra acompanha essa ideia quando anuncia que “É preciso perder / para depois se ganhar / E mesmo sem ver / Acreditar”, como se a dor, a provação fizessem obrigatoriamente parte da felicidade ou toda a alegria tivesse que ter sempre o seu quinhão de tristeza. Não tem que ser obrigatoriamente assim! Qualquer dia destes, alguém conseguirá quebrar este fado mental que nos apouca…

Ainda que se proclame uma fé inabalável em melhores dias ("O Melhor de mim ainda está para chegar” / “Acreditar”), esse otimismo parece ser pouco sustentado em qualquer atitude proactiva ou ação do ser humana. Talvez não fosse má ideia que as canções dos nossos melhores artistas procurassem desafiar esta lógica de tristeza congénita que espera sentada na margem a chegada de novos e melhores dias e decreta que pouco mais se pode fazer do que esperar.
A potente e límpida voz de Mariza não nasceu apenas para o fado. O melhor registo de Mariza está no álbum “Terra”, onde a cantora se aproxima mais de um registo de World music e presenteia o público com músicas belíssimas onde as raízes africanas de “Beijo de Saudade” se cruza com a alma fadista lisboeta de “Alfama” e “Minha Alma”, ao mesmo tempo que revela uma Mariza confiante no seu peculiar registo como acontece em “Se eu mandasse nas palavras”.
Vale a pena ouvirmos “O Melhor de Mim”. Não é o melhor de Mariza, mas é uma bela canção. Lá encontramos parte da nossa alma e da nossa tristeza sem razão que parece que nos impulsiona mas na verdade apenas justifica antecipadamente o nosso fracasso presente.

Gabriel Vilas Boas

domingo, 20 de março de 2016

HARAM AL-SHARIF - Qual é o teu Deus?


O Haram al-Sharif, ou Esplanada das Mesquitas, é o santuário muçulmano que faz de Jerusalém a terceira cidade santa do islão, depois de Meca e Medina. No entanto, este santuário foi construído sobre as ruínas do templo judaico que albergava as Tábuas da Lei. Do muro ocidental do templo restam apenas vestígios, e o Muro das Lamentações é um deles.
Este local sagrado, tanto para os Judeus como para os Muçulmanos, ilustra as dificuldades de resolução do conflito israelo-palestiniano. Em julho de 2000, as negociações de Campo David II com vista a um acordo de paz, sob tutela dos Estados Unidos, esbarraram logo na questão do estatuto de Jerusalém em geral, e de Haram al-Sharif em particular.

O presidente americano, Bill Clinton, propunha que se desse aos Palestinianos a soberania sobre os bairros cristão e muçulmano, incluindo a esplanada, e que Israel mantivesse a soberania do solo. A delegação palestiniana considerou que esta soberania era perfeitamente ilegítima.
Nos últimos dezasseis anos aprofundaram-se os ódios e a paz voou para bem longe de Jerusalém e do espírito de “responsáveis” dos dois lados.
Tenho muita dificuldade em entender o ódio, o sentido de posse material, a guerra e a o desejo de destruição quando falamos em religião. Qualquer que ela seja! Claro que há o passado, que há a mágoa, a dor e muitas mortes a atrapalhar um futuro que se pretende pacífico, mas o Homem, o Homem crente não pode fugir das balizas que o norteiam: Amor, Paz, Respeito, Compreensão, Perdão, Partilha. Para que serve uma religião se estes valores não triunfam nas nossas ações quotidianas? Que legado deixamos às próximas gerações de crentes?
Não somos responsáveis pelo passado nem temos de assumir ódios que não brotaram das nossas vontades ou ações, mas somos completamente responsáveis pelo presente de incompreensão que vivemos e pelo futuro de desentendimento que ajudamos a solidificar.
Afinal de contas, qual é o nosso verdadeiro Deus: a Paz e o Amor ou a guerra e o ódio?

Gabriel Vilas Boas  

sábado, 19 de março de 2016

AO MEU PAI

Já não tenho a oportunidade de lhe dizer quanto o amo, quanto me sabem bem todas as recordações de infância, quanto gostava da sua presença serena e de como me deixou crescer sem amarras. Não terei mais essa oportunidade! Em muitos momentos, penso que cheguei tarde a muitos dos nossos encontros e faltei a outros.
Não posso resgatar o tempo nem as oportunidades que passaram, não posso mais alegrar-me com o seu sorriso ou a sua voz, a sua preocupação com o meu futuro; não posso dizer-lhe tudo aquilo que tinha projetado dizer mas não disse, porque pensava que tinha tempo… que, afinal, não tinha! Essa é uma lição que se aprende, quase sempre, sozinho, infelizmente.
São mais pobres as opções que hoje tenho, Pai, mas não as vou desprezar por isso. Trago-te na memória, onde vives um tempo eterno, num lugar bonito onde morte nenhuma nos incomoda.
Lá, sentados ao sol, no topo de uma colina de erva fofa e flores selvagens, conversamos os assuntos de sempre: o último jogo do Benfica, as recentes decisões do Governo, o meu trabalho, as preocupações da mãe, os sucessos profissionais dos meus irmãos. Lá arranjaremos também um assunto qualquer para discordarmos e trocarmos acalorados argumentos até que nos chamem para jantar. Diremos, então, que “já vamos”, mas desta vez não precisamos de ir…
Ficaremos a beber a beleza do vale, que se espreguiça ao sol diante de nós. Brindaremos à amizade que nos une; acenaremos à vida que passa lá em baixo, devagar e faremos os nossos comentários de ocasião até que a noite caia sobre nós e eu tenha de regressar, descendo a encosta sem o aconchego da tua sombra.
Chegarei novamente à terra onde tu já não vives para tratar daquelas preocupações pequenas e inúteis que poluem o quotidiano dos mortais. Daqui a alguns dias voltarei a subir a colina e lavarei uma sacola de novidades para conversarmos tarde fora….

Gabriel Vilas Boas