O que é, afinal, um grande filme?
Foi este o primeiro pensamento que tive, há duas semanas, quando a Academia de Cinema de Hollywood atribui o óscar de melhor filme de 2015 a Spotlight, contrariando todas as expectativas que apontavam para uma vitória, em toda a linha, de “O Renascido”, onde Di Caprio teve, efetivamente, o seu melhor desempenho cinematográfico até hoje. Quando assisti ao filme mais badalado dos últimos meses fiquei com uma sensação de incompletude. A realização era soberba, a fotografia fora de série e o desempenho do protagonista era excecional, mas a história não me parecia assim tão magnífica.
Não é que a luta pela sobrevivência, em condições de extrema adversidade, não seja capaz de constituir uma grande história, mas o argumento do “Renascido” não me suscitou tal entusiasmo.
Custava-me a ideia do “Renascido” ser o filme do ano, porque não o considero verdadeiramente arrebatador, mas não via rival que pudesse impedir a sua entronização. O meu favorito era Spotlight, pela história real transformada em argumento, mas pensava que não passasse de um gosto de cinéfilo amador. Felizmente, a Academia atendeu ao meu gosto. Spotlight tinha “apenas” uma grande história que nem era «sua», pois o drama, escrito e dirigido por Tom McCarthey, baseava-se numa história real – um grupo de jornalistas do Boston Globe investiga, em 2001, um caso em vários padres católicos são acusados de abusos sexuais sobre crianças da comunidade local.
Ao investigarem as entranhas do caso, o grupo de jornalistas dá conta de anos e anos de abusos sexuais do clero de Boston a menores, do encobrimento feito durante décadas pelas mais altas esferas públicas e religiosas de Boston. Determinados a expor a verdade e a levar os responsáveis a tribunal, os jornalistas do Boston Globe empenham-se em encontrar provas irrefutáveis: entrevistam vítimas, vasculham arquivos à procura dos fios de uma longa meada propositadamente emaranhada, acusam o hipócrita silêncio do poder eclesiástico.
No fundo, colocaram o caso de pedofilia dentro da Igreja Católica de Boston nas bocas do mundo. Isso provocou um tsunami de enorme amplitude e trouxe coragem a outras investigações de pedofilia. Apareceram outras vítimas e mais padres foram condenados. Os jornalistas do Boston Globe ganharam o Prémio Pulitzer pelo serviço público prestado; Tom McCarthey convenceu o júri da mais prestigiada academia de cinema do mundo a atribuir-lhe o Óscar de melhor filme de 2015.
Fiquei satisfeito. Um grande filme ainda é uma grande história que ganha o espetador e marca a sociedade. O “Renascido tinha quase tudo para vencer, mas o cinema deve ir além da perfeição técnica. O cinema deve também arroga-se um estatuo de agente social, retratando e influenciando o mundo, onde o espetador interage. Spotlight é um banho de cinema de serviço público, onde realidade, História, ação e causas sociais transformam a sétima arte em algo bem superior a mero entretenimento ou refinado objeto estético de culto. Com Spotlight, o cinema ganha humanidade e capacidade de intervenção na sociedade.
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário