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quinta-feira, 31 de março de 2016

UM HOMEM NA DANÇA



O que é que leva um rapaz de 6 anos a começar a frequentar aulas de ballet clássico?...
A resposta é simples e, ao mesmo tempo, um pouco inusitada.
Um pediatra, dois irmãos pianistas, uns pais com mente aberta e uma boa dose de ingenuidade.
O que é que mantém esse rapaz a frequentar as aulas de ballet clássico durante 15 anos?Uma enorme dose de coragem e de autodeterminação.
Explicando. Corria, então, o ano de 1977 quando numa consulta de rotina, o pediatra disse aos pais que o rapaz precisava de uma atividade física regular, que lhe permitisse desenvolver a massa muscular e estimulasse o desenvolvimento harmonioso do corpo. Por esta altura, os dois irmãos do rapaz eram pianistas acompanhadores de aulas de ballet e lançaram a ideia de o rapaz experimentar uma aula, sendo que era sabido que a dança é uma atividade que além de desenvolver o corpo, trabalha outras áreas nomeadamente a parte intelectual e criativa. 


Os pais, pessoas de mente aberta e sensíveis à arte, não viram nenhum tipo de obstáculo. Em particular, o pai. O rapaz, com a tal boa dose de ingenuidade, também não viu nenhum óbice a experimentar.E assim, foi. Gostou. Rezam as crónicas que demonstrou, até, alguma apetência. E continuou. Só que o que era normal para alguns, para outros ainda estava carregado de preconceito. Um rapaz na dança?... No ballet clássico???... Hummmmm, só pode ser “efeminado”…. É aqui que entra a enorme dose de coragem e de autodeterminação.
Mas porque é que um rapaz no ballet clássico tem de ser um rapaz de tendências femininas?
Uma coisa é a dança, outra é a orientação sexual. Não vamos mais fugir da questão central. Há bailarinos que são homossexuais? Há, com certeza. Tal e qual como há médicos, políticos, futebolistas, engenheiros, etc. homossexuais. A questão é a orientação sexual e não a atividade que se desenvolve. Foi fácil quebrar este preconceito? Não foi. 


Na maior parte das vezes foi mais fácil esconder o que se fazia do que explicar aquilo que o preconceito vigente nas cabeças das pessoas não queria entender. Com algumas histórias engraçadas à mistura, como aquela do colega de turma que tinha uma irmã colega de turma do rapaz no ballet, que passou um ano letivo inteiro a conversar (gozar seria um termo mais adequado…) com o rapaz, sobre o colega que a mana tinha no ballet. “Anda lá desde miúdo. Deve ser maricas de certeza!...” Pois deve, pois deve… Entretanto, o rapaz e a irmã riam-se a bandeiras despregadas com os comentários do irmão preconceituoso. 
Tudo isto termina, quando o mano vai assistir ao espetáculo de final de ano letivo da escola de dança e é confrontado com a foto do colega no escaparate em que se podiam ver os alunos mais avançados e que iam dançar as coreografias mais importantes. O choque não podia ser maior. A lição, sim. Valha em bom rigor dizer que além de um pedido de desculpas, veio um ato de contrição assumindo que tinha recebido a maior das lições acerca de julgamento de pessoas, com base no preconceito. 

Certamente já desconfia que esta é uma crónica autobiográfica. Acertou em cheio. Embora as coisas já se tenham alterado muito substancialmente, ainda há um caminho a percorrer, nomeadamente no que diz respeito ao ballet clássico. Pela minha parte, só posso agradecer-lhe o muito que me deu enquanto pessoa e enquanto Homem. Valores como o rigor, a disciplina, a sensibilidade, a criatividade e a perseverança, foram-me incutidos na dança e desde sempre têm norteado a minha vida. Já para não falar das amizades de e para a vida, que ficaram até aos dias de hoje e ficarão para sempre.

Por isso, aceite um conselho. Dance, Sem medo, sem preconceito, sem entraves mentais absolutamente ultrapassados e que mais não fazem do que tolher-nos e impedir-nos de desfrutar a vida naquilo que ela tem de melhor. Dance!!!  
Paulo Santos Silva

2 comentários:

  1. Infelizmente o preconceito ainda é parte da vida diária de todos os que são diferentes por algum motivo... mas o importante é fazermos sempre o que sentimos ser o correto para nós, sem nos deixarmos influenciar pelo que os outros acham melhor para nós.

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  2. Gostava de acreditar que o caminho contra o preconceito já fosse bem longo mas, não é verdade. E o que mais me entristece é verificar que ele continua a manifestar-se e muito fortemente, entre os mais novos. Então, onde evolui o homem? Todavia, existe ainda muita esperança que deposito em muitos jovens e crianças que conheço, com um grande coração que provém de boa educação e formação.

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