Mais uma ida ao TNJS para assistir a uma peça encenada por João Lourenço e de cujo elenco faziam parte figuras como João Perry, Virgílio Castelo, Marco Delgado, Luísa Cruz, Sofia Cabrita. A peça era As Raposas da judia Lillian Hellman, escrita em 1939. O texto foi adaptado à realidade portuguesa tornando-o mais próximo do espectador.
As Raposas expõe uma história de três irmãos que lutam pelo controlo do negócio familiar. Neste combate há quem olhe a meios e quem olhe aos fins, quem se adapte ao presente e quem se agarre ao passado, quem vença pela força e quem espere o momento certo, quem seja pragmático e quem escute a voz do coração.
A versão de João Lourenço, estreada no verão de 2015, transporta para os nossos dias a ação de As Raposas, salientando as paixões desencadeadas pela ânsia de poder e dinheiro e questionando os valores do mundo em que vivemos.
Atualmente, reina a economia. Ela impõe-se no discurso político, social e no quotidiano das pessoas, cada vez mais reduzido a quadros, tabelas e gráficos. De fora ficam outras vivências e outras atividades que escapam a esses critérios.
Com As Raposas, Lillian Hellman propõe um olhar diferente sobre o mundo dos negócios: pensar as negociações, as paixões, as motivações das partes envolvidas, os seus sentimentos e argumentos.
A adaptação de João Lourenço à realidade portuguesa faz-se deslocando a ação para os nossos dias e para uma região nortenha indefinida, no campo. Os campos de algodão do sul dos EUA foram substituídos por vinhas, a construção de uma fábrica por um projeto de enoturismo (característica das atuais tendências de negócio); os criados negros deram lugar a uma empregada jovem, eficiente e discreta; os dólares aos euros; as carruagens puxadas por cavalos transformaram-se em carros, comboios e aviões.
Quando a ação começa está-se num ponto de viragem para uma nova era; propõe-se a mudança do velho estado de coisas para um negócio inovador que promete mais lucro, mais prosperidade e mais felicidade. É a altura de se formular três desejos (como nos contos de fadas), mas que no fundo se podem reduzir a dois: o regresso ao paraíso perdido do passado feliz e aconchegante e a descoberta do mundo novo, desconhecido, mas que existe algures no futuro, representado pela grande Nova Iorque.
Apresentando-se, a um primeiro olhar, como forças destrutivas, as raposas mesquinhas revelam-se também como forças criativas que impulsionam o progresso. Se a mudança ocorre de uma forma feroz e brutal, a responsabilidade não pertence aos destemidos impulsionadores que não manifestam quaisquer escrúpulos nem olham a meios para se atingir os fins, mas sim a todos os que permanecem passivos, sem intervir, sem lhes contrapor uma dinâmica diferente, como muito bem anota a personagem Benjamim Hilton (interpretada por Virgílio Castelo), um dos irmãos-raposa.
A importância dessa dinâmica diferente surge no final da peça, na figura feminina mais jovem da família que toma consciência do legado que o seu pai lhe deixou.
A maior riqueza guardada no cofre é a coexistência de dois tempos e dois sistemas de valores simbolizados nos objetos guardados: as ações e libras de ouro para investir no mundo dos negócios, na mudança e no futuro; e um sapatinho de bebé e um pedaço de um violino velho – valores sentimentais – para recordar o mundo da música e dos afetos.
No fundo o cofre guardava um sentido mais profundo: os vestígios do espírito da grande utopia – um mundo melhor e mais justo.
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