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sábado, 19 de março de 2016

AO MEU PAI

Já não tenho a oportunidade de lhe dizer quanto o amo, quanto me sabem bem todas as recordações de infância, quanto gostava da sua presença serena e de como me deixou crescer sem amarras. Não terei mais essa oportunidade! Em muitos momentos, penso que cheguei tarde a muitos dos nossos encontros e faltei a outros.
Não posso resgatar o tempo nem as oportunidades que passaram, não posso mais alegrar-me com o seu sorriso ou a sua voz, a sua preocupação com o meu futuro; não posso dizer-lhe tudo aquilo que tinha projetado dizer mas não disse, porque pensava que tinha tempo… que, afinal, não tinha! Essa é uma lição que se aprende, quase sempre, sozinho, infelizmente.
São mais pobres as opções que hoje tenho, Pai, mas não as vou desprezar por isso. Trago-te na memória, onde vives um tempo eterno, num lugar bonito onde morte nenhuma nos incomoda.
Lá, sentados ao sol, no topo de uma colina de erva fofa e flores selvagens, conversamos os assuntos de sempre: o último jogo do Benfica, as recentes decisões do Governo, o meu trabalho, as preocupações da mãe, os sucessos profissionais dos meus irmãos. Lá arranjaremos também um assunto qualquer para discordarmos e trocarmos acalorados argumentos até que nos chamem para jantar. Diremos, então, que “já vamos”, mas desta vez não precisamos de ir…
Ficaremos a beber a beleza do vale, que se espreguiça ao sol diante de nós. Brindaremos à amizade que nos une; acenaremos à vida que passa lá em baixo, devagar e faremos os nossos comentários de ocasião até que a noite caia sobre nós e eu tenha de regressar, descendo a encosta sem o aconchego da tua sombra.
Chegarei novamente à terra onde tu já não vives para tratar daquelas preocupações pequenas e inúteis que poluem o quotidiano dos mortais. Daqui a alguns dias voltarei a subir a colina e lavarei uma sacola de novidades para conversarmos tarde fora….

Gabriel Vilas Boas

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