11 de junho de 1999 – Sophia de Mello Breyner ganha o
PRÉMIO CAMÕES, o maior galardão da
literatura portuguesa.
Dez anos após Miguel Torga receber o primeiro galardão,
Sophia via reconhecida toda um vida literária de exceção, onde a figura da mãe
criou uma contista de livros juvenis “exemplares” e a mulher transbordava
sensibilidade e coragem, na denúncia de um país reprimido.
A poesia de Sophia é ímpar. Ao lado da temática do amor, há
a audaz crítica social, onde a ironia era uma arma própria de gente sábia. Recupero hoje um dos poemas que mais aprecio.
PESSOAS
SENSÍVEIS
As
pessoas sensíveis não são capazes
De matar
galinhas
Porém são
capazes
De comer
galinhas
O
dinheiro cheira a podre e cheira
À roupa
do seu corpo
Aquela
roupa
Que
depois da chuva secou sobre o corpo
Por não
tinham outra
O
dinheiro cheira a podre e cheira
A roupa
Que
depois do suor não foi lavada
Porque
não tinham outra
«Ganharás
o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos
foi imposto
E não:
«Com o
suor dos outros ganharás o pão»
Ó
vendilhões do templo,
Ó construtores
Das
grandes estátuas balofas
Ó cheio
de devoção e de proveito
Perdoai-lhes
Senhor
Porque
eles sabem o que fazem
Sophia de Mello Breyner, in Livro Sexto, 1962
Todo o poema é uma crítica mordaz e sonora à hipocrisia
daquelas pessoas que fingem uma santidade e retidão inquestionáveis e vivem
despudoradamente à custa dos outros.
A ironia marca o tom do poema desde a primeira estrofe, que
assumirá contornos mais duros nos versos seguintes, quando a poetiza cataloga como podridão moral a atitude daqueles que vivem à custa do suor (trabalho) dos
outros.
A tripla apóstrofe anafórica da penúltima estrofe é um
grito de revolta e indignação da poetiza perante todos aqueles que
conscientemente (“por eles sabem o que fazem”) se ufanam de grandes virtudes
quando aplicam os piores sofrimentos a gente indefesa e humilde.
Sophia termina como começou: irónica, porque não acho que
deseje o perdão de Deus para estas “pessoas sensíveis”. Afinal elas sabem bem o
que fazem e nós também sabemos.
Há mais de cinquenta anos que o sabemos como Sophia sabia e
por isso, incomodada, o denunciou. Valeu de muito pouco, porque continuamos estupidamente sensíveis a pessoas hipocritamente sensíveis.
GAVB
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