O horário de 35 horas semanais no regime de
trabalho da função pública regressará dentro de quatro semanas, embora ainda
ninguém saiba quais os setores não abrangidos por esta lei.
Na minha opinião, a questão das 35 horas semanais na função
pública deve ser vista sob três perspectivas: a do cumprimento da palavra; a da
justiça (relativa e absoluta) e a da possibilidade económica de realizar tal medida.
Começo pela primeira – cumprimento da palavra dada pelo
governo. Quando a troika entrou na gestão do quotidiano português, uma das
obrigações a que o governo se viu obrigado foi ajustar o horário dos
funcionários públicos ao do setor privado, com a ressalva de que as 35 horas
seriam repostas logo que o período de assistência financeira acabasse. Esse
tempo acabou, mas Passos Coelho esqueceu-se do que prometera e não repôs as 35
horas na função pública. Teve que ser o PCP e o Bloco de Esquerda a obrigar o
PS a cumprir aquilo que o Estado prometera aos seus funcionários. Passos Coelho
e Paulo Portas podiam tê-lo feito em Outubro passado, mas andavam muito
atarefadas em fazer leis que permitiam aos pais colocar os seus filhos em colégios
privados, se assim o entendessem, que o Estado pagaria a conta. Para isso havia
orçamento, para tal imoralidade o governo devia cumprir a lei feita À pressa por um governo minoritário.
A segunda questão – a justiça da medida - eleva o nível da
discussão. Como está desenhada a lei, o regresso das 35 horas semanais na
função pública cria uma injustiça relativa e uma injustiça absoluta iniludíveis. A injustiça relativa verifica-se dentro da função pública, dado
que os funcionários com contrato individual de trabalho (espécie de funcionários
públicos de segunda) não terão direito a tal medida. A responsabilidade desta
injustiça é toda do PS e mostra bem como o Partido Socialista só cumpre esta
promessa porque foi encostado à parede pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido
Comunista. A injustiça absoluta refere-se à diferença, totalmente injustificada,
que se cria entre setor público e setor privado. Curiosamente só o PCP propôs a
aplicação da nova lei a todos os trabalhadores, mas PS e Bloco impediriam tal
demanda. Quase toda a gente perguntará onde iria o PCP buscar receita para
ressarcir o setor privado? Bem, toda a gente sabe que pelo PCP o dinheiro gasto
em muitas parcerias público-privadas não se gastava, mas parecem estar sozinhos para mexer nesse vespeiro.
A terceira questão, – Há dinheiro para aplicar a lei? – tão querida
pela hipócrita direita política portuguesa, é aquela que suscita mais dúvidas e
também por isso, ainda não se conhece os contornos finais da aplicação da
medida.
Em cerca de 80% a 90% dos trabalhadores do Estado, a medida
não acarreta custos. Grande parte dos funcionários são professores, cujo horário
cresceu no período pós-troika na componente não letiva e agora irá diminuir na
mesma componente. Depois há os funcionários das finanças, dos tribunais, das
conservatórias que na prática voltarão a trabalhar sete horas por dia pelo
mesmo dinheiro com que trabalhavam oito, como durante quatro anos trabalharam oito
horas por dia pelo mesmo dinheiro como que tinham trabalhado sete.
O problema está na saúde. Foi aqui que o Estado poupou uns
trocos durante quatro anos, obrigando médicos, enfermeiros e administrativos a
dar uma hora por dia à casa. Em muitos casos eles sempre deram essa hora, só
que ela era paga como trabalho extraordinário e durante aqueles quatro
gloriosos anos da governação Passos/Portas esse tempo contou como horário normal de
trabalho. Agora voltam a ser 60 minutos diários de trabalho extraordinária, mas não há dinheiro para o pagar. E o governo PS lá vai ter que inventar mais uma geringonça laboral para
convencer os médicos, enfermeiros, administrativas a trocar dinheiro, por
férias ou outras regalias do género. Só espero que o governo esclareça bem a
população que estes funcionários foram obrigado abdicar do dinheiro que lhes será devido em troca de dois ou três dias de férias, para que daqui a dois ou
três anos não venham os Joãos Carreiras das Neves desta vida dizer que os
funcionários públicos são uns privilegiados, que têm férias a mais de modo
injustificado, blá, blá, blá…
A justiça começa quando falamos verdade, temos palavra e
procuramos que, logo que haja dinheiro, dar, a quem teve de fazer mais um
esforço em favor do país, aquilo que lhe é devido.
Os funcionários com contrato
individual de trabalho não podem ser tratados objetivamente como funcionários
de segunda nem os trabalhadores do setor privado podem andar sempre atrás no
que às leis laborais diz respeito.
Gabriel Vilas Boas
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