Em 12 de Junho de 1875 Rafael Bordalo
Pinheiro fazia nascer a figura do Zé Povinho para ilustrar como o governo português carregava
o povo de impostos, deixando-o cada vez mais pobre.
A caricatura ganhou lastro social e
Bordalo Pinheiro alargou o âmbito da sua crítica, apresentando Zé Povinho como
uma figura resignada perante a corrupção e a injustiça, ignorante e obediente.
Algumas décadas depois, Portugal mudou da monarquia para a república e pouco
depois resignou-se à ditadura para acabar com a rebaldaria. No entanto, o Zé
continuava parvinho e a caricatura de Bordalo Pinheiro, infelizmente,
continuava a ter atualidade.
Em nome do Zé, um século depois do
desenho de Rafael Bordalo Pinheiro, acabou-se com o Estado Novo que sempre
cheirou a velho e restabeleceu-se a democracia.
Houve quem falasse em triplo D (Democratizar, Descolonizar e
Desenvolver), mas ficámo-nos pelos dois mais fáceis e talvez por isso, a 12 de Junho de 1982, Portugal assinou o tratado de adesão à CEE. O Zé cantava,
alegre, que queria ver Portugal na CEE… e viu! O Zé já não era inculto, o Zé já
não era tolo, o Zé já nem era povo… era cidadão!
Agora já não havia rei, já não havia
ditadura, agora é que era! Não foi! Ingénuo como sempre, o Zé continuou
parvinho, agora enganado por outros Zés, que fizeram uma interpretação muito
própria do verbo “desenvolver”: governar-se.
Mais uma vez ludibriado, mais uma vez
gozado, o Zé passou a rir de si próprio, queixando-se de tudo, de todos e
também da sorte, à boa maneira dos calimeros.
Passaram-se cento e quarenta anos e o Zé nunca deixou de ser parvinho, nunca deixou de ser povinho.
Não tem piada, não me apetece rir. São
décadas e décadas a cometer os mesmos erros, a ver outros povos crescer, cair e
tornar a erguer-se enquanto os portugueses continuam a contar piadas sobre o Zé,
ou seja, sobre si.
Rafael Bordado Pinheiro criou uma
caricatura para arrumar com uma realidade opressora. Está mais que na hora de
acabar com a caricatura de povo que, muitas vezes, somos.
Tão fartinho de ser Zé… parvinho!
Gabriel Vilas Boas
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