“Há
situações de conflito que me incomodam mesmo que tenha de aguentá-las no
momento. Mas depois fico triste.” Alexandra Leitão - Secretária de Estado Adjunta da
Educação
Enquanto faço zapping pelos vários canais do cabo reparo no
final de um programa de análise/comentário dos vários acontecimentos da semana
em Portugal. Um moderador, cujo nome desconheço, lança o último tema de
análise: o fim da greve dos estivadores. No painel de comentadores estão três
figuras da sociedade civil portuguesa que se vão pronunciar sobre o caso. Todos
são pessoas esclarecidas e não partidárias. Dois homens e uma mulher falam do
caso. Os homens nitidamente contra a posição dos estivadores, a mulher a favor.
Oiço os argumentos de todos e levo o primeiro abalo: nenhum dos homens sabia o
que estava em causa na greve, quais as reclamações dos estivadores, a razão
fundamental de mais uma greve. Apenas sabiam que era mais uma greve e isso era
intolerável.
Entretanto o moderador diz que o programa está a esgotar o
tempo e pede a um comentador uma última intervenção. Virgílio Castelo, o ator,
declara alegremente que espera que rapidamente os robôs ganhem capacidade para
substituir os estivadores porque está farto deles e das suas greves; a mulher, em
tom irónico, tenta encontrar a razão da sociedade portuguesa detestar tanto os
estivadores e coloca duas hipóteses: a unidade que demonstraram em recusar trabalhar
para uma empresa de trabalho temporário que recebia um mínimo de 800 euros líquidos
por trabalhador mas apenas pagava 600 euros a cada trabalhador (ou seja, ficava
com 25% do suor dos trabalhadores sem nenhuma razão objetiva para tal; note-se
que a empresa fora criada por gente muito bem relacionada com as cúpulas do
porto de Lisboa e do poder político) e a solidariedade entre estivadores, pois
o sindicato dos estivadores repunha aos trabalhadores precários e/ou a
trabalhar para a empresa de trabalho temporário o diferencial para o
trabalhador efetivo.
Os dois homens sorriram sarcasticamente e um teve a lata de
dizer: “Isso é suborno. O sindicato suborna-o para eles fazerem greve!”
Fiquei estarrecido. Nunca tinha ouvido ninguém chamar
suborno a um ato de solidariedade. Quando alguém me pagar a viagem para ir a
uma manifestação, isso será suborno. Se alguém decidir pagar o meu dia de greve
para que, em consciência eu possa fazer greve ou não, estou a ser subornado. Em
última instância, as quotas que pagamos ao sindicato em que nos decidimos
filiar é dinheiro para usar em subornos a trabalhadores a fazerem greve.
Como é possível irmos para um programa mandar uns bitaites sobre este ou aquele assunto
sem nos prepararmos minimamente para ele? Que acharia Virgílio Castelo se um
jogador de futebol declarasse do alto da sua sapiência não entender por que
razão se havia de pagar a um encenador se os atores eram suficientemente
espertos para interpretar um texto dramático ou se a senhora que trabalha nas Finanças
mostrasse a sua indignação pelo empresário teatral não substituir o técnico de
som ou de luz por um programa de computador.
Que acharia Virgílio Castelo se os atores e encenadores apenas pudessem firmar contratos com empresas de trabalho temporário que ficassem à cabeça com 25% do orçamento para pagar aos membros de uma companhia de teatro?
Que acharia Virgílio Castelo se os atores e encenadores apenas pudessem firmar contratos com empresas de trabalho temporário que ficassem à cabeça com 25% do orçamento para pagar aos membros de uma companhia de teatro?
Volto às palavras da Secretária de Estado Adjunta da
Educação, Alexandra Leitão: “Há situações de conflito que me incomodam mesmo
que tenha de aguentá-las no momento. Mas depois fico triste.”
Há argumentos e opiniões que me revoltam demais para
merecem a minha mais enérgica oposição, mas deixam-me profundamente triste e
magoam-me. Lá no fundo derrotam-me, porque acabam com o pouco idealismo que
ainda restava em mim.
gavb
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