Fernando Pessoa escreveu no poema Autopsicografia que o poeta é um fingidor. Todo o escritor precisa
de o ser! E também o ator, o pintor, o cineasta… O artista precisa de fingir
para criar! A realidade é notícia, é história e, sobretudo, é, muitas vezes,
aborrecida.
No entanto, ao contrário do leitor, do espetador, do
ouvinte, o artista não pode ser um fingidor amador. Fingir é a sua arte, fingir é
a sua profissão e todo o seu encanto está em fazer, por momentos, os outros
acreditar na verosimilhança do seu poema, da sua atuação, da sua pintura
futurista. Para isso, ele precisa de viver a personagem que criou, de sorver a
sua personalidade, de entrar dentro dela e fazê-la caminhar num palco ou numa
folha de papel. É ele que lhe dá vida, que lhe empresta personalidade,
comportamentos e sentimentos.
Quando o consegue plenamente, será que podemos afirmar que
continua a fingir? Quem representa, quem escreve com frequência ou até quem
pinta com regularidade e alguma qualidade sabe perfeitamente quão doloroso é o
processo criativo. A dor não é nenhum fingimento. O amor, o ódio, a alegria, a
revolta, a compaixão, o medo que poeta ou ator expelem das suas personagens foram vividos, muitas vezes sofridos.
É comum os escritores falarem de experiências traumáticas de escrita como é recorrente vários atores falarem com assombro das experiências que viveram (não fingiram viver) ao representar determinada peça.
Claro que essas experiências passam e os atores partem para
outra história, como cada um de nós o faz com as diversas experiências por que
passa na vida.
Escrever, representar, criar qualquer objeto artístico é
tão sério e tão “verdadeiro” como outra coisa qualquer. Ninguém diz de um
economista que tem um “jeitinho” para as contas, nem que faz uns cálculos para desenfastiar
do aborrecimento da vida; ninguém desdenha da arte de um pasteleiro ou de uma
cozinheira como um ócio tolo de quem tem muito tempo para desperdiçar, apesar
dos bolos fazerem mal à saúde.
O artista sente a dor que finge, transmutando-se em várias
personalidades, num trabalho incansável que alimenta o espírito daqueles que
precisam de algo mais do que a intragável mesmice.
gavb
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