A esta hora milhares de portuenses e bracarenses devem estar frente a frente com uma deliciosa sardinha assada enquanto deitam o olho ao bailarico e esperam pelo fogo-de-artifício. Provavelmente muitas conversas giram em torno do europeu do futebol, que por estes dias decorre em França, e da fraca participação da seleção portuguesa.
Hoje dei comigo a pensar nas rainhas esquecidas das duas
festas: a sardinha e a bola do europeu (“Beau
Jeu” – Joga Bonito). Sem elas não haveria jogo nem festa. E em dias de
festa quase ninguém quer saber das mãos que as trouxeram ao palco de todas as
atenções. Por isso proponho-vos um pequeno exercício de reflexão.
A bola da Adidas que Ronaldo, Iniesta ou Muller tratam de forma tão artística custa 140 euros no mercado europeu, mas é produzido manualmente em Sialkot, no Paquistão, onde o trabalho infantil é uma realidade e as empresas não pagam mais do que o salário mínimo local. Se um paquistanês quisesse comprar um Beau Jeu tinha de trabalhar um mês e meio para ter no bolso os 140 euros que a Adidas pede pela bola oficial do europeu 2016.
A sardinha que alguns agora têm na boca deve-lhes ter custado entre 1 euro a 1,50 euros. Dizem os entendidos que o cabaz das sardinhas sobe exponencialmente nestes dias. É verdade. Normalmente um cabaz de 400 sardinha pode custar, um mínimo, de 10 euros e, nesta altura, do ano o preço pode chegar (e chega) aos 100 euros. Mesmo tendo em conta o preço mais alto, pagamos quatro a seis vezes mais o preço a que a sardinha sai da lota. Imaginem ao preço que cada sardinha fica em lota, em época de menos procura… menos de cinco cêntimos a sardinha.
Ontem, o JN acompanhou um grupo de pescadores que passou a noite na pesca da sardinha. No final de 13 horas de faina, um pescador levou para casa 15 euros. Um euro e quinze cêntimos por hora foi tudo o que ele ganhou. Se por esta hora for à Ribeira e lhe pedirem quinze euros por meia dúzia de sardinhas, um copo de vinho e uns nacos de broa, é possível que perca toda a vontade de festejar o santo padroeiro da sua cidade e nem fique para ver o fogo sobre o rio. Cada martelada que apanhar dos foliões de ocasião terá o peso desta gigantesca injustiça social, fruto de um “sistema que nos consome e aleija”, como cantava Jorge Palma.
O cabaz da sardinha chega a 100 euros por estes dias, mas o pescador da reportagem do JN continua a receber como se ele tivesse custado 10 euros. Ele foi para o mar ontem. Arriscou a vida por uma dúzia de sardinhas. Para ele não há sonho nenhum desenhado no céu da Ribeira como não há sonho nenhum para as mulheres de Sialkot, que cosem as bolas da Adidas.
A europa continua como no tempo do Império Romano: pão e
circo. A maioria de nós está nas bancadas, contentinho da vida, vendo os chutos
na Beau Jeu, discutindo as birras do
Ronaldo ou do Ibrahimovic, enquanto nas masmorras os escravos da era moderna engraxam
as chuteiras dos novos gladiadores ou servem sardinhas nos santos
populares.
Gavb
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