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quinta-feira, 23 de junho de 2016

A SARDINHA DO SÃO JOÃO E A BOLA DA TELEVISÃO


A esta hora milhares de portuenses e bracarenses devem estar frente a frente com uma deliciosa sardinha assada enquanto deitam o olho ao bailarico e esperam pelo fogo-de-artifício. Provavelmente muitas conversas giram em torno do europeu do futebol, que por estes dias decorre em França, e da fraca participação da seleção portuguesa.
Hoje dei comigo a pensar nas rainhas esquecidas das duas festas: a sardinha e a bola do europeu (“Beau Jeu” – Joga Bonito). Sem elas não haveria jogo nem festa. E em dias de festa quase ninguém quer saber das mãos que as trouxeram ao palco de todas as atenções. Por isso proponho-vos um pequeno exercício de reflexão.


A bola da Adidas que Ronaldo, Iniesta ou Muller tratam de forma tão artística custa 140 euros no mercado europeu, mas é produzido manualmente em Sialkot, no Paquistão, onde o trabalho infantil é uma realidade e as empresas não pagam mais do que o salário mínimo local. Se um paquistanês quisesse comprar um Beau Jeu tinha de trabalhar um mês e meio para ter no bolso os 140 euros que a Adidas pede pela bola oficial do europeu 2016.


A sardinha que alguns agora têm na boca deve-lhes ter custado entre 1 euro a 1,50 euros. Dizem os entendidos que o cabaz das sardinhas sobe exponencialmente nestes dias. É verdade. Normalmente um cabaz de 400 sardinha pode custar, um mínimo, de 10 euros e, nesta altura, do ano o preço pode chegar (e chega) aos 100 euros. Mesmo tendo em conta o preço mais alto, pagamos quatro a seis vezes mais o preço a que a sardinha sai da lota. Imaginem ao preço que cada sardinha fica em lota, em época de menos procura… menos de cinco cêntimos a sardinha.


Ontem, o JN acompanhou um grupo de pescadores que passou a noite na pesca da sardinha. No final de 13 horas de faina, um pescador levou para casa 15 euros. Um euro e quinze cêntimos por hora foi tudo o que ele ganhou. Se por esta hora for à Ribeira e lhe pedirem quinze euros por meia dúzia de sardinhas, um copo de vinho e uns nacos de broa, é possível que perca toda a vontade de festejar o santo padroeiro da sua cidade e nem fique para ver o fogo sobre o rio. Cada martelada que apanhar dos foliões de ocasião terá o peso desta gigantesca injustiça social, fruto de um “sistema que nos consome e aleija”, como cantava Jorge Palma.


O cabaz da sardinha chega a 100 euros por estes dias, mas o pescador da reportagem do JN continua a receber como se ele tivesse custado 10 euros. Ele foi para o mar ontem. Arriscou a vida por uma dúzia de sardinhas. Para ele não há sonho nenhum desenhado no céu da Ribeira como não há sonho nenhum para as mulheres de Sialkot, que cosem as bolas da Adidas.
A europa continua como no tempo do Império Romano: pão e circo. A maioria de nós está nas bancadas, contentinho da vida, vendo os chutos na Beau Jeu, discutindo as birras do Ronaldo ou do Ibrahimovic, enquanto nas masmorras os escravos da era moderna engraxam as chuteiras dos novos gladiadores ou servem sardinhas nos santos populares.
Gavb

quarta-feira, 24 de junho de 2015

SANTOS POPULARES


Os santos populares são das festas mais portuguesas e mais genuínas que vivemos.
Oriundas do feliz casamento entre a religião e a tradição, souberam manter o espírito de folia ao mesmo tempo que se foram reinventando, de maneira a renovar a festa na transição das gerações.
Acontecem no verão, quando o tempo e a vontade nos expulsa do comodismo caseiro e nos traz para a rua. São elas que nos devolvem ao contacto com as nossas raízes, com os vizinhos que nem cumprimentávamos, com o prazer do convívio sem hora marcada.

Quase ninguém aparece porque “tem de ser” e vemos famílias, novos e velhos, pessoas de todos os estratos sociais a sorrir, a brincar, a comer a sua sardinha assada no pão ou no prato, de pé ou numa mesa improvisada no meio da rua.
São as festas populares que reúnem novamente as gentes da cidade, do bairro ou da rua, à volta do prazer de estar com o outro e da pequena brincadeira. Mantêm viva o orgulho da pertença a um grupo ou associação, nas marchas populares ou nas cantigas, fazem as crianças saltar as fogueiras e recordam a beleza da vida na magia do fogo-de-artifício.

Os santos populares são festas de comunidade, onde todos estão convidados, mesmos os desconhecidos. Rapidamente o convívio vence a timidez dos mais recatados e instala a doce descontração dos momentos alegres até que os corpos dêem sinal de cansaço.
Apesar de toda a brincadeira e descontração, há tempo e inspiração para coisas mais artísticas. O povo anseia pelo desfile bairrista das marchas, onde a coreografia namora a música, esperando o consentimento das palmas. Os mais sonhadores derramam poesia nos manjericos à espera dos sorrisos das almas delicadas. Entretanto a banda toca para mais um passo de dança enquanto os pequenos nos surpreendem com outra marretada e o calor da noite pede mais um copo e dois dedos de conversa.

Como todas as coisas boas, a festa popular e santa também tem o seu fim. A sorte é que caminhamos (ou cambaleamos) para casa com a barriga cheia de alegria e folia, onde nos espera uma cama sem relógio para acolher um corpo cansado de satisfação.
Foi bonita a festa, pá!

Gabriel Vilas Boas