Quando se debate um tema, se discutem ideias ou trocam
argumentos, pensamos, com frequência, que o objetivo é ganhar o debate ou “ver
quem tem razão”. Muitas vezes não é disso que se trata! Todos os assuntos podem
e devem ser discutidos, mas perdem interesse para mim quando aquilo que se
pretende é aniquilar a liberdade individual do outro.
A liberdade do outro é tão inegociável como a nossa.
Infelizmente, muitos de nós só percebem isso quando alguém se quer apossar da
sua liberdade. É uma tentação ingénua mandar na vontade do outro. Quanto muito,
podemos mandaremos no outro, mas isso só nos desqualifica.
Quer queiramos quer não, as pessoas de qualquer sociedade
são diferentes. Quando pertencemos a um grupo maioritário tendemos a dar ares
de grandes senhores, tolerando a diferença, aceitando a diferença. A diferença
não é coisa que se tolere, a diferença respeita-se. A tolerância não é um valor
que se deva aplicar à diferença. Falar de tolerância aplicada à diferença é uma
arrogância de carácter tremenda e não contém qualquer bondade.
Então não devemos tolerar? Sim, devemos tolerar o excesso
de velocidade ocasional, um excesso de linguagem impróprio e extemporâneo que
rapidamente percebe a sua falta, um egoísmo esporádico, mas não podemos aplicar
o conceito a alguém que afirma ser comunista, gay ou benfiquista no Porto.
Irritam-me solenemente comentários do género “Mário
Nogueira, esse comunista, que nunca foi outra coisa que não sindicalista toda a
vida e nunca deu aulas.” Mas há problema em alguém ser comunista? É algum crime
ser sindicalista? É por causa dos sindicatos que alguns não trabalham em clima
de escravidão. E se Mário Nogueira é sindicalista há vinte anos, à eleição dos
seus colegas o deve, só a isso. O mesmo raciocínio se aplica a frases como “Só
tens um problema, és do Benfica!”, “Eu logo vi que eras de Lisboa!”, “Coitado,
não sabe mais, é preto!”. Este tipo de tolerância é arrogância. O lugar dela é
no caixote do lixo.
Gozar com o outro é sempre feio, quer seja de modo
abrutalhado quer seja usando uma fina ironia cortante. “Ao menos sou sincero!” –
Claro que sim! É sinceramente preconceituoso e assumidamente arrogante. Só
isso.
Revela pouco crescimento pessoal precisarmos que alguém nos
ponha na pele de um negro, uma lésbica, um adepto de um clube derrotado, para
percebermos que a nossa posição minoritária é tão digna como outra qualquer.
Há pessoas que só percebem isso quando emigram, outras que
nunca percebem. É chamado síndrome do Peter Pan.
gavb
E um portista na capital, não... eh eh eh.
ResponderEliminarUm portista na capital tem de ter a mesma liberdade de o ser, suscitar o mesmo respeito que um portista em qualquer parte de Portugal ou do mundo. O problema, acho, não é ser-se da capital ou do Porto, de Roma ou de Viena, mas julgar-se dono dos sítios, da vontades dos outros, das escolhas e da dignidade daqueles que não pensem nem sentem como nós.
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