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sábado, 11 de junho de 2016

AS PESSOAS SENSÍVEIS


11 de junho de 1999 – Sophia de Mello Breyner ganha o PRÉMIO CAMÕES,  o maior galardão da literatura portuguesa.
Dez anos após Miguel Torga receber o primeiro galardão, Sophia via reconhecida toda um vida literária de exceção, onde a figura da mãe criou uma contista de livros juvenis “exemplares” e a mulher transbordava sensibilidade e coragem, na denúncia de um país reprimido.
A poesia de Sophia é ímpar. Ao lado da temática do amor, há a audaz crítica social, onde a ironia era uma arma própria de gente sábia. Recupero hoje um dos poemas que mais aprecio.

 PESSOAS SENSÍVEIS
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a podre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Por não tinham outra
O dinheiro cheira a podre e cheira
 A roupa 
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra



«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos foi imposto
E não:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»

Ó vendilhões do templo,
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas
Ó cheio de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
                                                                                               Sophia de Mello Breyner, in Livro Sexto, 1962


Todo o poema é uma crítica mordaz e sonora à hipocrisia daquelas pessoas que fingem uma santidade e retidão inquestionáveis e vivem despudoradamente à custa dos outros.
A ironia marca o tom do poema desde a primeira estrofe, que assumirá contornos mais duros nos versos seguintes, quando a poetiza cataloga como podridão moral a atitude daqueles que vivem à custa do suor (trabalho) dos outros.

A tripla apóstrofe anafórica da penúltima estrofe é um grito de revolta e indignação da poetiza perante todos aqueles que conscientemente (“por eles sabem o que fazem”) se ufanam de grandes virtudes quando aplicam os piores sofrimentos a gente indefesa e humilde.
Sophia termina como começou: irónica, porque não acho que deseje o perdão de Deus para estas “pessoas sensíveis”. Afinal elas sabem bem o que fazem e nós também sabemos.
Há mais de cinquenta anos que o sabemos como Sophia sabia e por isso, incomodada, o denunciou. Valeu de muito pouco, porque continuamos estupidamente sensíveis a pessoas hipocritamente sensíveis.

GAVB

terça-feira, 9 de setembro de 2014

AGUSTINA BESSA LUÍS


Há precisamente dez anos, Agustina Bessa Luís, a mais relevante escritora amarantina do século XX ,recebia o mais importante galardão da Literatura Portuguesa: o Prémio Camões. Trata-se dum prémio que existe há 25 anos e que normalmente premeia a carreira literária dos grandes vultos da literatura escrita em português. É um prémio que marca a carreira dum escritor e portanto muito desejado por qualquer um.  
Agustina não é uma escritora do meu tempo. É uma senhora que caminha para os 92 anos de idade e o seu reinado parece pertencer a outro século, no entanto, a sua vasta obra revela um espírito criativo, atento e laborioso.

Ao olharmos para a sua biografia impressionam dois dados: a quantidade de obras publicadas desde 1948, em várias disciplinas literárias, e a panóplia de prémios alcançados, com particular destaque para o Prémio Camões. Agustina granjeou a admiração dos seus pares e dos verdadeiros amantes da literatura, num tempo em que esse grupo era restrito, mas muito exigente. Quem arrecada prémios como o “Delfim Guimarães”, o “Prémio Eça de Queirós”, o “Prémio Internacional da União Latina”, o “Prémio D. Dinis”, ou o  “Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores” só pode ser um grande escritor.
No entanto, a sua obra é completamente desconhecida pelas novas gerações. Isto acontece porque a sua literatura remonta a um tempo que já não existe, com personagens e ambientes que fazem parte dum Portugal rural, analfabeto, escondido do mundo. Por outro lado, a sua literatura usa uma linguagem rendilhada, trabalhada com a paciência do artesão, atento a todos os pormenores e subtilizas das palavras. E esse definitivamente não é o estilo, o tempo e a temática que nos seduz.

Mas ninguém é Prémio Camões, por acaso. Por debaixo do pó do tempo, reluz o brilho da escritora que criou a “Sibila”, “A Corte do Norte”, “O Vale Abraão” ou “Adivinhas de Pedro e Inês”. Agustina é um das melhores cultoras da novela lusitana do século XX, mas a sua obra também incluí excelentes romances, textos dramáticos, biografias, ensaios, crónicas, textos juvenis.
Talvez só encontremos alguns dos seus livros em alfarrabistas, mas é certo que dentro deles acharemos a melhor definição do papel da mulher portuguesa do interior durante os longos anos da ditadura de Salazar; é através das muitas páginas dos seus livros que conheceremos o mítico Douro e as intrincadas relações sociais no norte de Portugal.

Descobrir a mulher enigmática que num dia de outono, de 1922 nasceu em Vila Meã é redescobriu um pouco do que foi o tempo, o modo e o lugar em que os nossos avós ou bisavós viveram. Talvez aí percebamos melhor um pouco de nós…


Gabriel Vilas Boas