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quinta-feira, 30 de abril de 2015

PAISAGEM DE INVERNO DE PIETER BRUEGHEL, O VELHO

óleo sobre madeira, 37/55,5

PAISAGEM DE INVERNO COM PATINADORES E ARMADILHA PARA OS PÁSSAROS
Tive a oportunidade de ver este quadro ao vivo no começo de 2014, quando vi a exposição de pintores do Norte que esteve patente no Museu Nacional de Arte Antiga. Os quadros de Brueghel foram os que mais me impressionaram. Volto, hoje, a um quadro de Pieter Brueghel, o Velho.
Esta obra está assinada e datada no canto inferior direito: «BRVGEL/M.D.LXV) e representa uma paisagem invernosa da Brabante, terra natal de Brueghel, provavelmente a aldeia de Pede-Sainte-Anne.

Em primeiro plano veem-se crianças a brincar em cima de um rio gelado. Algumas delas, mais ao fundo, levam um pau nas mãos que faz alusão ao «Kolf»,um jogo entre o hóquei e o golf, muito apreciado pela sociedade holandesa e flamenga.
As tonalidades douradas e brancas conferem um carácter íntimo à obra, típico de Brueghel, enquanto o nevoeiro liga o quadro de uma forma coesa pelo que o olhar desliza sem obstáculos. A quietude seria total se os pássaros da direita não estivessem ameaçados por uma armadilha feita de madeira ou se os homens, em cima do gelo, em primeiro plano, não estivessem em perigo de se afogar, pois um bocado de gelo já se quebrou.

O facto de o local da armadilha contrabalançar, à direita, as atividades descuidadas que ocorrem no centro e à es­querda parece sugerir que Brueghel tinha algo mais em mente do que apenas a interpretação dos prazeres do inverno.
Trata-se de uma obra alegórica, tal como tantas outras da carreira de Brueghel, que constituiu uma reflexão sobre a existência.
Qualquer um de nós pode admirar este maravilhoso quadro de Brueghel no Museu de Arte Antiga, inserido nos museus Reais de Belas-Artes da Bélgica, em Bruxelas.


Gabriel Vilas Boas

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O DIA DA DANÇA


Martha Graham disse, um dia, que a dança é a linguagem escondida da alma! E eu não posso estar mais de acordo com ela. A dança exige paixão.
Claro que precisamos de dominar as diversas técnicas, possuir uma excelente preparação física, conhecer as coreografias previamente desenhadas, sentir o ritmo, executar os diversos passos com precisão cirúrgica, mas sem paixão tudo isso parecerá… mecânico.
É preciso paixão para dançar, porque dançar é sentir. A grande Isadora Duncan dizia também que “sentir é sofrer e sofrer é amar… Tu amas, sofres e sentes. Por isso, dança!”

Todavia sempre foi muito difícil levar as pessoas a dançarem, especialmente os homens. O medo do ridículo constitui um fantasma enorme, que leva tempo a domar. Ultimamente, assistiu-se a um pequeno boom de aulas de dança, um pouco por todo o país. Ao tradicional sonho de muitas meninas em se tornarem bailarinas, acrescentou-se a vontade irreprimível de muitas mulheres imitarem algumas participantes dos vários concursos televisivos dedicados à dança. Ver a performance dos vários pares concorrentes aguça o desejo de qualquer um/a, que sente a imaginação voar através da dança.

Paralelamente, Anselmo Ralph trouxe as danças africanas para a ribalta e, quase sem dar por isso, grande parte daqueles que gostam de dançar foram atraídos pelo Kizomba. Originária de Angola, a Kizomba é uma dança cheia de calor e sensualidade, que favorece uma verdadeira cumplicidade entre pares. Ao ver o crescente interesse das suas mulheres pela Kizomba, muitos homens terão pensado que era finalmente a altura de aprender a dançar…

Até porque a dança é um espetáculo que está para além do espetáculo. Muitas vezes, encerra algo de dramatúrgico e aproxima-se do teatro. Hoje no Teatro Nacional S. João, a celebérrima bailarina e coreógrafa Olga Roriz apresenta, através da sua companhia de dança, o espetáculo “Terra”. Este espetáculo foi apresentado pela primeira vez o ano passado e resulta de uma produção conjunta do CCB, TNSJ e da Companhia Olga Roriz. Neste espetáculo pretende--se que o espectador perceba a exaltação do movimento e da imagem. Apesar da pouca inovação artística, a peça destaca-se pela grande espetacularidade e capacidade de entreter o grande público.
Entretendo os olhos ou fazendo mexer o corpo, a dança será sempre uma ótima forma de demonstrar as maravilhas que a mente e o corpo, unidos à música, são capazes de realizar.
Por isso, hoje…
Esquece as tuas inquietações e dança!
Esquece as tuas tristezas e dança!
Esquece as tuas doenças e dança!
Esquece as tuas fraquezas e dança!

Gabriel Vilas Boas

terça-feira, 28 de abril de 2015

ANFITRIÃO



Imagine-se que um homem tem uma bela mulher e vê-se forçado a deixá-la sozinha por causa de uma guerra. Se sabe que a esposa é virtuosa, parte sossegado. Foi isso que fez Anfitrião, rei de Tebas, casado com Alcmena cuja história foi eternizada na comédia “Amphitruo”, de Plauto (ca. 254 a.C. – 184 a.C.).
O protagonista da nossa história só não contava que Zeus (ou Júpiter, para os Romanos), o pai dos deuses, famoso pelos artifícios que engendrava para conquistar mulheres alheias, fosse cair de amores por Alcmena. E, desta feita, a artimanha foi planeada ao pormenor: como Anfitrião estava ausente, Zeus assumiu a aparência do herói, fez com que o seu filho Mercúrio assumisse a pele de Sósia (o escravo e companheiro de Anfitrião) e apresentou-se diante de Alcmena como sendo o marido que regressava a casa.
Saudosa e sem desconfiar de nada, a jovem não se negou a partilhar durante três dias inteiros, a sua cama com o pai dos deuses. Quando o verdadeiro marido regressou, triunfante, a casa, estranhou o facto de a esposa não o receber calorosamente e de todos agirem como se ele não tivesse tanto tempo fora. O pobre homem não conseguia compreender o que se estava a passar.

Por incrível que pareça, foi o próprio Zeus, descaradamente, lhe veio explicar os factos: Alcmena iria dar à luz dois filhos, um ser divino (Hércules) e um ser mortal (Íficles). A cólera de Anfitrião foi aplacada por Zeus que lhe prometeu glória futura. Como Hércules seria o maior herói de todos os tempos, Anfitrião, seu pai adotivo, também ficaria famoso.
Toda esta história está na origem da palavra “anfitrião” que designa o indivíduo que recebe hóspedes ou convidados em sua casa. Esta história (mito) muito conhecida e apreciada, tem sido reescrita ao longo dos séculos. Em Portugal, o tema foi aproveitado por escritores ilustres como Camões em “Enfatriões” e António José Silva (O Judeu) em “Anfitrião”. As adaptações terão sido tantas que o francês intitulou a sua obra de “Amphitryon 38”, pois julgavam que existiam 37 versões anteriores à sua e posteriores ao original de Plauto. Outro escritor famoso a trabalhar o tema foi Molière, que, na comédia “Amphitryon” (1668), põe em cena um banquete oferecido por Zeus, durante o qual Sósia exclamou: “O verdadeiro Anfitrião é aquele em casa de quem se janta.” É a estes versos que muitos estudiosos atribuem a atual aceção do termo, usado em português desde a segunda metade do século XIX, apesar de hoje em dia não se esperar que um anfitrião conceda todos os favores que Zeus obteve…

  

segunda-feira, 27 de abril de 2015

ANTÓNIO ZAMBUJO


Despertei para o "fenómeno musical" António Zambujo há três anos, através de dois amigos, a Rosa Maria Pereira e o António Augusto, que me mostraram a música de um alentejano de voz delicada, doce e cristalina.
Num concerto realizado em Estarreja, verifiquei, in loco, toda a qualidade musical de um cantor excecional, que funda a sua música algures entre o cante alentejano e o fado.
Ao ouvir António Zambujo, repara-se logo naquela profunda serenidade alentejana que lhe transparece na voz, no à vontade com o público, na bela simplicidade das coisas bonitas e grandes, que jamais se confunde com banalidade.
Zambujo tem o alentejo na voz e o fado na alma. Da fusão destes dois mundos tão portugueses se faz a música do filho predileto de Beja.


A experiência dum concerto de Zambujo é algo de inolvidável, porque Zambujo tem simultaneamente uma música cheia de memória lusitana e de inovação, já que o cantor sabe, perfeitamente, quando deve emergir a personalidade única da sua voz, o som da guitarra portuguesa ou a ousadia marota das suas letras.
Sabe tão bem ao espírito ouvir “Modas Alentejanas” que damos por nós a entoar “fui a encontrar no jardim aquela mulher que eu amo”, que nem percebemos que já nos fundimos com a música e ela penetrou na nossa alma.
Depois há também o Zambujo que inocentemente nos convida a dar uma voltinha na sua “Lambreta”, num convite/pedido tão carinhoso e insinuante que é difícil resistir à sedução de uma música que nos conquista pela delicadeza, pela depuração sonora, pela facilidade com que mostra a simplicidade e beleza da vida.  
É difícil escolher qual a música de Zambujo que mais gosto. Entre a poesia da “Moda Alentejana”, o êxito de “Lambreta”, a ousadia de “Flagrante” e a preciosidade de “Em quatro Luas”, a escolha é muito difícil.
Como quase todos já deram uma voltinha na Lambreta do alentejano, proponho-vos a letra de Em “Quatro Luas” e a música de “Flagrante”.




“À janela corre o tempo
Na memória o esquecimento

E a vontade de ficar
Em teus braços distraídos
Entreabertos nos sentidos
Do teu corpo a meditar
O desejo que esqueci
Dorme agora ao pé de ti

No teu sonho a murmurar
Guardo a luz da tua pele
Duas rosas, vinho e mel
Quatro luas sobre o mar

Volto atrás nesta viagem
À procura da coragem

Que renasce de te ver
No regresso da saudade
 Eu encontro a felicidade
                                                                             Que por ti vou aprender”

Gabriel Vilas  Boas

domingo, 26 de abril de 2015

RESGATE, de Manuel Alegre





Daqui a alguns dias já será possível encontrar nas livrarias o mais recente livro de Manuel Alegre – Bairro Ocidental – e é lá que podemos ler este maravilhoso poema sobre a revolta do poeta português sobre os anos de submissão económica e social que ainda vivemos.
Com o poema RESGATE, Manuel Alegre reafirma o eixo fundamental da sua poesia: a intervenção social e política através da poesia.
Em «Resgate» podemos ler toda a revolta do português que se sente humilhado pela intervenção da troika e pela submissão dos governantes do seu país, incapazes de compreender o seu povo. Depois de há cinquenta anos insuflar esperança através dos seus poemas, agora, Manuel Alegre defende a dignidade do seu povo, num poema belíssimo que passo a transcrever e que vale a pena ler com muita atenção.


RESGATE
Há qualquer coisa aqui que não gostam
Da terra das pessoas ou talvez
Deles próprios
Cortam isto e aquilo e sobretudo
Cortam em nós
Culpados sem sabermos de quê
Transformados em número estatísticas
Défices de vida e de sonho
Dívida pública dívida
De alma
Há qualquer coisa em nós de que não gostam
Talvez o riso esse
Desperdício.
Trazem palavras de outra língua
E quando falam a boca não tem lábios
Trazem sermões e regras e dias sem futuro
Nós pecadores do Sul nos confessamos
Amamos a terra o vinho o sol o mar
Amamos o amor e não pedimos desculpa.
Por isso podem cortar
Punir
Tirar a música às vogais
Recrutar quem os sirva
Não podem cortar o verão
Nem o azul que mora aqui
Não podem cortar quem somos!

Manuel Alegre

sábado, 25 de abril de 2015

CRAVOS MURCHOS


Quando um povo está triste, deprimido, pobre, desorientado, a liberdade e a democracia parecem valores desbotados. Percebo perfeitamente a frustração, até porque também a sinto.
Ao fim de quatro décadas de democracia e liberdade de escolha, percebemos, finalmente, que não existe verdadeira liberdade onde existe desigualdade, injustiça, pobreza.
Clamamos contra a hipocrisia da classe política, mas fomos nós que a elegemos; acusamos os parceiros europeus de falta de solidariedade, quando entraram milhões e milhões de euros em Portugal nos últimos quarenta anos; consumimos os nossos dias em acusações estéreis e sucessivos diagnósticos e estudos, no entanto recusamos qualquer mudança substancial, na economia, na sociedade, na educação, nas mentalidades, porque somos uns medricas, porque achamos sempre mais confortável ficar um bocadinho mais pobres, mais dependentes, do que arriscar uma mudança. A mudança acontece na mesma, mas são os outros que no-la impõem.

Obviamente impuseram aquilo que mais lhes interessou. Degradaram as condições de trabalho, destruíram lentamente o sistema de saúde e educação público e universal, fizeram-nos desacreditar da democracia, de tal modo que muitos acham que com ela ou sem ela é quase a mesma coisa. A ação foi deles, mas a culpa foi nossa. E aqui chegados, não me interessa mais voltar a falar de culpa e de culpados. Interessa-me saber como saímos disto.
Em primeiro lugar com gente nova. Nova de idade e nova na função de governar, dirigir. Gente que não tenha feito carreira partidária nem pretenda ficar muito tempo em cargos públicos. Depois precisamos de uma mudança de mentalidade individual e coletiva. Antes de reclamar sobre aquilo que o país não faz por nós, afirmar aquilo que fazemos pelo país. É possível boicotar a inação, a desigualdade, a injustiça dum sistema que sempre contou com os nossos piores defeitos de carater.
Melhorar a produtividade, recusar viver de esquemas, não ter medo da mudança social e política só porque quem chega não é da nossa cor ou é inexperiente. Toda a gente já foi inexperiente e, muitas vezes, aqueles de quem não gostamos servem melhor o interesse público que os nossos amigos.
Todos os povos têm, de tempos a tempos, uma oportunidade para se reerguer. A geração que nasceu com o 25 de Abril (a minha geração) já esbanjou duas vidas. Resta-lhe uma para fazer alguma coisa de útil.  

Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 24 de abril de 2015

PAÇOS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


Esta semana a Universidade de Coimbra completou 725 anos de história. A esta universidade ligam-me laços profundos, pois estudei e formei-me nela e em Coimbra vivi momentos extraordinários que ainda hoje recordo com saudade.
Hoje escrevo sobre os Paços da Universidade mais famosa do país e um das mais antigas e  famosas da Europa.
Situada na parte alta da cidade, na zona da alcáçova, a dominar a cidade e com amplas vistas panorâmicas sobre o Mondego, os PAÇOS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, que começaram a ser construídos no século XIII, albergam hoje, para além das instalações académicas, a Biblioteca da Universidade e o Museu de Arte Sacra.
Trata-se de uma arquitetura civil, residencial, educativa e científica, na qual predominam os estilos gótico, manuelino, renascentista e maneirista, barroco, pombalino e neoclássico.



A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas universidades da Europa. Fundada em Lisboa em 1290, foi definitivamente transferida para Coimbra no século XVI, instalando-se no Paço Real. O edifício apenas passou a pertencer à universidade em 1597, data em que esta instituição o adquiriu, durante o domínio filipino, ao monarca espanhol Filipe II, I de Portugal.

A Biblioteca Joanina

Dentro do complexo, destaque para a Biblioteca Joanina, de estilo barroco, construída em 1717, no reinado de D. João V. Tem um portal nobre de estilo barroco, encimado por escudo nacional. O interior é formado por três salas comunicantes por três arcos de estrutura idêntica à do portal. As paredes são cobertas de estantes de dois andares, e madeiras exóticas, douradas e policromadas executadas por Manuel da Silva, que era o pintor régio.
A Biblioteca – que guarda um retrato evocativo de D. João V, datado de 1725 – tem cerca de 300 mil obras, dos séculos XII ao XIX, com especial incidência em áreas como o Direito, a Teologia e a Filosofia.
Uma vista da Via Latina

É ainda de notar que a capela de S. Miguel, mandada construir entre 1517-1522, tem fachada manuelina, foi remodelada nos séculos XVII e XVIII. O portal principal também é manuelino, mas a porta de acesso é já de estilo neoclássico e o retábulo principal de talha dourada é maneirista, com pinturas de Domingos Serrão e Simão Rodrigues, sobre a vida de Cristo.
Uma das salas mais famosas de toda a Universidade é a Sala dos Capelos. Já foi sala do trono e atualmente é lá que se fazem os mais importantes atos académicos, como por exemplo os doutoramentos. Data de meados do século XVII e é da autoria de António Tavares. O teto é de madeira e nele se podem ver pinturas de grotescos. Nesta sala são ainda de realçar os azulejos tipo «Tapete» e telas de reis, da autoria de Columbano e João Baptista Ribeiro.

Sublinhe-se igualmente a Torre em estilo barroco de Mafra, construída entre 1728 e 1733. Tem 34 metros de altura e um sino estridente que chamava os alunos para as aulas e por isso estes lhe chama(va)m “cabra”.
Nestes Paços da Universidade coimbrã devemos ainda destacar a Via Latina, com colunas neoclássicas, construída no século XVIII, no centro da qual existe um conjunto de esculturas executado por Laprade em 1700, ao qual se juntou o busto de D. José I e duas figuras alegóricas.
Finalmente, um último olhar sobre a Porta Férrea, entrada nobre do edifício principal da Universidade. Data de 1634, maneirista de corrente popular, o que a partir de 1570 é típico da arte de Coimbra.


quinta-feira, 23 de abril de 2015

DA ARTE, DA PINTURA, DE HENRIQUE POUSÃO (1859-1884)


Henrique Pousão nasceu em Vila Viçosa, a 1 de janeiro de 1859.Filho de magistrado, desde cedo manifestou talento e gosto pelas artes. Encorajado pelo pai, dos seus dedos hábeis ainda infantis vão surgindo retratos, paisagens, frutos, grinaldas de flores.
Em 1872,muda-se para o Porto, onde frequenta o ateliê de António José da Costa e prepara o ingresso na Academia Portuense das Belas-Artes, que o distingue com louvor em Desenho Histórico, Arquitetura Civil e Anatomia Artística. Termina o último ano de Desenho Histórico com 18 valores, obtendo igualmente altas classificações nas restantes áreas da sua formação, entre as quais, Pintura Histórica.

No exame final de Pintura Histórica pinta Dafnis e Cloé, que a Academia Portuense classifica com 18 valores. Esta é uma história de amor mítica entre dois pastores, que havia sido popularizada na época pela ópera de Offenbach (1860).Obra do naturalismo, pintada com graça e desenvoltura, em paleta clara e translúcida, foi um sucesso…É tão apreciado este quadro que é mesmo considerado digno de pertencer àquela instituição. Em 1880,vence o concurso que o haveria de levar como pensionário(bolseiro) a Paris e é admitido nos ateliês de Alexandre Cabanel e Adolphe Yvon.

 
Dafnis e Cloé,1879, óleo sobre tela, Museu Nacional de Soares dos Reis

Em 1881,é admitido na Escola de Belas Artes de Paris mas contrai uma bronquite aguda. Aconselhado pelos médicos a não passar o Inverno em Paris, viaja até Roma, onde se instala no Instituto de Santo António dos Portugueses.
Em 1882,vai para Capri, onde continua a desenvolver o seu trabalho.

As Casas Brancas de Capri, 1882, MNSR

Capri sempre atraiu gente de bom gosto e com particular apetência para as artes, como foi o caso do inglês John Singer Sargent e de Pierre-Auguste Renoir, que aí trabalharam, embevecidos por certo e perfeitamente esmagados pela beleza daquele lugar. Apesar de doente, Pousão realizou “pequenos estudos de paisagem”, mas busca sobretudo a arquitetura dos lugares, onde monta o seu cavalete e pinta pormenores de arquitetura sob o efeito daquela luz mediterrânica inconfundível, que corta e recorta as formas representadas, intensifica-as, e adensa a cor. ”O fragmento é instância obsessiva em Pousão”, que ele busca num olhar marcado talvez já pela fotografia. Visivelmente influenciado por Corot, destaco aqui sobretudo a luz com que inunda a tela e que acaricia o mar, as casas e a natureza algo agreste mas onde tudo se encontra em perfeita harmonia. Os cactos protegem de olhares indiscretos, em mestria artística incomparável. Ao fundo, a linha do mar de um azul quase cobalto, suaviza o olhar do observador.
Esta obra confirma o amor do artista pela arquitetura branca da ilha. No jornal Actualidade espelhou-se a admiração unânime dos críticos, pois esta obra foi recebida com grande entusiasmo no Porto, em Maio de 1883:
“A paisagem afoga-se num vivo sol de Setembro, que espadana do alto, escaldando as paredes brancas das construções alumiando os cactos que ressaltam, espessos, volumosos, mordidos de espinhos, dourando o terreno argiloso, enchendo tudo de um rumor de luz e vida, tão próprio dos dias em que o Verão faz as suas despedidas…”
Grande nome da primeira geração de pintores naturalistas portugueses, Pousão deixou-se marcar pelos lugares da sua breve vida, numa clara evolução, chegando como ninguém a esboços abstratos em composições sintetizadas como esta que vos deixo hoje, As Casas Brancas de Capri. Os jogos de incidência de luz e de sombra eram muito ao seu gosto e foram representados até à exaustão. Integrada na paisagem, surgem modelos infantis, como bem se observa nesta pintura, sendo que esta é outra temática recorrente na sua obra.
Podemos marcar encontro com Henrique Pousão no Museu Nacional Soares dos Reis, onde este magnífico pintor está tão bem representado e viajar com ele pelo Porto, por Paris, por Roma, por Capri, por Pompeia, através das suas obras extraordinárias, mais de duzentas, em simbiose de desenho, de pintura, de atelier, de cavalete. Definitivamente, Pousão ia a caminho da modernidade.
Volta para Portugal, já muito doente, e hospeda-se em casa do primo Manuel Matroco, onde, impossibilitado de sair de casa, pinta flores do campo. São as suas últimas obras.

Rosa Maria Alves da Fonseca



quarta-feira, 22 de abril de 2015

ENTRE O SAMBA E O FADO



Passam hoje 515 que Pedro Álvares «achou» o Brasil. De então para cá os dois povos fortaleceram laços a todos os níveis, cresceram de modo diverso e construíram uma relação que tem tanto de emotiva quanto de imperfeita.
Há um problema psicológico que ainda não está cabalmente ultrapassado. Os brasileiros detestam a ideia de terem sido descobertos pelos portugueses. Em toda a europa logo havia de lhes calhar um pai pequeno e pobre, cheio de defeitos, que envergonha qualquer filho do tamanho dum… Brasil.
Magoados no ego, os portugueses retribuem o remoque acusando o brasileiro de sofrer da síndrome de Peter Pan, achando o brasileiro demasiado informal, mais virado para o divertimento do que para o trabalho, pouco profissional. O brasileiro acha o «pai» ultrapassado, inoperante, pouco ambicioso…


Na verdade, a distância e o preconceito fizeram com que se conheçam muito mal. No entanto, e ainda que não o admitam, gostam muito um do outro e lá no fundo admiram-se!
Há quarenta anos que os portugueses vêem as telenovelas brasileiras com uma paixão de brasileiros, há décadas que acompanham a seleção canarinha e torcem por ela como se fosse a sua seleção, o Brasil continua a ser um destino de eleição para os portugueses quando viajam para o estrangeiro. Sentem-se em casa, apesar da violência que existe no Brasil, das parcas oportunidades de negócios que obtêm em solo brasileiro ou das anedotas de que são alvo entre cariocas ou paulistas.
Os brasileiros também disfarçam mal o seu fraquinho por Portugal. Portugal é muito mais que a porta de entrada na europa. Por exemplo, a universidade de Coimbra tem dois mil alunos brasileiros (10% do total da universidade), o que torna a secular universidade portuguesa o maior campus universitário brasileiro fora do Brasil.  


A elite cultural brasileira admira genuinamente os escritores portugueses e dá-lhes um lugar de destaque entre os seus curricula. São os brasileiros que melhor reconhecem a posição estratégica de Portugal na europa. Os maiores vultos da música e das artes brasileiras fazem questão de se apresentarem em Portugal, mesmo que isso não lhes traga um grande retorno económico.
Sem o notarem, Brasil e Portugal admiram aquilo que ridicularizam no outro. Os portugueses gostavam de saberem criar felicidade em cada gesto, de terem aquela alegria natural tão genuinamente brasileira enquanto alguns brasileiros gostavam de ter aquela pose séria e austera que define os europeus.
Enquanto a relação Portugal/Brasil não saía do divã de Freud o mundo evoluiu e aquilo que poderia ser uma grande parceria mundial, com evidentes ganhos para os dois povos, tornou-se apenas num projeto de grande aliança.


Cabe a esta e à próxima geração escrever novas e prósperas páginas duma história comum que não pode viver apenas de Pedro Álvares Cabral, futebol ou turismo. Há um intercâmbio empresarial por fazer, troca de Know-how, facilitação de investimentos em áreas como a ciência, medicina, investigação.

E há ainda a língua que nos une até ao âmago! Temos de ter orgulho dela. E a melhor maneira de mostrar esse orgulho é usá-la em eventos internacionais. Não ter medo que nos achem incultos ou atrasados. Sim, dominamos o inglês, o francês, o alemão, mas preferimos falar a nossa língua como os outros gostam de falar a deles. Sem vergonha nem complexos de ser quem somos!

Gabriel Vilas Boas

terça-feira, 21 de abril de 2015

METER O BEDELHO



Hoje regresso à explicação de algumas expressões curiosas da língua portuguesa. Escolhi a expressão “Meter o Bedelho” pelo seu uso frequente.
Há quem apenas conheça o uso da palavra “bedelho” pelo uso que faz desta expressão, por isso importa começar por explicar o seu significado. Trata-se de um tranca que, ao contrário do ferrolho, é colocada em posição horizontal, entre os batentes da porta ou entre os batentes e a ombreira. Em sentido figurado, nos jogos de cartas, é sinónimo de pequeno trunfo.
Ora, duas das hipóteses comummente apresentadas para justificar o emprego da locução, que remonta ao século XIX, baseiam-se nos sentidos mencionados.

Como se sabe, meter o bedelho significa intrometer-se nas conversas ou negócio alheios. Se tivermos em conta que bedelho é, no fundo, um ferrolho, metê-lo num negócio ou numa conversa é como correr a tranca que pode mudar o curso dos acontecimentos. Por outro lado, se considerarmos bedelho um trunfo, facilmente compreendemos que valer-se dele ajuda à vitória; por norma é esse o objetivo de quem se mete – colaborar para a rápida solução de um problema.
Todavia, como “de boas intenções está o diabo cheio”, muitas vezes quem mete o bedelho é pouco oportuno e só causa mais confusão. O escritor Pinheiro Chagas utiliza esta expressão em “História Alegre de Portugal”: As cortes, chamadas por D. Henrique para decidir a questão, estavam já tão pouco costumadas a meter o seu bedelho nessas questões, que disseram ao rei que decidisse como quisesse, apesar de berrar muito contra isso um português às direitas, procurador de Lisboa e que se chamava Febo Moniz.
Em italiano diz-se meter o zampino in unna faccenda;  em espanhol diz-se meter el hocico; em francês é mêlerson mot ou fourrer son nez.
Sintam-se à vontade para meter o vosso bedelho nos comentários, mas de preferência façam-no em português.
Gabriel Vilas Boas


segunda-feira, 20 de abril de 2015

ONLY TIME, ENYA


ONLY TIME é, provavelmente, a melhor canção de irlandesa Enya (Eithene Ni Bhraonáin) que desde 1980 tem construído uma carreira sólida e plena de reconhecimento público. A música serviu de banda sonora ao filme “Doce Novembro”, protagonizado por Charlize Theron e Keanu Reeves e permitiu a Enya vencer o prestigiado prémio alemão “Echo”, de 2002, depois do sucesso de vendas alcançado no ano anterior.
Tudo nesta canção é sublime! A letra, a arquitetura musical, a fusão entre texto e música, a maneira como toca os sentidos e os afetos de quem a ouve.
«Only Time» rende tributo ao Tempo como o verdadeiro mestre da vida e do amor. Relembra que não só as coisas como os sentimentos precisam de maturação.

Enya apresenta-nos um companheiro de viagem que teimamos em ignorar ou queremos apressar. Recorda-nos o seu poder, ensina-nos a virtude da paciência.
Toda a música cria muito bem a atmosfera de mistério, incerteza, ansiedade que qualquer espera implica, mas também transmite a confiança de que a resposta sempre surgirá.


A voz da cantora e a parte instrumental são elementos preciosos na criação de toda essa atmosfera zen que me faz lembrar algumas composições do grego Vangelis, sobretudo aquelas que serviram de banda sonora ao filme “Momentos de Glória”.
     Talvez seja assustador pensar que não somos senhores do curso da nossa vida, talvez seja intrigante aceitar os desígnios de algo que nos escapa, talvez detestemos viver sem respostas definitivas, talvez precisemos reaprender a viver…
            Tudo demora o seu tempo: o sucesso, o amor que parte ou o amor que chega, o caminho que a nossa vida toma… E essa demora não é negociável nem está nas nossas mãos estendê-la ou encurtá-la.
             Saber lidar com o Tempo, aprender a aceitá-lo não é apenas uma inevitabilidade, mas uma necessidade, um ato de maturidade e sabedoria.
Gabriel Vilas Boas

domingo, 19 de abril de 2015

O PROBLEMA DOS IMIGRANTES ILEGAIS NO MEDITERRÂNEO


Com a chegada da primavera, começa a época dos cruzeiros no mediterrâneo, prometendo fantásticas viagens por Veneza, Roma, Atenas, Barcelona, Istambul ou pelas ilhas gregas. No mesmo mar milhares de migrantes continuam a tentar chegar à europa em pequenos botes que muitas vezes se transformam em urnas coletivas, que depositam os deserdados de África no fundo do mar glamouroso.
É um problema muito grave, dado que só no ano passado morreram mais de 3400 migrantes por afogamento e em 2015 a contagem já vai em impressionantes 900 pessoas.
Durante esta madrugada um navio com 700 imigrantes ilegais, saídos da Líbia com destino a Itália, naufragou no mar Mediterrâneo, depois de se afastar apenas 27 milhas da costa líbia. A esta hora contam-se os mortos e os sobreviventes, num processo longo e doloroso.


Que resposta deram os governos europeus a este problema? Choraram lágrimas de crocodilo, mandaram flores no funeral e resolveram reduzir os meios de busca e salvamento. A atitude daqueles que nos dias de hoje governam a europa é desumana e hipócrita, mas não me surpreende. O que me espanta é a indiferença da comunidade internacional, especialmente a europeia, que não exige de quem a governa medidas firmes e eficazes para que todos os anos não afundem titanics de cidadãos africanos em botes que lhes prometem a morte.
O Super Mário que a tecnocracia europeia pôs em Bruxelas não se lembrará daquilo que os seus olhos viram em Lampedusa há uns anos? É importante e urgente que a europa tome medidas sobre o problema dos migrantes no mediterrâneo. Quantas pessoas tem capacidade para acolher de maneira condigna? Há que ter coragem para definir esse número e depois agir em conformidade, acompanhando a montante e a jusante o problema.



O problema está em África, donde estas pessoas saem desesperadas em busca duma vida melhor. Se a europa não tem capacidade de acolhimento, então deve prover ajuda humanitária a essa gente nos locais de origem, envolvendo ou não as autoridades locais. Na ONU gostam muito de discutir intervenções militares para salvaguardar a paz; em Bruxelas adoram fazer planos e projetos de pormenor para salvar bancos e fundos das bebedeiras de jogo em que se meteram. Será que podiam arranjar um tempinho para prover a um problema das pessoas que fogem do seu país, quase a nado, porque a fome as ameaça?

Não há soluções perfeitas nem milagrosas, bem sei! Todavia é possível ter uma política coerente, determinada e humana. É isso que faz a Suíça ou o Canadá.
Entretanto, os paquetes intensificam o tráfego no mediterrâneo. Talvez algum ministro holandês ou austríaco cruze o olhar com um bote cheio de gente a caminho da liberdade e do pão ou da morte! Talvez se lembre que são gente como ele, talvez essa imagem permaneça na sua memória quando regressar a casa ou a Bruxelas, talvez…
Tenho muito receio que a Humanidade morra um dia destes afogada no mediterrâneo e que uns sujeitos que outrora se diziam humanos avistem tudo do varandim dum dos cruzeiros da Royal Caribbean.


Gabriel Vilas Boas