Há semanas falei-vos de
um dos mais importantes museus da Europa, os Museus Reais das Belas-Artes, em
Bruxelas. No museu de Arte Antiga, podemos ver in loco o quadro que vos proponho
hoje: A Queda de Ícaro, de Pieter Brueghel, o Velho.
Este extraordinário
pintor flamengo do século XVI (1525-1569) converteu frequentemente a Natureza e
as cenas do quotidiano como motivos principais da sua obra.
Atentemos então no
quadro.
Esta obra representa um
episódio das “Metamorfoses” de Ovídio, fonte iconográfica muito comum nos
séculos XVI e XVII.
Ícaro é filho de
Dédalo, um artista ateniense que se tinha formado com a deusa Atenas. Contudo,
o seu sobrinho, Talos, inventor do compasso e da roda do oleiro, superava-o.
Ciumento, Dédalo atirou-o do telhado de Ateneia e matou-o, tendo sido exilado
em Creta. Aqui teve Ícaro, fruto duma relação com uma jovem escrava.
Depois de Teseu ter
matado o Minotauro, Minos fechou Dédalo e Ícaro no labirinto. A única maneira de
fugir era por via aérea, de modo que Dédalo construiu dois pares de asas com
penas e cera. Preveniu Ícaro que não se podia aproximar muito do sol nem do
mar, mas perante o entusiasmo do voo, Ícaro esqueceu os conselhos do pai e voou tão alto que o sol derreteu as suas asas e caiu no oceano onde morreu.
Sempre obcecado pelo
drama humano, Brueghel interpretou a história de Ovídio sob o símbolo da
indiferença humana, que ele pensava ser universal. Enquanto as pernas Ícaro se
veem na água, as pessoas passam ao lado sem prestar atenção à sua morte. E esta
indiferença nada tinha que ver com um possível estatuto social. No quadro vemos
como o lavrador e pastor ignoram a catástrofe que está a ocorrer atrás de si.
No entanto, outros
estudiosos da obra de Brueghel afirmam que o mestre flamengo quer que o
observador repare no pastor e no lavrador e não na queda de Ícaro e por isso o
coloca num canto do seu quadro.
Segundo estas teorias interpretativas, talvez
Brueghel quisesse afirmar a primazia dos costumes populares, da vida quotidiana
face aos temas mitológicos gregos. E era sabido como Pieter Brueghel, o Velho,
gostava de pintar a realidade humana quotidiana e a beleza da paisagem nos seus quadros.Há ainda aqueles que
chamam a atenção para a perspectiva usada por Brueghel: a cena vista de cima,
sugerindo que poderia ser a visão de Dédalo, observando impotente a queda do
filho e o seu mergulho fatal. Neste caso, estaríamos perante uma imagem do
desespero de um pai frente à arrogância do filho, que paga com a vida a
desobediência aos conselhos paternos.
Gabriel Vilas Boas
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