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sábado, 26 de dezembro de 2015

CALHOU-ME A FAVA



Costumava sair-me a fava, mas eu gostava…
A tradição do bolo-rei já não é o que era. É certo que a massa continua a certa feita das mesmas coisas: farinha, ovos e açúcar. A versão original continua a levar frutas cristalizadas, passas e frutos secos, mas algumas “coisas” se perderam com a modernidade: o buraco ao meio do bolo deixou de ser feito com o cotovelo do pasteleiro e, por imposição da União Europeia e excessivo zelo da ASAE, deixou de haver fava mas também de haver brinde. Por isso já não me calha a fava, como era tradição nos Natais da minha infância. Acabaram com o brinde antes de ter experimentado o doce sabor da fortuna.

A expressão “calhou-me a fava” significa que ficamos com a pior parte de alguma coisa e vai buscar as suas origens a esta tradição de Natal: cortar uma fatia do bolo-rei e encontrar nela uma fava. Quem tivesse “essa sorte” teria de comprar o bolo-rei do Natal seguinte. Por outro lado, quem recebesse o brinde ficava com o objeto (normalmente de metal), que muitas vezes tinha a forma de uma animal e era considerado pessoa com sorte.
As entidades reguladoras consideraram que esta tradição podia colocar em risco a saúde e a integridade dos dentes dos consumidores e proibiu que se inserisse brindes no bolo-rei. Ora, o povo decidiu que se não havia brinde, também não haveria fava, porque não gostou nada que o mandassem à fava daquela maneira.
Quando a medida foi tomada, em Portugal, causou grande polémica e muitas vozes se levantaram contra tal proibição, de tal maneira que a ASAE se viu obrigado a emitir um esclarecimento: “É permitida a comercialização de géneros alimentícios com misturas indiretas de brindes, desde que estes se distingam claramente do alimento pela sua cor, tamanho, consistência e apresentação, ou seja, concebido de forma que não cause riscos no ato de manuseamento ou ingestão, à saúde ou segurança do consumidor, nomeadamente asfixia, envenenamento, perfuração ou obstrução do aparelho digestivo.”   

 E assim se dá cabo de uma tradição que pode ter dois mil anos. Reza a lenda que o bolo representa os presentes que os três reis magos deram ao menino Jesus quando nasceu: a côdea era o ouro, os aromas o incenso e as frutas a mirra. A introdução da fava terá nascido quando Gaspar, Baltazar e Belchior viram a estrela que anunciava o nascimento de Jesus Cristo e disputaram entre si qual dos três seria o primeiro a dar o presente. Um padeiro fez então um bolo onde escondeu uma fava, e o Rei Mago que ficasse com a fatia que tinha a fava seria o primeiro a entregar a sua oferenda ao Menino. Ou – nos tempos mais moderno – o próximo a oferecer um bolo-rei.

           As favas já foram usadas também como votos e, durante o tempo dos romanos, as crianças usavam as favas, durante as brincadeiras, para escolher o rei da festa. A mesma prática terá sido usada pelos adultos, durante os banquetes das Saturnais. 

Este festival romano em honra do deus Saturno acontecia em Dezembro e foi depois absorvido pelas comemorações de Natal até ao dia 6 de Janeiro. Ora, no dia de Reis, também manda a tradição que se coma… bolo-rei e em Espanha é nesta altura que se trocam presentes entre familiares e amigos.
Quanto à receita do bolo-rei, é francesa e remonta ao tempo do rei Luís XIV, sendo depois exportada para diversos países. Em Portugal, o doce começou por ser vendido pela Confeitaria Nacional, em Lisboa, em 1870. Dada a sua ligação ao rei Luís XIV e a França, o bolo-rei chegou a ser proibido com a Revolução Francesa e quase desapareceu com a República por causa da palavra «rei». Ainda lhe tentaram de mudar de nome e chamar-lhe «bolo Arriaga», mas a tradição manteve-se.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

DAR-LHE UM AMOK


O que significa esta expressão? Algo parecido com “Passar-se da marmita”, mas se calhar ficamos na mesma.
Amok é uma síndrome (conjunto de sinais e sintomas que caracterizam determinada condição ou doença) psiquiátrica, que consiste numa súbita e espontânea explosão de raiva numa pessoa.

O nome surgiu a partir do termo malaio “meng-âmok”, que significa «atacar e matar com ira cega», e referia-se a uma forma de loucura passageira, em que uma pessoa mata outros indivíduos. Os malaios, assim como os indonésios, relacionavam o termo e o comportamento com questões espirituais. Acreditavam que o amok era provocado pelo espírito mau de um tigre que entrava no corpo de alguém e provocava a reação agressiva.

A palavra está associada a um fenómeno ancestral e sociocultural da Malásia: uma pessoa, quase sempre homem, sem historial de violência, agarra numa arma, tenta matar várias pessoas e depois comete suicídio. Já em 1770, o explorador James Cook descreveu casos semelhantes deste comportamento violento de pessoas malaias que, segundo os seus relatos, matavam pessoas um pouco à sorte.

Entre os vários psiquiatras que aplicam o termo amok a atitudes explosivas e violentas, está o psiquiatra americano Joseph Westermeyer. O clínico usou o termo para se referir a um ataque no Laos, em 1972, como um exemplo desta síndrome, que está classificada oficialmente como condição psiquiátrica desde 1849.
Os contornos de um ataque destes são muito semelhantes aos dos massacres contemporâneos, se pensarmos, por exemplo, nos casos de jovens ou adultos que entram armados em escolas e disparam indiscriminadamente. O massacre no liceu de Columbe, nos EUA, em 1999, é um dos mais conhecidos.

No entanto, o significado violento da palavra amok foi sendo amenizado ao longo dos anos. Hoje em dia, usamos a expressão para nos referimos a alguém que teve uma reação mais intempestiva, imprevisível, ou a uma situação de confusão. Todavia sem a carga dramática e trágica que ela tem sobre o seu sentido original.

terça-feira, 21 de abril de 2015

METER O BEDELHO



Hoje regresso à explicação de algumas expressões curiosas da língua portuguesa. Escolhi a expressão “Meter o Bedelho” pelo seu uso frequente.
Há quem apenas conheça o uso da palavra “bedelho” pelo uso que faz desta expressão, por isso importa começar por explicar o seu significado. Trata-se de um tranca que, ao contrário do ferrolho, é colocada em posição horizontal, entre os batentes da porta ou entre os batentes e a ombreira. Em sentido figurado, nos jogos de cartas, é sinónimo de pequeno trunfo.
Ora, duas das hipóteses comummente apresentadas para justificar o emprego da locução, que remonta ao século XIX, baseiam-se nos sentidos mencionados.

Como se sabe, meter o bedelho significa intrometer-se nas conversas ou negócio alheios. Se tivermos em conta que bedelho é, no fundo, um ferrolho, metê-lo num negócio ou numa conversa é como correr a tranca que pode mudar o curso dos acontecimentos. Por outro lado, se considerarmos bedelho um trunfo, facilmente compreendemos que valer-se dele ajuda à vitória; por norma é esse o objetivo de quem se mete – colaborar para a rápida solução de um problema.
Todavia, como “de boas intenções está o diabo cheio”, muitas vezes quem mete o bedelho é pouco oportuno e só causa mais confusão. O escritor Pinheiro Chagas utiliza esta expressão em “História Alegre de Portugal”: As cortes, chamadas por D. Henrique para decidir a questão, estavam já tão pouco costumadas a meter o seu bedelho nessas questões, que disseram ao rei que decidisse como quisesse, apesar de berrar muito contra isso um português às direitas, procurador de Lisboa e que se chamava Febo Moniz.
Em italiano diz-se meter o zampino in unna faccenda;  em espanhol diz-se meter el hocico; em francês é mêlerson mot ou fourrer son nez.
Sintam-se à vontade para meter o vosso bedelho nos comentários, mas de preferência façam-no em português.
Gabriel Vilas Boas


quarta-feira, 18 de março de 2015

ESPERTEZA SALOIA


Hoje volto a olhar para a nossa língua e a dedicar alguma atenção a expressões que usamos com frequência e cuja origem e significado preciso podemos não dominar perfeitamente.
 Selecionei a expressão “esperteza saloia”.
Comecemos por refletir sobre as palavras que a constituem. Esperteza é um substantivo formado a partir do adjetivo «expertus», que em latim clássico significa “experimentado”, mas em latim medieval ganha a designação de “acordado”. Uma pessoa “esperta” é aquela que, por não estar nem com sono nem a dormir, se apercebe de tudo o que se passa à sua volta. Em português, a palavra acabou por assumir o sentido figurado de inteligente, perspicaz, arguto, mas também o sentido pejorativo de ladino, finório. (Afinal, o povo sempre vai tendo a sua razão quando diz: “quem muito dorme pouco aprende”).
Ora, tudo isto em relação a «esperteza», atestada desde o século XVIII, que tanto pode equivaler a ação de alguém inteligente como à de algum finório que só quer passar a perna ao outro. Já para a palavra «saloio» são apontadas duas hipóteses justificativas da sua origem: uns defendem que vem do nome do primeiro patriarca hebreu, Salé, filho de Arfaxad e pai de Heber; outros dizem que a palavra surgiu após a conquista de Lisboa aos mouros, em 1147: do mesmo modo que por essa altura nasceram as judiarias, para isolar os judeus, também os mouros foram confinados às mourarias. Como estes fazem orações que se denominam de çala ou salab, passaram a ser chamados saloios.

Com o tempo, saloio tornou-se designação dos habitantes dos arredores de Lisboa, que, há muito tempo atrás, eram, exclusivamente, aldeões. O termo acabou por dar nome a um tipo de trigo produzido nas cercanias de Lisboa, e por se tornar sinónimo de individuo rústico, isto é, que desconhece normas de comportamento e etiqueta, que não tem bom gosto ou que age de forma manhosa e velhaca. É este último sentido que está subjacente à expressão esperteza saloia.   
Os aldeões, sabendo não ter grande instrução, temiam ser enganados pelos da cidade, sobretudo pelos “alfacinhas”. Ainda hoje há programas de televisão que retratam essa disputa, pondo em cena lisboetas cheios de bazófia e alentejanos, por exemplo. Por isso, os saloios recorriam sempre a diversas artimanhas para enganar os seus parceiros nos negócios (ou pelo menos para não serem enganados). Mas, como estas manobras eram tão simples, tão ingénuas, facilmente acabavam desmascaradas.

Usa-se como sinónimo de esperteza saloia a expressão “esperteza de rato”, pois o roedor corre, corre, mas não consegue fugir à ratoeira nem ao gato.