Hoje volto a olhar para
a nossa língua e a dedicar alguma atenção a expressões que usamos com
frequência e cuja origem e significado preciso podemos não dominar
perfeitamente.
Selecionei a expressão “esperteza saloia”.
Comecemos por refletir
sobre as palavras que a constituem. Esperteza é um substantivo formado a partir
do adjetivo «expertus», que em latim clássico significa “experimentado”, mas em
latim medieval ganha a designação de “acordado”. Uma pessoa “esperta” é aquela
que, por não estar nem com sono nem a dormir, se apercebe de tudo o que se
passa à sua volta. Em português, a palavra acabou por assumir o sentido
figurado de inteligente, perspicaz,
arguto, mas também o sentido pejorativo de ladino, finório. (Afinal, o povo sempre vai tendo a sua razão
quando diz: “quem muito dorme pouco aprende”).
Ora, tudo isto em
relação a «esperteza», atestada desde o século XVIII, que tanto pode equivaler
a ação de alguém inteligente como à de algum finório que só quer passar a perna
ao outro. Já para a palavra «saloio» são apontadas duas hipóteses
justificativas da sua origem: uns defendem que vem do nome do primeiro
patriarca hebreu, Salé, filho de Arfaxad e pai de Heber; outros dizem que a
palavra surgiu após a conquista de Lisboa aos mouros, em 1147: do mesmo modo
que por essa altura nasceram as judiarias, para isolar os judeus, também os
mouros foram confinados às mourarias. Como estes fazem orações que se denominam
de çala ou salab, passaram a ser chamados saloios.
Com o tempo, saloio tornou-se designação dos
habitantes dos arredores de Lisboa, que, há muito tempo atrás, eram, exclusivamente,
aldeões. O termo acabou por dar nome
a um tipo de trigo produzido nas cercanias de Lisboa, e por se tornar sinónimo de individuo rústico,
isto é, que desconhece normas de comportamento e etiqueta, que não tem bom
gosto ou que age de forma manhosa e velhaca. É este último sentido que está
subjacente à expressão esperteza saloia.
Os aldeões, sabendo não
ter grande instrução, temiam ser enganados pelos da cidade, sobretudo pelos “alfacinhas”.
Ainda hoje há programas de televisão que retratam essa disputa, pondo em cena
lisboetas cheios de bazófia e alentejanos, por exemplo. Por isso, os saloios
recorriam sempre a diversas artimanhas para enganar os seus parceiros nos
negócios (ou pelo menos para não serem enganados). Mas, como estas manobras eram
tão simples, tão ingénuas, facilmente acabavam desmascaradas.
Usa-se como sinónimo de
esperteza
saloia a expressão “esperteza de rato”, pois o roedor corre, corre, mas
não consegue fugir à ratoeira nem ao gato.
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