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terça-feira, 24 de março de 2015

HERBERTO HELDER


É um dia triste sempre que um poeta parte para sempre. Com ele leva a arte de dizer aquilo que sentimos, a chave que nos abria, o mapa da nossa ilha da felicidade.
Herberto Hélder escreveu poesia toda a vida. Versos longos, muitas vezes sem rima nem ritmo entendíveis a olho nu, mas quase sempre inquietantes.
Os seus poemas olhavam a vida, as emoções, os pensamentos como um desafio. Havia que explorá-los, interrogá-los, experimentá-los com os olhos das palavras, das construções poéticas, do ritmo. E Herberto Hélder teve a paciência e a sabedoria necessárias para construir poemas onde a beleza encontrava frequentemente a inteligência e as duas ficavam longas palavras a conversas na folha de papel.

Como escrevi há três dias, faz um bem extraordinário à alma ler um pouco de poesia todos dia. O pretexto não é o melhor, mas a poesia é superlativa.
Fica bem, fiquem com Herberto Helder.



Não sei como dizer-te que a minha voz te procura

e a atenção começa a florir, quando sucede a noite

esplêndida e casta.

Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos

se enchem de um brilho precioso

e tu estremeces como um pensamento chegado.

Quando iniciado o campo,

o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante,

e na terra crescida os homens entoam a vindima,

– eu não sei como dizer-te que cem ideias,

dentro de mim, te procuram.



Quando as folhas da melancolia

arrefecem com astros ao lado do espaço

o coração é uma semente inventada

em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,

tu arrebatas os caminhos da minha solidão

como se toda a minha casa ardesse pousada na noite. 




– E então não sei o que dizer

junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas

que às vezes caem no meio do tempo, –

não sei como dizer-te que a pureza,

dentro de mim, te procura.




Durante a primavera inteira

aprendo os trevos, a água sobrenatural,

o leve e abstracto correr do espaço

– e penso que vou dizer algo cheio de razão,

mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega dos meus lábios,

sinto que me falta um girassol, uma pedra, uma ave –

qualquer coisa extraordinária.

Porque não sei como dizer-te sem milagres

que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança,

a água, o deus, o leite, a mãe, o amor,



que te procuram.

Herberto Hélder

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