Quando reflito sobre os Óscares deste ano, deteto uma enorme lacuna: a ausência de um grande realizador, entre os premiados. E nem de propósito, hoje, enquanto lia o jornal, tropeço numa triste efeméride: faz hoje dezasseis anos que desapareceu do mundo dos vivos Stanley Kubrick.
Kubrick foi um realizador extraordinário, perfecionista, meticuloso, exigente, preocupado em apresentar filmes que não ficassem por uma abordagem óbvia de temas profundos como as relações humanas, a sexualidade, a violência ou a guerra do Vietname.
Dos setenta anos que viveu, Kubrick dedicou cinquenta ao cinema. Não filmou muito, mas produziu sempre com muita qualidade, como o comprovam as treze nomeações para Óscares que lhe foram atribuídas, ainda que a Academia só lhe tenha concedido por uma vez o Ósscar, em 1968, pelos efeitos especiais no filme “2001: Odisseia no Espaço”. O filme merecia mais, pois foi muito bem recebido pelo público, que jamais esqueceu aquela banda sonora de que faziam parte as extraordinárias músicas “Danúbio Azul” de Johann Strauss II e “Assim falava Zaratustra” de Richard Strauss.
A carreira de Kubrick, enquanto cineasta, começou a ganhar fôlego no início dos anos sessenta do século XX, com o clássico “Spartacus”, onde dirigiu Kirk Douglas. A partir desse filme, as suas obras ganharam o valor de peças preciosas do cinema mundial.
“Lolita” (1962) foi uma versão ousada, para a época, sobre as relações sexuais de uma adolescente. “Doutor Estranhoamor” (1964) constitui uma das primeiras críticas (e das mais bem conseguidas) à corrida ao armamento nuclear.
O pioneirismo dos temas ou a originalidade da forma como eram abordados atingiu o cume na carreira de Kubrick com o já citado “2001: Odisseia no Espaço”, 1968 e “Laranja Mecânica”, 1971. O primeiro integra o pequeno lote das obras-primas de ficção científica, o segundo apresenta uma visão brutal de um futuro bem próximo, onde a violência assume papel preponderante. Há quarenta anos, Kubrick causou escândalo com este filme e chegou a ser acusado de incitar à barbárie, mas as décadas seguintes apenas deram razão ao visionário realizador americano.
Em 1975, Stanley Kubrick realizou “Barry Lyndon”, considerado, por alguns, o mais bonito trabalho do cineasta, apesar do filme se ter revelado um fiasco financeiro. No entanto, o sucesso retornou em 1980, com The Shining” – um dos filmes de suspense e terror mais bem conseguidos de sempre.
Cena de "Barry Lyndon"
Kubrick estava mais versátil do que nunca, mas também mais perfecionista e por isso os seus intervalos de realização eram maiores. Novo filme só acontece em 1987, quando apresenta a sua visão sobre um dos temas mais dissecados dos anos oitenta – a traumática guerra do Vietname – na película “”Nascido Para Matar”.
Seguir-se-ia o longo interregno duma década até que Stanley Kubrick lançou mão do último projeto que lhe ocupou a vida, literalmente, até aos últimos dias: “Eyes Wide Shut”, 1999. Durante dois anos, Kubrick trabalhou aturadamente com o iconográfico casal Nicole Kidman e Tom Cruise, a história dum médico nova-iorquino (Bill Harford), que, na véspera de Natal, decide partir em busca duma aventura sexual, depois da sua esposa ter admitido ter sentido desejo por outro homem. O filme recebeu críticas muito favoráveis e teve grande acolhimento por parte do público. E havia razões para tal: Nicole Kidman e Tom Cruise transportaram para a tela uma intimidade total e Kubrick assinou mais um impressionante estudo da psique humana, tendo por base o fascinante mundo das relações íntimas entre um homem e uma mulher.
Gabriel Vilas Boas
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