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segunda-feira, 9 de março de 2015

AO SOM DE... OLHOS DE ONDA, DE ADRIANA CALCANHOTTO


Esguia, solene, senhorial, bela – foi assim que Adriana Calcanhotto entrou no palco, do Theatro Circo, em Braga, na noite do passado sábado para apresentar ao público bracarense o álbum “Olhos de Onda”.
“Olhos de Onda” é um recital de poesia. Cada canção perfura a nossa alma como um bisturi que ora magoa ora acaricia e muitas vezes inquieta. São mais de vinte canções, onde uma Adriana madura, quase filósofa da vida e do amor, se expõe e nos expõe com uma voz docemente triste.
Apesar da maneira espirituosa como explicava e introduzia as suas canções, Adriana tinha ainda a alma dilacerada pela recente morte da sua companheira – Suzana de Moraes – e, talvez em razão disso, tenha produzido uma performance muito boa. Depois do belíssimo tema “O Nome da Cidade”, o público encontrou recordações em “Inverno”, com aquele lindo começou: no dia em que eu fui mais feliz / eu vi um avião / se espelhar no seu olhar até sumir.



De seguida, a brasileira foi apresentando Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Arnaldo Antunes, onde ela foi buscar o sumo para as suas canções.
A música que dá o nome ao álbum – Olhos de Onda – marcou um ponto de viragem no concerto. Gosto especialmente do começo:

“Ela parece comigo
nalgumas coisa doidas
Naquilo que crê não deixar transparecer
Ela parece comigo numas
pequenas coisas”

Com o público já completamente rendido à sua poesia, à sua voz, sentindo a dor e saudade que lhe corria na alma, Adriana entra no templo das grandes canções e do amor com “Me Dê Motivo” – um clássico de Sullivan e Massadas

“Mê de motivo pra ir embora

Estou vendo a hora de te perder
Mê de motivo, vai ser agora
Estou indo embora, o que fazer?
Estou indo embora, não faz sentido
Ficar contigo, melhor assim
E é nessa hora que o homem chora
A dor é forte demais pra mim”




Estava lançado o mote para recuperar o grande êxito “Devolva-me” que o público sussurrou ao ouvida da cantora, numa cumplicidade terna e doce que o técnico de luz soube engrandecer ao fazer sobressair o maravilhoso lustre do teto do Theatro Circo. Adriana avançou, então, decidida para “Maldito Rádio”, música já me havia conquistado, há dois anos na Casa da Música.
O concerto atingiria o seu clímax no único momento em que Adriana Calcanhotto engatou uma música noutra:
Aconteceu com “Cantada – Depois de ter você” / “Vambora”.




“Depois de ter você, poetas para quê?

Os deuses, as dúvidas,
Para que amendoeiras pelas ruas?
Para que servem as ruas?
Depois de ter você.”

“Entre por essa porta agora

E diga que me adora
Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva


Adriana deixou para o fim “Metade” e, sobretudo “Maresia”- talvez para nos lembrar algo parecido com isto:

Eu perco as chaves de casa
Eu perco o freio

Estou em milhares de cacos
Eu estou ao meio
Onde será
Que você está agora?


O público exigiu o seu regresso e a brasileira fez-lhe a vontade. Duas vezes; a última das quais para tocar “Fico Assim Sem Você”. Por momentos Adriana voltou a ser a Partimpim, cujo límpido sorriso da alma se expressava na graciosidade dum corpo belo e feliz.

Voltei a fitar o seu olhar. Havia gratidão e satisfação. Talvez também ela sentisse que a música e a poesia são uma espécie de redenção das mágoas da vida.

Gabriel Vilas Boas


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