Esguia, solene, senhorial, bela – foi assim que Adriana Calcanhotto entrou no palco, do Theatro Circo, em Braga, na noite do passado sábado para apresentar ao público bracarense o álbum “Olhos de Onda”.
“Olhos de Onda” é um recital de poesia. Cada canção perfura a nossa alma como um bisturi que ora magoa ora acaricia e muitas vezes inquieta. São mais de vinte canções, onde uma Adriana madura, quase filósofa da vida e do amor, se expõe e nos expõe com uma voz docemente triste.
Apesar da maneira espirituosa como explicava e introduzia as suas canções, Adriana tinha ainda a alma dilacerada pela recente morte da sua companheira – Suzana de Moraes – e, talvez em razão disso, tenha produzido uma performance muito boa. Depois do belíssimo tema “O Nome da Cidade”, o público encontrou recordações em “Inverno”, com aquele lindo começou: no dia em que eu fui mais feliz / eu vi um avião / se espelhar no seu olhar até sumir.
De seguida, a brasileira foi apresentando Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Arnaldo Antunes, onde ela foi buscar o sumo para as suas canções.
A música que dá o nome ao álbum – Olhos de Onda – marcou um ponto de viragem no concerto. Gosto especialmente do começo:
“Ela parece comigo
nalgumas coisa doidas
Naquilo que crê não deixar transparecer
Ela parece comigo numas
pequenas coisas”
nalgumas coisa doidas
Naquilo que crê não deixar transparecer
Ela parece comigo numas
pequenas coisas”
Com o público já completamente rendido à sua poesia, à sua voz, sentindo a dor e saudade que lhe corria na alma, Adriana entra no templo das grandes canções e do amor com “Me Dê Motivo” – um clássico de Sullivan e Massadas
“Mê de motivo pra ir embora
Estou vendo a hora de te perder
Mê de motivo, vai ser agora
Estou indo embora, o que fazer?
Estou indo embora, não faz sentido
Ficar contigo, melhor assim
E é nessa hora que o homem chora
A dor é forte demais pra mim”
Estava lançado o mote para recuperar o grande êxito “Devolva-me” que o público sussurrou ao ouvida da cantora, numa cumplicidade terna e doce que o técnico de luz soube engrandecer ao fazer sobressair o maravilhoso lustre do teto do Theatro Circo. Adriana avançou, então, decidida para “Maldito Rádio”, música já me havia conquistado, há dois anos na Casa da Música.
O concerto atingiria o seu clímax no único momento em que Adriana Calcanhotto engatou uma música noutra:
Aconteceu com “Cantada – Depois de ter você” / “Vambora”.
“Depois de ter você, poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas,
Para que amendoeiras pelas ruas?
Para que servem as ruas?
Depois de ter você.”
“Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva”
Adriana deixou para o fim “Metade” e, sobretudo “Maresia”- talvez para nos lembrar algo parecido com isto:
Eu perco as chaves de casa
Eu perco o freio
Estou em milhares de cacos
Eu estou ao meio
Onde será
Que você está agora?
O público exigiu o seu regresso e a brasileira fez-lhe a vontade. Duas vezes; a última das quais para tocar “Fico Assim Sem Você”. Por momentos Adriana voltou a ser a Partimpim, cujo límpido sorriso da alma se expressava na graciosidade dum corpo belo e feliz.
Voltei a fitar o seu olhar. Havia gratidão e satisfação. Talvez também ela sentisse que a música e a poesia são uma espécie de redenção das mágoas da vida.
Gabriel Vilas Boas
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