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domingo, 30 de novembro de 2014

BANCO ALIMENTAR CONTRA A FOME



O Banco Alimentar contra a Fome é das projetos mais luminosos, úteis e humanitários que existem em Portugal. Trata-se duma ideia que procura e consegue dar forma aos valores mais básicos do ser humano: solidariedade, partilha e dádiva.
E são poucos os projetos com esta dimensão e utilidade, onde podemos expressar, dum modo simples e eficaz, a nossa cidadania, humanidade e dignidade.
Interessam-me poucas polémicas acerca das infelizes palavras que Isabel Jonet proferiu no passado, porque isso não é o essencial. Relevante é pôr em prática uma ideia de ajuda ao próximo que nos enobrece e nos faz melhores pessoas.


Devemos contribuir na medida das nossas possibilidades, sem pensar em quem ajudamos nem fazer juízos de valor sobre as circunstâncias que ditaram estas condições de extrema necessidade em que vivem mais de quatrocentos mil portugueses.
Fico muito satisfeito ao ver que a dimensão da solidariedade do povo português acompanha as necessidades. Mais de quarenta mil voluntários estiveram envolvidos, neste fim-de-semana, numa ação de recolha de alimentos em cerca de duas mil lojas espalhadas pelo país. Estes números impressionantes dão-nos a real dimensão da carência económica em que vivem os nossos compatriotas.


É de fome que falamos! Pessoas que não têm qualquer rendimento para fazer uma/duas refeições diárias. Muitas delas juntam a isto outras necessidades: alojamento, vestuário, cuidados básicos de higiene…
O Banco Alimentar Contra a Fome faz coisas simples mas muito importantes. Recolhe as dádivas e distribui-as. Os voluntários fornecem o seu tempo e o seu sorriso, cada um dá o que entende, muitos milhares agradecem.
Nesta altura do ano é mais fácil contribuir, pois a aproximação do Natal enobrece os nossos sentimentos como se houvesse um calendário solidário. É um conceito que temos que contrariar. A solidariedade deve estender-se por todo o ano, pois ela está sempre a ser precisa. Não precisamos de nos preocupar com o putativo merecimento das pessoas que beneficiam desta ajuda. As diversas instituições de solidariedade social estão mais do que habilitadas para avaliar a situação. Haverá todo o ano muita comida que sobra, muito roupa que deixamos de gostar, muito material encostado nas arrecadações que preencheria as necessidades de muitos homens e mulheres que hoje se acolhem num vão de escada e não sabem o que é um banho quente há vários dias.



Sei que chegamos a este estado social porque o Estado que nos governa perdeu o sentido do essencial. Hoje, amanhã ou noutro dia qualquer compete-nos alimentar a luz trémula dum futuro coletivo bem mais risonho.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 29 de novembro de 2014

O PALÁCIO DE MATEUS



Quem é apreciador de arquitetura Barroca e de belos jardins não pode deixar de conhecer o Palácio de Mateus. Este palácio situa-se em Vila Real e  foi construído no século XVIII.  O conhecido arquiteto Nicolau Nasoni (o mesmo que projetou a Torre dos Clérigos no Porto) foi responsável pela fachada.
No passado, o palácio tinha funções residenciais, mas agora é uma quinta com exploração agrícola e é também aproveitado para a realização de vários eventos culturais.


O estilo arquitetónico dominante é o barroco. Aliás, é classificado com um dos maiores exemplares da arquitetura barroca civil em Portugal, o que pode comprovado pela sua axialidade e simetria, com os frontões interrompidos e as escadarias duplas.
A planta é composta em U, com volumes articulados e coberturas diferenciadas em telhado de quatro águas. O edifício tem dois pisos e é intersetado ao meio por um corpo, destinado ao hall nobre de entrada, donde parte um pátio interior, de planta quadrada, e um outro pátio de entrada também em U.
A fechar o pátio de entrada encontra-se um murete, suporte duma balaustrada onde se apoiam seis pináculos de granito.


Se o visitante abordar o palácio pela sua fachada principal verá, sobre as aberturas do primeiro piso, frontões triangulares simples, como os que percorrem as extensas fachadas laterais.
Já no interior do pátio de entrada, vemos que os vãos do mesmo piso possuem frontões ondulados interrompidos. Sobre os telhados, assentes em cornijas de granito, apoiam-se altos pináculos.
Também no pátio interior se desenvolvem duas escadarias duplas em duas fachadas opostas. Pelo arco localizado debaixo do patamar de acesso ao andar nobre da escadaria encontra-se ligação entre estes dois pátios. De seguida, dá-se acesso ao jardim.

Os jardins são o glamour do Palácio de S. Mateus. Adoro especialmente o jardim de Bucho, com desenhos de Paul Bensliman. Aqueles desenhos simétricos pedem quer os percorramos com gosto ou que repousemos longamente olhar. Se gostarmos de aventura e mistério, é melhor procurar o famoso túnel dos cedros, plantado há mais de cinquenta anos por D. Francisco de Albuquerque. Do lado de fora três tanques de água, desenhados por António Lino, criam uma atmosfera refrescante e melodiosa.




A água é um elemento fundamental dos Jardins da Casa de Mateus. Além dos tanques (mandados construir por D. Leonor de Portugal no século XVIII), temos o Lago, construído pela mesma altura do túnel de cedros, a refletir toda a imponência da casa de Mateus. Há mais de trinta anos, dorme neste belo lago uma lindíssima escultura de João Cutileiro.


Mas voltemos ao edifício. Agora para entrar na  capela, ainda que não necessariamente para rezar.  A capela possui planta retangular e está dividida em três espaços. O intermédio possui um teto em cúpula, estando o coro apoiado num arco abatido. O arco cruzeiro que antecede a capela-mor apoia-se em colunas jónicas.
Já a fachada principal da capela apresenta um portal simples ladeado por quatro colunas, onde assenta um arco de volta perfeita que envolve uma pedra de armas.


 Aliás, existe no Palácio de Mateus cinco pedras de armas. A que se encontra na porta de entrada do Palácio sobre a escadaria principal tem no primeiro quadrante os Aguiares. Na segunda, localizada na fachada norte, vemos a cruz florida dos Pereiras.
Dentro do Palácio está o Museu. Nele podemos encontrar a edição d’Os Lusíadas executada em Paris, nas oficinas de Didot. Tal foi conseguido à custa do diplomata D. José Maria de Sousa Botelho. Podem-se ver também cartas autografadas por grandes vultos a quem o morgado de Mateus ofereceu o livro. Constata-se ainda a existência de peças litúrgicas e relicários, um presépio de Machado de Castro, um escultura de marfim com o Crucificado do século XVI em altar de talha.


O Palácio de Mateus é uma das maiores obras arquitetónicas existentes em Trás-os-Montes e é visitado anualmente por milhares de pessoas. Se ainda não o conhece é uma falha no seu curriculum que tem de colmatar rapidamente!

  Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A EUTANÁSIA




   Passam hoje catorze anos que a Holanda se tornou no primeiro país europeu a legalizar a Eutanásia. Trata-se dum assunto polémico que tem merecido amplo debate em vários países do velho continente e nos Estados Unidos da América.
Apesar de haver muitas vozes favoráveis à legalização da Eutanásia e do suicídio assistido, só a Bélgica seguiu os passos dos holandeses.
Ainda que muitos dos argumentos dos defensores da Eutanásia me pareçam justos, continuo a pensar que os perigos que tal legalização implica são bem maiores que os putativos benefícios. Os factos ocorridos na Holanda, antes e depois da legalização, apenas confirmam a minha opinião.




Escudados numa lei que os protege, muitos médicos holandeses praticam a Eutanásia duma maneira desregrada. Vários casos de suicídio assistido têm origem na pressão exercida pelos familiares dos idosos, para quem estes se tornaram num empecilho e num peso económico. Também são sobejamente conhecidas situações em que as administrações hospitalares, incentivam os médicos a ministrar injeções letais a certos idosos que “pesam” financeiramente ao Hospital.
Durante décadas, os médicos holandeses receberam treino formal, nas faculdades de medicina, sobre o modo de praticar a eutanásia. Há manuais que contêm receitas de venenos não detetáveis numa autopsia, precisamente para os casos em que os doentes estão mais renitentes em tomar uma decisão “consciente”….


Rapidamente se percebeu que o verdadeiro motivo das eutanásias holandesas não era aliviar a dor insuportável dos pacientes mas satisfazer a comodidade de médicos e familiares. É elucidativo que a maioria dos pedidos de Eutanásia não provenha diretamente dos doentes.
Muitos idosos holandeses ainda tentam resistir a esta onda de “assassínio sem crime”, fazendo o chamado Testamento de Sobrevivência”, no qual declaram que não desejam a eutanásia para si sem o seu conhecimento. Este documento, também chamado “Passaporte para a Vida” ou Cartão “Não Quero Morrer”, de pouco tem valido aos velhos da Holanda, pois os médicos deste país continuam a ministrar injeções involuntárias em pacientes com diabetes crónica, reumatismo, esclerose múltipla, SIDA, bronquite.
Atualmente, a Holanda foi mais longe e já permite/tolera a eutanásia em crianças/ adolescentes, que não precisam necessariamente da autorização dos pais para solicitar e conseguir a eutanásia.
A experiência holandesa mais convicta tornou a minha oposição à Eutanásia. Mais tarde ou mais cedo o debate chegará a Portugal. Eu acho que ele virá pelos piores motivos!
Tal como o lobo fez, com largos sorrisos, vender-nos-ão a ideia do extremo sofrimento dos nossos idosos, a impossibilidade de lhes aliviar a dor como factos inamovíveis. Na verdade, acho que apenas procurarão dar seguimento a duas tendências horríveis da nossa sociedade: o progressivo desinvestimento nos cuidados de saúde, por parte do Estado e o notório abandono de muitos velhos, por parte dos seus familiares mais chegados.





Leio com muita apreensão os negros sinais que a sociedade nos deixa e apavora-me a mentalidade desumana de alguns governantes para quem um velho é analisado como um passivo bancário.
Pessoas que conscientemente queiram pôr termo à vida, pois a dor que as atormentam é impossível de atenuar, são muito poucas. Sempre serão! Há nas pessoas um enorme apego à vida! Estas não devem ser ignoradas, mas não podem constituir um passaporte legal para que gente sem humanidade imponha um tipo de sociedade, onde a Morte triunfa sobre a Vida antes do tempo.
Gabriel Vilas Boas




quinta-feira, 27 de novembro de 2014

DA ARTE, DA PINTURA, DO RETRATO



“Por que é que, como parece insinuar Plínio, O Velho, a aprendizagem do desenho (e da pintura em geral) começa com o traçado do rosto? Porque, como veremos, o rosto tem em si todas as formas do mundo.”  José Gil


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c.1540, Óleo sobre madeira,10 2x 15,3 cm
Coleção Fundação Calouste Gulbenkian



Nada se sabe sobre a autoria desta pintura que hoje vos trago. A identidade das personagens representadas é igualmente desconhecida.
Mas que bem se identifica Cupido!


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c.1540 (pormenor)

De olhos vendados, como convém ao “amor cego” que tudo ignora e que nada pretende ou quer enxergar; elegantemente, numa pose inocente e pura, desfere o derradeiro golpe do amor sobre os belos jovens representados como tema central do conjunto.
A perspetiva atmosférica, tão realista e tão ao gosto flamengo do Quattrocento envolve o casal, num hino misterioso à natureza. Não há enquadramento arquitetónico, como soía ao tempo. Esse, é feito pela própria natureza, em nevoeiro, em árvores frondosas de sombras, caminhos esperançosos, riachos serpenteantes.


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c. 1540 (pormenor)

Desde sempre, o retrato teve função comemorativa. Aqui, não há exceção. Comemora-se o amor, um noivado, talvez. O Jovem aperta com os seus dedos esguios um amor que se quer perfeito; ela, de preto e branco vestida, oferece o seu coração, num gesto suave de entrega e de alegria, num hino à própria vida.


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c.1540 (pormenor)


A luminosidade e a cor que envolvem este óleo sobre madeira abraçam estas figuras de rostos um tanto arcaizantes, mas centrais. Que personalidades se adivinham a partir destes rostos? Ela, de cabelos afagados pelo lenço ou coifa em transparência suave, mostra-se calma e submissa, num gesto amoroso de entrega. Ele, de grandes olhos negros, parece aguardar, calmo mas determinado, pelo Amor que tanto almeja. As cores escolhidas para as vestes, o branco e o negro, combinam entre si na perfeição e conferem elegância à cena, em sinal de comunhão de ideias, afetos e pensamentos.
Aquele momento fixou-se para a eternidade. A troca do amor-perfeito pelo coração, simbologia única evocativa do sentimento mais nobre que sempre se quer para sempre.
Será que estes nossos jovens de hoje e de sempre o conseguiram? Não cansou nunca o cego Amor de os guiar?

Não Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me
Enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor em minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.
Luís de Camões, Sonetos


Rosa Maria Alves da Fonseca

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

OS JESUÍTAS





A 26 de novembro de 1764, o rei Luís XV expulsava a Companhia de Jesus de França. Após 230 anos de existência, a congregação que Inácio de Loyola criara a partir da universidade de Paris, deixava de poder operar em França.
Durante dois séculos, ganhou um poder enorme quer na Igreja Católica quer na sociedade civil europeia. Pessoalmente, sempre liguei a Companhia de Jesus à Inquisição e, por isso, não tinha uma opinião muito positiva sobre os jesuítas. No entanto, ao olhar com mais atenção à sua intervenção, percebi que os jesuítas tiveram um papel fundamental no ensino e na atividade missionária. Em qualquer situação, a polémica sempre os acompanhou! Fizeram votos de castidade, obediência e pobreza, mas não de discrição….


Admiro a força, a determinação e a coragem que tiveram na América do Sul, ao lutarem, por palavras e por atos, contra os abusos dos colonos sobre os escravos indígenas. O fim da escravatura, no Brasil, começou no discurso e na ação de homens valentes e eloquentes como o “nosso” padre António Vieira.
O criador do celebérrimo “Sermão de Santo António aos Peixes” simboliza perfeitamente outra imagem de marca dos jesuítas: a umbilical ligação ao ensino e à cultura.


Os jesuítas eram uma espécie de ministério da educação de muitos países europeus. Várias gerações de homens ilustres foram formadas em colégios jesuítas, onde a exigência científica e cultura sempre foi elevada.
Só que os jesuítas nunca foram homens de “compromissos” e ao lado da excelência cultura tinha de crescer uma fé inquestionável e afirmativa, ou seja, os jesuítas dominavam o ensino nas melhores universidades da Europa e com isso “tinham na mão” as pessoas mais relevantes de cada Estado. Isso dava-lhes um poder enorme no governo dos povos que não era bem visto pelos iluministas do século XVIII.


Penso que os jesuítas, orgulhosos do seu saber, nunca quiseram incorporar um valor fundamental do cristianismo: a humildade, o que na prática traduzir-se-ia na abdicação dum poder fáctico que realmente detinham. Eles sempre quiseram ser os senhores do Templo e do Tempo e acho que essa “gula” determinou os ódios que congregavam. Jesus dizia que o Seu Reino não era deste mundo nem deste Tempo, mas a Companhia de Jesus nunca quis abdicar duma intervenção decisiva nos destinos das sociedades onde se inseria. E esse foi, para mim, um aspeto negativo da congregação, embora não o seu lado mais negro.
A face mais obscura mostrou-a especialmente no século XVI, quando, ao lado do Tribunal do Santo Ofício, patrocinou julgamentos arbitrários, autos de fé e a imposição dum pensamento religioso e único. Esses foram pecados graves, que mancharam historicamente a reputação da Companhia de Jesus.


Tal como aconteceu com outros importantes grupos (religiosos ou não), a História encarregou-se de fazer sentir, aos jesuítas, na própria pele, as injustiças que cometeram sobre outros. Talvez por isso, nomes como o Marquês do Pombal ou o rei francês Luís XV sejam referências não gratas à Companhia.

Justamente reabilitados, voltaram a marcar presença em Portugal e noutras latitudes. Hoje são mais de dezoito mil e é um jesuíta que ocupa a cadeira de S. Pedro. Paradoxalmente ou talvez não, deixaram a polémica e ganharam discrição. Afinal, há um de jesuíta de que todos gostam!

terça-feira, 25 de novembro de 2014

VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES




Hoje assinalamos o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as mulheres.
          O tema da violência contra as mulheres tem merecido um crescente e justificado destaque nacional e internacional. Dados recentes demonstram que nos últimos dez anos quase quatrocentas mulheres foram mortas pelos seus companheiros, em Portugal. Além fronteiras, subsistem regimes e povos que tratam a Mulher com uma indignidade atroz , aproximando o seu estatuto ao de um objeto.
           O tema da violência doméstica é hoje amplamente discutido nas escolas e na comunicação social, onde, para além dos diversos programas de debate, muitas séries/telenovelas abordam diretamente este flagelo civilizacional.
         Denunciar e repudiar estes comportamentos animalescos de alguns homens sobre as suas companheiras é uma abordagem correta da situação, mas insuficiente. A sociedade portuguesa precisa de ter uma atuação mais efetiva.



Penso que a prevenção é fundamental. Há que rastrear comportamentos agressivos, logo desde a fase do namoro, altura em que as jovens detêm um “poder” afetivo e de persuasão sobre os namorados. A violência é sempre intolerável e jamais os ciúmes ou o exacerbado sentimento de posse a pode justificar.
Acho que seria muito positivo que as escolas pudessem contratar assistentes sociais e psicólogos que acompanhassem as adolescentes e jovens vítimas de coação psicológica e física, pois, frequentemente, essa pressão ilegítima e imoral termina em violência, mais tarde.
É amargurante perceber o clima de verdadeiro terror psicológico e físico que muitas mulheres suportam durante meses/anos, junto de homens descontrolados, perigosos e violentos, que mantêm aquelas que dizem amar num cativeiro medieval sem nome.
Nos últimos anos, Portugal progrediu legalmente nesta área, tornando público este tipo de crime, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Homem e Mulher são seres humanos diferentes e complementares. Durante séculos, viveram com diferentes estatutos sociais, injustificadamente desnivelados. Lenta e penosamente, a Mulher tem conseguido impor o respeito e a dignidade que lhe são devidos.





A construção duma mentalidade de partilha de poder será a chave para que deixem de morrer 2/3 mulheres todos os meses, em Portugal, às mãos duns sujeitos sem escrúpulos. Esta mudança progressiva de mentalidade (já em curso) faz-se com pequenos passos e pequenas conquistas. Uma relação saudável e equilibrada não permite que violência e afeto se misturem, não tolera “controlos”, não pressupõe a “anulação” dum em prole do outro. Abdicar dum carreira, dos amigos, dos gostos pessoais é criar o caldo psicológico para uma usurpação de personalidade que contraria o código genético do Amor entre um Homem e uma Mulher.
Claro que as circunstâncias, o meio social e económico, as histórias de vida ajudam a explicar comportamentos, mas uma geração de pessoas afirma-se pelo rumo que determina para a sua vida. Acabar com a violência sobre as mulheres é um dos nossos desígnios geracionais.

Gabriel Vilas Boas  

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

AO SOM DE... PATXI ANDION E JORGE PALMA



 No mesmo mês, no mesmo local, dois músicos da mesma geração, dois concertos completamente diferentes. Primeiro foi Patxi Andión, com o seu domínio da palavra, que, cantada sempre em castelhano e uma vez em basco, foi falada na língua de Camões, num português quase perfeito. Nos braços, a guitarra que o acompanhou por cerca de duas horas, entusiasmando um público maioritariamente de cabelos brancos ou grisalhos que não se inibiu de pedir as músicas mais conhecidas do cantor e autor espanhol, desejos que este não se escusou a satisfazer. Foi muito bom, a sala cheia, a acústica perfeita, o músico em palco conquistando os presentes com a sua voz, simplicidade, simpatia e coloquialidade. No final, dirigiu-se a cada um dos presentes, a quem dedicou a derradeira música, Yo Estaré Aqui, e nessa altura, todos ficaram definitivamente rendidos aos encantos da voz e da presença do músico.

Yo estaré aqui
Cuando sientas el alma volarte entre los dedos,
Cuando sientas que el aíre se acerca hasta tu inverno,
Cuando oigas silencios posarse en tu ventana
Y vagues cada noche com el ala cansada.

Yo estaré aqui detrás de ti para calmar tu sed
Y reforzar tu fe, acompanhar tu sombra
Para calmar la hora de rellenar alcobas
Y enderezar las horas.
Yo estaré aqui detrás de ti a remendar dolor
Y abrigarte la voz, dar sombra a tu verano
Y hacer tuya mi mano y ser tu companhia
Y que tú, que tú seas la mía.





Patxi Andion teve problemas com a censura em Espanha e por duas vezes foi expulso do nosso país, pois era persona non grata, dadas as suas convicções políticas e a sua consciência social que o fazia denunciar situações com as quais não podia concordar. No entanto, em 1974, ainda antes do 25 de abril, conseguiu cantar no Coliseu dos Recreios, com agentes da PIDE na sala. Depois disso apresentou-se várias vezes em Portugal, país ao qual sente uma ligação muito forte e onde tem amigos. As suas canções têm essencialmente uma temática social ou romântica.


 O segundo concerto foi de outro grande músico, mas este português e a comemorar os 25 anos do lançamento do álbum Bairro do Amor.

Jorge Palma proporcionou a todos os presentes uma noite memorável, interpretando ao longo das duas horas de espetáculo algumas das suas músicas mais conhecidas ao piano ou na guitarra. As interpretações ao piano foram simplesmente magníficas. Jorge Palma fez-se acompanhar de dois músicos igualmente excelentes, Gabriel Gomes no acordeão e Vicente Palma dividindo-se, correndo entre o piano e a guitarra. O espetáculo teve ritmo, sequência, excelentes momentos, fruto de muito caminho percorrido e de uma grande sabedoria. Parco em palavras, foi farto em bons momentos musicais, terminando em beleza com todos a cantarem A Gente Vai Continuar. Para comemorar os 25 anos da edição do Bairro do Amor foi feita uma reedição da obra que sabe sempre bem ouvir. 

No Bairro do Amor
A vida é um Carrossel
Ode há sempre lugar para mais alguém
O Bairro do Amor foi feito a lápis de cor
Por gentes que sofreu por não ter ninguém.




Margarida Assis

domingo, 23 de novembro de 2014

O MOMENTO DA VERDADE DA JUSTIÇA PORTUGUESA



Agora já não é possível recuar: ou a Justiça portuguesa cumpre o seu papel fundamental – julgar – ou cairá num descrédito perante a população de que demorará muito tempo a levantar-se.
Com a prisão, há dois dias, para interrogatório, do ex-primeiro-ministro José Sócrates, a Justiça portuguesa completou um ramalhete de casos/processos relacionados com as pessoas mais poderosas do país.
Na última década, algo mudou na justiça portuguesa. Desde o processo Casa Pia, os portugueses assistiram à “queda” de muitas figuras prestigiadas, mediáticas e poderosas do país, nos mais diversos quadrantes. No entanto, excetuando o traumatizante processo de pedofilia na Casa Pia, que condenou Carlos Cruz, Jorge Rito, Ferreira do Amaral e Carlos Silvino, todos os outros processos tiveram um fim pífio ou ainda decorrem.


No futebol, todo o país soube quem e como corrompia árbitros, mas as escutas, afinal, eram ilegais e a justiça formalista arquivou aquilo que devia ter condenado.
Entretanto a crise da economia mundial destapou as tramóias financeiras, jurídicas e políticas em que viveram quase todos os bancos privados portugueses. BCP, BPP, BPN, BES afundaram-se em dívidas, casos de corrupção, branqueamento de capitais, fuga ao fisco, entre outros. Apesar de privados, foi o erário público a pagar penosamente os erros e roubos alheios. O Ministério Público e a PJ têm levados alguns desses responsáveis a tribunal, mas ainda nenhum caso foi julgado, nenhum banqueiro está preso e as hipóteses de recuperação do dinheiro público investido nesses buracos negros são nulas.


Depois de Isaltino de Morais andar a brincar ao esconde/esconde, com o sistema judicial português ridicularizando as leis que temos e de Duarte Lima ter sido preso por putativos crimes económicos quando os brasileiros pressionavam para o ouvir por homicídio, altos funcionários do Estado português são acusados de corrupção e ficam em prisão preventiva. Agora chegou a vez do ex-primeiro-ministro José Sócrates responder perante um super-juíz, ao bom estilo de Baltasar Garzón, sobre eventuais pecados cometidos enquanto governante e de que a população portuguesa falava à boca cheia sem nunca ter surgido uma acusação formal.
A Justiça não escolhe quem julga nem o que julga. Ricos, pobres, poderosos, influentes, mediáticos, desconhecidos – todos são possíveis alvos dos tribunais quando prevaricam. O problema da Justiça é que todos estes casos estão por fechar e quase todos eles ainda nem sequer atingiram a fase de julgamento.



A partir de agora é com o tribunal, ou seja, com os juízes. E eles também estão em exame perante a sociedade portuguesa. A tibieza demonstrada em caso anteriores, ainda que com honrosas exceções, não augura nada de bom… Talvez eles ainda não tenham reparado, mas a paciência não se esgota apenas com os políticos corruptos, com os banqueiros desonestos, com os dirigentes negligentes… O mundo e Portugal mudaram. Os portugueses exigem uma justiça bem mais célere, audaz e certeira. Dispensam acertos de contas, jogos florais, processos mal instruídos, fogueiras mediáticas que acabem em condenações de pena suspensa.
Se é para condenar, que se condene com rapidez, firmeza e sensatez; se é para absolver, que se seja rápido e claro. O cinzento é a cor que pior combina com a justiça.


Gabriel Vilas Boas 

sábado, 22 de novembro de 2014

KATHARINE HEPBURN





Há poucos dias, a minha querida amiga Rosa Maria Fonseca desafiou-me a dedicar um artigo, neste blogue, a Katharine Hepburn. Hoje respondo a esse desafio.
Para os mais jovens, o nome desta atriz norte-americana pode dizer pouco, mas ela é “apenas” a atriz mais galardoada com os famosos Óscares de Hollywood. Katharine arrebatou quatro estatuetas de melhor atriz. Um feito único até aos dias de hoje.
Quando revemos algumas imagens da sua juventude, percebemos que foi uma mulher extremamente bela. A essa beleza juntou um talento artístico para a representação fora de série que tornou possível uma carreira cinematográfica de sessenta anos. Se pensarmos que Katharine conquistou o seu primeiro óscar aos vinte e cinco anos, o segundo e o terceiro quando atingiu os sessenta e a quarta estatueta de melhor atriz quando se preparava para soprar setenta e cinco velas, percebemos claramente que a excelência marcou toda a sua carreira no mundo do cinema.


A mulher, que nunca foi vista a receber pessoalmente nenhum dos seus Óscares, tinha um porte e uma pose aristocráticos. Ambos  foram herança da família abastada, de Nova Inglaterra, em que cresceu. O carácter firme, próprio de uma pessoa emancipada e independente, recorda a personalidade da mãe, defensora determinada dos direitos das mulheres. O curioso é que também os papeis representados no cinema e no teatro por esta estrela da arte da representação espelham bem estes traços físicos e psicológicos.



Nascido em Hartford, a 12 de maio de 1907, concluiu, em 1928, a licenciatura em artes dramáticas, dando início, imediatamente, à sua carreira como atriz de teatro.
Já depois de ter ganho boa reputação em produções da Broadway, experimentou o cinema, participando em “Vítimas do Divórcio”, 1932.
A estreia de Hepburn na Sétima Arte foi concretizada pela mão de George Cukor, talvez o realizador que melhor a entendeu, pelo menos, dirigiu oito filmes em que a atriz participou, entre os quais alguns bem marcantes na carreira de Hepburn: “As Quatro Irmãs”, 1933; “Sylvia Scarlett”, 1935; “A Irmã da Minha Noiva”, 1938; “Casamento Escandaloso”, 1940; “A Costela de Adão”, 1949; “A Mulher Absoluta”, 1952.

Mulher de personalidade forte, nunca aceitou papeis menos dignos, o que a levou, em 1938, a romper com o estúdio RKO e a regressar à Broadway. Isto já depois de ter recebido o primeiro dos seus quatro Óscares, relativo ao seu desempenho em “Glória de um Dia”, 1933.
A ligação de Hepburn a Cukor (coincidentemente ou não foi pela mão deste realizador que ela regressou, em 1940, a Hollywood) é ainda superada pela relação entre a atriz e o ator Spencer Tracy.   Tracy foi o grande amor da sua vida e com ela protagonizou um romance duradoiro, mas nunca assumido publicamente, até porque o ator era casado. Dentro dos ecrãs, os dois protagonizaram nove filmes juntos.

Um dos momentos mais altos do amor alimentado em frente às câmaras foi o desfecho da película “A Primeira Dama”, 1942, no qual o macho-tipo dos ecrãs (Spencer) é dominado por uma feminista (Hepburn). Tratou-se duma exceção, na tendência que, durante os anos 40 e 50, marcou os produtos de Hollywood.
Entre muitos outros prémios, como os que lhe foram dados em Cannes, Hepburn ganhou quatro Óscares como Melhor Atriz (“Glória de um Dia”, 1933; “Adivinha Quem Vem Para Jantar”, 1967; “Um Leão no Inverno”, 1968; “A Casa do Lago”, 1981), entre doze nomeações, o que corresponde a um record.

Hollywood distinguiu uma mulher que escapou ao perfil habitual das suas estrelas, fazendo justiça a uma atriz que levou até ao final da sua carreira a dignidade e a vitalidade demonstradas desde os primeiros tempos.
Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O EUROTÚNEL


    
                    Em 1751, a Academia De Amiens abriu um concurso para o estudo da ideia de unir a França e Inglaterra através do canal da Mancha.
                Surgiram muitas ideias, mas não havia meios técnicos – de engenharia civil e geotecnia – para construir uma das mais obras de sempre da engenharia e arquitetura mundiais. Foi preciso esperar pelo século XX, para a ideia ser, finalmente, equacionada em termos reais.
             Em 1957, foi nomeado um grupo para estudar os possíveis locais de construção e averiguar os problemas geológicos e geofísicos, nomeadamente, ao nível da dureza e consistência do tipo das rochas e a necessidade de eliminar os detritos resultantes da perfuração.
                Em 1987, sob os governos de Mitterrand e Thatcher, começaram os trabalhos que, durante sete anos, envolveram mais de treze mil trabalhadores. Duas enormes escavadoras começaram a perfurar setenta metros por dia, com o objetivo de unir, com um túnel com cinquenta e um quilómetros, Cheriton, perto de Folkstone, a Sangatte, perto de Calais.


               Esta obra causa muita controvérsia e polémica e o seu custo ascendeu a astronómicos 13400 milhões de euros.
              O Eurotúnel é formado por duas galerias paralelas, uma para cada sentido dos comboios. Existe ainda uma terceira galeria, de diâmetro inferior, destinada à livre circulação de veículos de socorro em caso de acidente.
                 Atualmente, o comboio de alta velocidade «Eurostar» assegura a ligação entre Paris e Londres em cerca de três horas.
                O Eurotúnel também conhecido como o «Túnel da Mancha» uniu a Inglaterra ao continente europeu e tornou-se num dos maiores feitos da engenharia do século XX. Mais de duzentos anos depois de sonhado, o túnel sobre a Mancha tornou-se realidade. 2014 assinala duas décadas sobre esse momento histórico. Apesar do custo astronómico e da pouca rentabilidade do projeto, dos incêndios, dos imigrantes ilegais que o usam para entrar ilegalmente no Reino Unido, o Eurotúnel valeu a pena. O Homem corre por utopias e esta é uma daquelas que valem a pena.

Gabriel Vilas Boas