Agora já não é
possível recuar: ou a Justiça portuguesa cumpre o seu papel fundamental –
julgar – ou cairá num descrédito perante a população de que demorará muito
tempo a levantar-se.
Com a prisão, há dois
dias, para interrogatório, do ex-primeiro-ministro José Sócrates, a Justiça
portuguesa completou um ramalhete de casos/processos relacionados com as
pessoas mais poderosas do país.
Na última década, algo
mudou na justiça portuguesa. Desde o processo Casa Pia, os portugueses assistiram
à “queda” de muitas figuras prestigiadas, mediáticas e poderosas do país, nos
mais diversos quadrantes. No entanto, excetuando o traumatizante processo de pedofilia
na Casa Pia, que condenou Carlos Cruz, Jorge Rito, Ferreira do Amaral e Carlos
Silvino, todos os outros processos tiveram um fim pífio ou ainda decorrem.
No futebol, todo o
país soube quem e como corrompia árbitros, mas as escutas, afinal, eram ilegais
e a justiça formalista arquivou aquilo que devia ter condenado.
Entretanto a crise da
economia mundial destapou as tramóias financeiras, jurídicas e políticas em que
viveram quase todos os bancos privados portugueses. BCP, BPP, BPN, BES
afundaram-se em dívidas, casos de corrupção, branqueamento de capitais, fuga ao
fisco, entre outros. Apesar de privados, foi o erário público a pagar penosamente
os erros e roubos alheios. O Ministério Público e a PJ têm levados alguns
desses responsáveis a tribunal, mas ainda nenhum caso foi julgado, nenhum
banqueiro está preso e as hipóteses de recuperação do dinheiro público
investido nesses buracos negros são nulas.
Depois de Isaltino de
Morais andar a brincar ao esconde/esconde, com o sistema judicial português
ridicularizando as leis que temos e de Duarte Lima ter sido preso por putativos
crimes económicos quando os brasileiros pressionavam para o ouvir por
homicídio, altos funcionários do Estado português
são acusados de corrupção e ficam em prisão preventiva. Agora chegou a vez do
ex-primeiro-ministro José Sócrates responder perante um super-juíz, ao bom
estilo de Baltasar Garzón, sobre eventuais pecados cometidos enquanto governante e
de que a população portuguesa falava à boca cheia sem nunca ter surgido uma
acusação formal.
A Justiça não escolhe
quem julga nem o que julga. Ricos, pobres, poderosos, influentes, mediáticos,
desconhecidos – todos são possíveis alvos dos tribunais quando prevaricam. O
problema da Justiça é que todos estes casos estão por fechar e quase todos eles
ainda nem sequer atingiram a fase de julgamento.
A partir de agora é
com o tribunal, ou seja, com os juízes. E eles também estão em exame perante a
sociedade portuguesa. A tibieza demonstrada em caso anteriores, ainda que com
honrosas exceções, não augura nada de bom… Talvez eles ainda não tenham
reparado, mas a paciência não se esgota apenas com os políticos corruptos, com
os banqueiros desonestos, com os dirigentes negligentes… O mundo e Portugal
mudaram. Os portugueses exigem uma justiça bem mais célere, audaz e certeira.
Dispensam acertos de contas, jogos florais, processos mal instruídos, fogueiras
mediáticas que acabem em condenações de pena suspensa.
Se é para condenar,
que se condene com rapidez, firmeza e sensatez; se é para absolver, que se seja
rápido e claro. O cinzento é a cor que pior combina com a justiça.
Gabriel Vilas Boas
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