Na minha opinião, Fernanda Montenegro é a mais conceituada e excecional atriz brasileira viva. E nisto não sou nada original. Com mais de oitenta e cinco anos, Fernanda Montenegro tem uns eternos sessenta e cinco anos de carreira que prometem prolongar-se sem meta à vista, pois ainda assina trabalhos em televisão e cinema.
Conhecia-a, como qualquer português, através das telenovelas há três décadas e para mim ela sempre foi a matriarca da família, quase sempre viúva, a quem todos obedeciam e respeitavam. Penso que ela reinventou o papel da mulher de 60 anos, pois a sua pujança física e intelectual pediam personagens dominantes na intriga das novelas ou das películas. Alma mater famíliar, a presidente dum grupo económico, Fernanda impunha poder às suas personagens.
Sempre apreciei a firmeza, autoridade e classe que emprestava às suas personagens. A voz grave, límpida e quase sem emoção parecia tirar-lhe a feminilidade e doçura, próprias das anciãs, mas a atriz conseguia sempre encontrar o ponto de equilíbrio perfeito na sua atuação que nunca a tornavam rude ou agressiva. Era a sua personalidade que criava a personagem, que ela, como velha feiticeira do teatro, sabia tornara parceira da história.
Todo o à vontade perante as câmeras vem-lhe do teatro, onde se iniciou por volta de 1950. Com o companheiro de toda a vida, Fernando Torres representou centenas de peças nos teatros do Rio de Janeiro e de S. Paulo, nas décadas de cinquenta e sessenta. Foi nas inúmeras máscaras que usou que Fernanda aprendeu todos os segredos sobre a arte de representar.
É essa magia que a leva, ainda nos anos sessenta, para a televisão, onde começa a ser requisitada para aquilo que os brasileiros fazem melhor: telenovelas. Em paralelo, ia fazendo cinema, onde atinge o pico da fama com a sua participação em “Central Brasil”, em 1998, que lhe rende o Urso de Prata, em Berlim, para Melhor Atriz e duas nomeações para Óscar enquanto Melhor Atriz e Melhor Filme Estrangeiro. Já antes, em 1980, tinha vencido o Leão de Ouro do Festival de Veneza, com o filme “Eles Não Usam Black Tie”.
No seu país, arrebatou prémios atrás de prémios, quer pelas suas atuações em palco quer pelos seus desempenhos na tela.
O teatro nunca deixou de ser a sua grande paixão. Em 1982, ele ganhou, por exemplo, os prémios Molière, pela sua atuação em “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”.
Os apreciadores de Fernanda Montenegro realçam o facto da atriz ser capaz de aliar como ninguém instinto e técnica. As suas atuações estão cheias duma grande expressividade que ela consegue alterar, adaptando-a às características das personagens, com uma facilidade incrível. Um crítico teatro chegou mesmo a referir que Fernanda tinha um “rosto de borracha”. Há quem diga que a sua filha, a também atriz Fernada Torres, herdou este atributo da mãe.
Apesar de toda esta versatilidade, Fernanda considera-se uma atriz convencional: “pertenço a uma geração romântica, sem vedetismos. Não gosto de intérprete que só trabalha quando o centro do palco é seu. Também odeio elencos subservientes. Gosto de trabalhar com atores potentes, que participam do ritual, livres da competição destruidora.”
Esta
grandiosidade rendeu-lhe um convite para participar na política. Em 1985 o
Presidente da República de então, Sarney, convidou-a para Ministra da Cultura.
Apesar do apoio unânime de toda a classe artística brasileira, Fernanda
Montenegro recusou, pois essa não era a sua vocação.
Mulher
de palcos, de estúdios de televisão e cinematográficos, Fernanda Montenegro
colheu nas últimas duas décadas o merecido fruto dum trabalho duma vida inteira
dedicada à arte de representar.
Não
sei quanto tempo de vida ainda lhe resta, mas o mais certo é passá-lo a
representar. E ainda bem!
Gabriel Vilas Boas
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