Domenico Ghirlandaio (1449-1494)
Têmpera sobre madeira, Retrato de uma jovem, c.1485, Museu Calouste Gulbenkian
Esta obra, de um refinado bom gosto, é bem
elucidativa da arte do retrato do “quattrocento”
florentino. O retrato, tão ao gosto da antiguidade helénica, afirma-se
claramente no Renascimento.
Ao longo do séc. XV, duas tendências
caracterizaram o retrato em Itália, representadas por Pisanello (mais
tradicional) e uma outra mais inovadora e arrojada, pelas mãos de Masaccio.
Esta arte começa a ser procurada pela
burguesia da época (e não apenas pela nobreza) e o gosto pela caraterização mais realista dos
modelos a representar acentua-se.
A obra que escolhi para hoje, “Retrato de uma Jovem”, de Domenico Ghirlandaio,
é de uma singeleza sem par. Delicadíssima, a jovem destaca-se com suavidade de
um fundo negro intrigante (a fazer adivinhar Vermeer?) e assume-se em volumes
percetíveis por pinceladas de cor graciosas e elegantes.
Ghirlandaio traz contrastes de luz e relevo
a esta composição harmoniosa onde o rosto alvo e sedutor é emoldurado por um
cabelo bem penteado mas propositadamente desalinhado em caracóis de um dourado
suave e quente. As sobrancelhas finas e bem desenhadas acompanham o olhar
perscrutador. O que procuram aqueles olhos negros?
Têmpera sobre madeira, Retrato de uma jovem, Pormenor, c.1485, Museu Calouste Gulbenkian
O nariz grego e a boca quase carmesim desenhada
em flor aguçam curiosidades. O traje florentino, testemunho da moda italiana do
séc. XV, acentua a cor e combina com o
colar singelo em tom coral que repousa no colo da jovem; uma veladura composta
emerge em transparências brancas proporcionadas pela organza do vestido. A juventude é gritante num hino à beleza
feminina que Ghirlandaio quis captar num
instante do olhar.
Têmpera sobre madeira, Retrato de uma jovem, Pormenor, c.1485, Museu Calouste Gulbenkian
Este pintor florentino foi aprendiz de Alessio Baldovinetti; trabalhou
na cidade de Florença no Palazzo Vecchio e em Roma, num fresco para a Capela
Sistina, “Cristo chamando Pedro, André e seus Apóstolos”. Na Toscana, pintou
igualmente frescos na Igreja de Santa Maria Novella, por encomenda da opulenta
família Tornabuoni. Aqui os detalhes de cenas históricas primam pela
excelência. Foi também um dos primeiros professores de Michelângelo e de Francesco
Granacci.
Autor de retratos de um realismo que conseguiu levar ao extremo,
seguindo o espírito tão caro ao retrato flamengo, Ghirlandaio deixou-nos aqui
mais uma obra-prima, de uma sensibilidade e sensualidade extremas, capaz de ter
destroçado corações e inspirado rimas e sonetos como este que aqui vos deixo,
de Petrarca, outro italiano de excepção.
Arrivederci.
Pace non trovo e non ho da far guerra;
E temo e spero,et ardo e son un ghiaccio;
E volo sopra’l cielo e giaccio in terra
E nulla stringo e tutto ‘l mondo abbracio.
Tal m’há in prigionche non m’apre nè serra,
Nè per suo mi ritien nè sciogle il laccio;
E non m’ancide
Amor e non mi sferra,
Nè mi vuol vivo nè
mi trae d’impaccio.
Veggio sez’occhi,e non ho língua e grido;
E bramo di perir e chieggio aita;
E ho in odio me stesso ed amo altrui.
Pascomio di dolor,piangendo rido;
Igualmente mi spiacecmorte e vita:
In questo stato sion, donna, per vui.
Francesco Petrarca
Nem tenho paz nem como fazer Guerra,
Espero e temo e a arder gelo me faço,
Voo acima do céu e jazo em terra,
E nada agarro e todo o mundo abraço.
Tem-me em prisão quem
ma não abre ou cerra,
Nem por seu me retém nem solta o laço,
E não me mata Amor,nem me desferra,
Nem me quer vivo ou fora de embaraço.
Vejo sem olhos,sem ter língua grito,
Anseio por morrer, peço socorro,
Amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,
Nutro-me em dor, rio a chorar aflito.
Despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.
Tradução de Vasco Graça Moura
Rosa Maria Fonseca
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