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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

DA ARTE, DA PINTURA, DO RETRATO EM DOMENICO GHIRLANDAIO


 Domenico Ghirlandaio (1449-1494)


Têmpera sobre madeira, Retrato de uma jovem, c.1485, Museu Calouste Gulbenkian

Esta obra, de um refinado bom gosto, é bem elucidativa da arte do retrato do “quattrocento” florentino. O retrato, tão ao gosto da antiguidade helénica, afirma-se claramente no Renascimento.
Ao longo do séc. XV, duas tendências caracterizaram o retrato em Itália, representadas por Pisanello (mais tradicional) e uma outra mais inovadora e arrojada, pelas mãos de Masaccio.
Esta arte começa a ser procurada pela burguesia da época (e não apenas pela nobreza) e  o gosto pela caraterização mais realista dos modelos a representar acentua-se.
A obra que escolhi para hoje, “Retrato de uma Jovem”, de Domenico Ghirlandaio, é de uma singeleza sem par. Delicadíssima, a jovem destaca-se com suavidade de um fundo negro intrigante (a fazer adivinhar Vermeer?) e assume-se em volumes percetíveis por pinceladas de cor graciosas e elegantes.
Ghirlandaio traz contrastes de luz e relevo a esta composição harmoniosa onde o rosto alvo e sedutor é emoldurado por um cabelo bem penteado mas propositadamente desalinhado em caracóis de um dourado suave e quente. As sobrancelhas finas e bem desenhadas acompanham o olhar perscrutador. O que procuram aqueles olhos negros?

Têmpera sobre madeira, Retrato de uma jovem, Pormenor, c.1485, Museu Calouste Gulbenkian

O nariz grego e a boca quase carmesim desenhada em flor aguçam curiosidades. O traje florentino, testemunho da moda italiana do séc. XV,  acentua a cor e combina com o colar singelo em tom coral que repousa no colo da jovem; uma veladura composta emerge em transparências brancas proporcionadas pela organza do vestido.  A juventude é gritante num hino à beleza feminina que Ghirlandaio  quis captar num instante do olhar.

Têmpera sobre madeira,  Retrato de uma jovem, Pormenor, c.1485, Museu Calouste Gulbenkian


Este pintor florentino foi aprendiz de Alessio Baldovinetti; trabalhou na cidade de Florença no Palazzo Vecchio e em Roma, num fresco para a Capela Sistina, “Cristo chamando Pedro, André e seus Apóstolos”. Na Toscana, pintou igualmente frescos na Igreja de Santa Maria Novella, por encomenda da opulenta família Tornabuoni. Aqui os detalhes de cenas históricas primam pela excelência. Foi também um dos primeiros professores de Michelângelo e de Francesco Granacci.
Autor de retratos de um realismo que conseguiu levar ao extremo, seguindo o espírito tão caro ao retrato flamengo, Ghirlandaio deixou-nos aqui mais uma obra-prima, de uma sensibilidade e sensualidade extremas, capaz de ter destroçado corações e inspirado rimas e sonetos como este que aqui vos deixo, de Petrarca, outro italiano de excepção. 
Arrivederci.

Pace non trovo e non ho da far guerra;
E temo e spero,et ardo e son un ghiaccio;
E volo sopra’l cielo e giaccio in terra
E nulla stringo e tutto ‘l mondo abbracio.

Tal m’há in prigionche non m’apre nè serra,
Nè per suo mi ritien nè sciogle il laccio;
E non m’ancide Amor e non mi sferra,
Nè mi vuol vivo nè mi trae d’impaccio.

Veggio sez’occhi,e non ho língua e grido;
E bramo di perir e chieggio aita;
E ho in odio me stesso ed amo altrui.
Pascomio di dolor,piangendo rido;
Igualmente mi spiacecmorte e vita:
In questo stato sion, donna, per vui.
Francesco Petrarca
Nem tenho paz nem como fazer Guerra,
Espero e temo e a arder gelo me faço,
Voo acima do céu e jazo em terra,
E nada agarro e todo o mundo abraço.

Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,
Nem por seu me retém nem solta o laço,
E não me mata Amor,nem me desferra,
Nem me quer vivo ou fora de embaraço.

Vejo sem olhos,sem ter língua grito,
Anseio por morrer, peço socorro,
Amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,
Nutro-me em dor, rio a chorar aflito.
Despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.
Tradução de Vasco Graça Moura

 Rosa Maria Fonseca

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