Etiquetas

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

DA ARTE, DA PINTURA, DO RETRATO



“Por que é que, como parece insinuar Plínio, O Velho, a aprendizagem do desenho (e da pintura em geral) começa com o traçado do rosto? Porque, como veremos, o rosto tem em si todas as formas do mundo.”  José Gil


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c.1540, Óleo sobre madeira,10 2x 15,3 cm
Coleção Fundação Calouste Gulbenkian



Nada se sabe sobre a autoria desta pintura que hoje vos trago. A identidade das personagens representadas é igualmente desconhecida.
Mas que bem se identifica Cupido!


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c.1540 (pormenor)

De olhos vendados, como convém ao “amor cego” que tudo ignora e que nada pretende ou quer enxergar; elegantemente, numa pose inocente e pura, desfere o derradeiro golpe do amor sobre os belos jovens representados como tema central do conjunto.
A perspetiva atmosférica, tão realista e tão ao gosto flamengo do Quattrocento envolve o casal, num hino misterioso à natureza. Não há enquadramento arquitetónico, como soía ao tempo. Esse, é feito pela própria natureza, em nevoeiro, em árvores frondosas de sombras, caminhos esperançosos, riachos serpenteantes.


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c. 1540 (pormenor)

Desde sempre, o retrato teve função comemorativa. Aqui, não há exceção. Comemora-se o amor, um noivado, talvez. O Jovem aperta com os seus dedos esguios um amor que se quer perfeito; ela, de preto e branco vestida, oferece o seu coração, num gesto suave de entrega e de alegria, num hino à própria vida.


Retrato de Um Jovem e de Uma Jovem, Autor desconhecido,Flandres, c.1540 (pormenor)


A luminosidade e a cor que envolvem este óleo sobre madeira abraçam estas figuras de rostos um tanto arcaizantes, mas centrais. Que personalidades se adivinham a partir destes rostos? Ela, de cabelos afagados pelo lenço ou coifa em transparência suave, mostra-se calma e submissa, num gesto amoroso de entrega. Ele, de grandes olhos negros, parece aguardar, calmo mas determinado, pelo Amor que tanto almeja. As cores escolhidas para as vestes, o branco e o negro, combinam entre si na perfeição e conferem elegância à cena, em sinal de comunhão de ideias, afetos e pensamentos.
Aquele momento fixou-se para a eternidade. A troca do amor-perfeito pelo coração, simbologia única evocativa do sentimento mais nobre que sempre se quer para sempre.
Será que estes nossos jovens de hoje e de sempre o conseguiram? Não cansou nunca o cego Amor de os guiar?

Não Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me
Enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor em minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.
Luís de Camões, Sonetos


Rosa Maria Alves da Fonseca

Sem comentários:

Enviar um comentário