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sábado, 28 de fevereiro de 2015

MR. SPOCK: DEFINITIVAMENTE A CAMINHO DAS ESTRELAS


Poucas horas antes de falecer, o ator Leonard Nimoy escreveu no seu twitter: “A vida é como um jardim. Os momentos vividos não podem ser guardados exceto na memória”.
E a nossa memória guardará para sempre a personagem do Mr. Spock, da série “STAR TREK A CAMINHO DAS ESTRELAS”, que prendeu, ao ecrã da televisão, uma legião de fãs da ficção científica, que acompanhava o capitão Kirk e o inefável Mr. Spock e as suas orelhas pontiagudas tão características.
Leonard Nimoy, o ator que ontem faleceu vítima de doença pulmonar causada pelo tabaco, nunca conseguiu sair dessa personagem mítica que lhe marcou a carreira. Aliás, em dois livros autobiográficos, o ator não deixa de refletir o incómodo pela excessiva colagem da máscara da personagem à do ator, mas não houve nada a fazer. Nimoy será sempre o Mr. Spock.
E no fundo Leonard Nimoy não tem que se queixar: de ator secundário passou a símbolo da cultura popular, da televisão e do cinema. 

Ganhou fama na televisão e expandiu-a no cinema, onde participou nos primeiros filmes que aproveitaram o estrondoso êxito na série televisiva. O público gostava das suas orelhas pontiagudas, a franja aparada ao pormenor, adorava aquele ser meio vulcano, meio humano, membro da tripulação da USS Entreprise, a nave espacial que tinha por missão explorar novos mundos por mandato da Federação dos Planetas. Era o cientista racional para fazer contra ponto ao aventureiro capitão James T. Kirk (William Shatner).

A carreira de Nimoy não foi apenas apenas feita de viagens extraterrestres nem de ficção científica. Além de ator, foi encenador, poeta, música, fotógrafo. Numa palavra: um artista de corpo e de alma e uma pessoa muito querida no meio cinematográfica. Como acontece com muitos atores, Nimoy tinha muito de Mr. Spock. Talvez por isso, Leonard Nimoy tenha escrito uma segunda autobiografia, simplesmente para reconhecer que “I am Spock”.

Agora definitivamente a caminho das estrelas, poucas dias depois da entrega dos óscares, Leonard Nimoy merece o nosso aplauso e o nosso obrigado pelos bons momentos que nos proporcionou, nas décadas de setenta e oitenta do século XX.
Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

PALÁCIO E CONVENTO DE MAFRA




O Palácio e Convento de Mafra começou por ter uma utilização eclesiástica e residencial, mas hoje as suas funções são essencialmente turísticas, culturais, além de albergar a Escola Prática de Infantaria.
Edificado entre 1712 e 1750, o Convento de Mafra é, essencialmente, barroco-joanino, com influência de modelos italianos.
O monumento de Mafra constitui-se como um exemplo de articulação harmoniosa de três componentes funcionais distintas - residência real, área conventual e zona assistencial – que raramente se encontram, mas cuja principal referência é o Complexo do Escorial.

O majestoso convento de Mafra foi mandado construir por esse príncipe das artes chamado D. João V, em pagamento duma promessa pelo nascimento do herdeiro ao trono.
O conjunto traduz-se num edifício único, ocupando uma área de quase 38000 metros quadrados, onde podemos encontrar uma biblioteca notável, uma basílica imponente, claustros e vestíbulos da igreja, com esculturas italianas.
A fachada principal é limitada por dois soberbos torreões e tem incríveis 220 metros de comprimento. Ao todo, o edifício tem 880 salas e quartos, 300 celas, 4500 portas e janelas, 154 escadarias, 29 parques. Ligada ao convento, há uma grande tapada de caça, com jardins, fontes e belas espécies arbóreas.
Em 1717 lançou-se a primeira pedra do Convento de Santo António dos Capuchinhos Arrábidos, na vila de Mafra, complexo que incorporava basílica, palácio e biblioteca, jardim e tapada de caça. O mais pobre ramo franciscano, que ali instalara doze monges, recebia dinheiro e suprimentos para trezentos frades, num exagero só comparável com o que se passava no Escorial e que D. João V queria superar.


O edifício foi projetado pelo arquiteto germano-italiano Frederico Ludovice e a construção ocorreu em pouco tempo, tendo em conta a dimensão monumental da obra. A igreja ficou pronta em 1730 e o palácio em 1750. Alguns dados da obra atestam bem a envergadura da construção feita no século XVIII: fachada de 220 metros, torreões laterais (o do rei e o da rainha), escadaria cenográfica, cúpulas e torres de derivação romana, vestíbulo com doze estátuas gigantescas de santos encomendados em Roma e interior em nave única. Tudo feito nos melhores mármores e materiais mais ricos.

Expressão do ideal absolutista de D. João V, acabaria transformado em quartel. Hoje procura-se dar um destino condigno a este monumento gigantesco, completamente fora de escala  quando comparado com outros monumentos nacionais.
É de assinalar que a construção do Convento de Mafra inspirou José Saramago a escrever a sua obra-prima, Memorial do Convento, onde as peripécias da construção são registadas pormenorizadamente pelo nobel da Literatura,  e onde nada falta.
A propósito da construção do Convento, é de referir que em 1729 (um ano antes da inauguração da igreja) trabalhavam no estaleiro 47.836 operários, um número tão monumental quanto a grandiosidade da obra.    
No ano em que a igreja foi inaugurada (1730), executaram-se, em Antuérpia, na Bélgica, os carrilhões da basílica (57 sinos para cada uma das torres), por Nicolau Lepache e Guilherme Withlockx.
Em 1744, foram considerados concluídos os trabalhos do complexo arquitetónico de Mafra, ainda que muitos pormenores tenham ficado por executar. Nessa altura, o Convento de Mafra era habitado por 342 religiosos: 203 sacerdotes, 45 coristas, 10 noviços, 60 leigos e 24 donatos.




quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

MUSEU HERMITAGE


O Reinado de Catarina II, na Rússia, ficou assinalado por um extraordinário incremento das coleções do Império Russo e está na origem do imenso património que o Museu do Hermitage atualmente detém.
A czarina, desde sempre, consagrou particular atenção à arte, que soube habilmente usar como instrumento de poder e de prestígio político desde o primeiro dia da sua ascensão ao trono.
A criação duma rica coleção de arte era vista por Catarina II como uma manifestação tangível do poderia económico da coroa russa. Nesse sentido, Catarina promoveu uma extraordinária campanha de aquisição de obras de arte a que se dedicou durante várias décadas.
As primeiras aquisições ocorreram em 1764, mas foi em 1772 que se efetivou a mais importante aquisição: a riquíssima coleção do banqueiro parisiense Pierre Crozat, mediada por Denis Diderot, de quem Catarina II se considerava discípula. Na verdade, as inseguranças de Catarina em matéria de arte levaram-na a procurar conselho junto de vários especialistas.
As coleções adquiridas pela czarina eram levadas para a Rússia por via marítima, mas nem sempre o transporte chegava a bom termo, como aconteceu em 1771, quando a importante coleção de Gérard Braakamp se perdeu. Uma vez no destino, as obras eram colocadas no mezanino do palácio chamado "Pequeno Hermitage",  que mais tarde se uniu ao novo Hermitage (conhecido hoje como “Velho”). Aí eram expostas segundo um critério de agrado estético mas também de decoro, de tal forma que a célebre “Danae” de Rembrandt acabou nas águas-furtadas devido à sua impressiva carga erótica.

Catarina também fez coleção de esculturas, que colocava na sua residência de verão, em Zarskoje Selo. Para aí seria levado “O Retrato de Voltaire Sentado”, de Houdon, ficando na digna companhia de conhecidas estátuas da Antiguidade como “Antinoo” e “Apolo Belvedere”.
Catarina não adquiriu apenas obras do Renascimento e do Barroco, mas também de artistas contemporâneos, conseguindo manter o elevadíssimo nível das coleções. Isto não seria continuado pelos seus sucessores, pois só nas décadas de trinta e quarenta do século XX chegaram ao Hermitage obras de arte oitocentista e novecentista.  
No final do século XIX, Serjei Ivanovic  Schukin e Abramovic Morozov descobriram a pintura dos impressionistas ainda desconhecida na Rússia. Ambos adoravam Matisse e ambos acreditavam no cubismo de Picasso. Especialmente Morozov tratou de compor uma coleção que pudesse configurar uma galeria completa e ideal de pintura ocidental entre os século XIX e XX.
No entanto, todos estes quadros foram nacionalizados no decurso da revolução vermelha de Outubro de 1917 e as duas coleções foram transferidas em 1923 para o Museu de Arte Moderna Ocidental de Moscovo.

Durante alguns anos, os quadros destas coleções andaram a viajar entre Leninegrado e Moscovo e alguns foram vendidos secretamente em mercados ocidentais.
Depois da II Guerra Mundial, muitas destas obras foram enviadas para a Sibéria, pois o regime comunista soviético considerava-as “um perigoso antro de ideias politicamente nocivas”, “portadoras de conceções estranhas burguesas e formalistas” para a arte soviética.
O património do Hermitage foi então dividido de maneira algo arbitrária entre o Museu Pushkin e o Museu Hermitage. Este último, mesmo contando obras de inestimável valor, só após a morte de Estaline, em 1953, as tornou acessíveis ao público.

De resto, foi preciso esperar pela década de sessenta do século passado para que a maioria das pinturas "modernas" saíssem dos depósitos e voltassem a mostrar toda a sua luz, cores e ideias nas salas do museu, sendo assim restituídas à admiração do público russo e, na sequência, dos visitantes estrangeiros. 

Gabriel Vilas Boas

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O FIM DO MITO DE ESTALINE


A 25 de fevereiro de 1956, Nikita Kruschev fez um discurso histórico, no XX.º Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Aproveitando o facto de já terem passado três anos após a morte de Estaline, o novo secretário-geral do PCUS resolveu ajustar a História à verdade e, perante os seus camaradas comunistas, denunciou o culto da personalidade que se fez durante os longos anos em Estaline esteve no poder, pormenorizou os abusos que Joseph Estaline cometeu, em especial nas purgas de 1937/1938.
Durante quatro longas horas, à porta fechada (o discurso não foi divulgado oficialmente nem saiu no “Pravda”), Kruschev dissertou sobre muitos aspetos da ascensão e do exercício do poder por parte de Estaline. Kruschev identificou mesmo Lavrenti Beria, o chefe da polícia secreta, como o autor de muitos abusos, especificando-os. Na ocasião chegou a chamar “inimigo raivoso do nosso partido” a Beria.

Uma grande parte da assistência ficou em estado de choque ao perceber o que realmente tinha acontecido a alguns dos antigos membros do partido e constou-se que alguns delegados presentes na sala sofreram ataques cardíacos e outros suicidaram-se.
Finalmente ficava evidente para os principais membros do Partido Comunista da União Soviética a grande mentira em que se tinha tornado o estado soviético e como o ideário comunista de Marx e Lenine tinha sido tão vilipendiado.

Como já referi o discurso não foi divulgado oficialmente, mas rapidamente chegou ao Ocidente, onde foi analisado com admiração e incredulidade. Não por se duvidar das palavras de Kruschev, mas por elas serem reais e virem do líder máximo do principal inimigo.
O discurso de Kruschev é considerado uma rutura decisiva do PCUS com a megalomania e os abusos do estalinismo, ao mesmo tempo que tenta reabilitar o leninismo e os valores da Revolução Russa.
Pelo seu significado, resolvi deixar-vos um pequeno excerto desse discurso Nikita Kruschev

Estaline criou o conceito do inimigo público. Este termo evitou automaticamente que se provassem erros ideológicos de um ou mais indivíduos envolvidos numa controvérsia; este termo permitiu que se usasse a repressão mais cruel, violando todas as normas de legalidade revolucionária, contra quem discordasse de Estaline, contra aqueles suspeitos apenas de intenções hostis, contra os que gozavam de má reputação….
Essencialmente e de facto, a única prova de culpa, contra todas as normas da atual ciência jurídica, era a «confissão» do próprio acusado; e, como provaram os interrogatórios posteriores, as confissões eram obtidas mediante pressões físicas sobre os acusados.

Isto conduzia às violações gritantes da legalidade revolucionária, e a que muitas pessoas, completamente inocentes, que no passado haviam defendido a linha do partido, se tornassem vítimas.”

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

"AMARRAR O BURRO"

Hoje não escreverei sobre Teatro. Decidi dedicar o post deste dia às palavras e à sua “face oculta”, secreta e íntima, ou seja, a sua etimologia.
Começarei pela letra A e resolvi escolher a palavra AMUAR.
É certo que quem tem por norma amuar face a uma contrariedade não vai gostar muito de ler este texto ou então pensará melhor antes de voltar a amuar…


A palavra aparece pela primeira vez no século XVI e tem origem na raiz mu(l)-  do latim  mulus: “mulo” e “mula”, ou seja o animal resultante do cruzamento de um burro com uma égua ou de um cavalo com uma burra.
O amuo (comportamento de quem amua) é a reação, não raramente excessiva, daquele que procura expressar o seu descontentamento, ofensa ou melindre, através de silêncios prolongados e ataques de mau humor. Presume-se que quem assim procede age como um mulo ou uma mula.

Quer em Portugal quer no Brasil, estes dois substantivos são usados com valor pejorativo: “mulo” é sinónimo de homem viril, com muitas mulheres mas sem filhos; “mula” significa espertalhão, dissimulado.
Não é menos frequente falar-se em “amuo de namorados” com o sentido de “arrufos” ou “desentendimentos passageiros”; ou em “amarrar/prender o burro”, isto é, ficar aborrecido.
Por outro lado, o verbo “amuar” significa teimar com insistência e pode ainda fazer referência ao comportamento dos animais que, em virtude de maus tratos ou cansaço, deixam de reagir, apesar de todos os esforços para que se movam. É talvez devido a esta atitude que se utiliza a expressão “ser teimoso como uma mula”, para aludir à obstinação de alguém por uma determinada ideia, do qual ninguém o consegue demover.


Acho que daqui em diante haverá menos gente a amuar, a não ser que seja teimoso que nem uma mula e resolva amarrar o burrinho em prole do direito ao amuo!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

GRÂNDOLA, VILA MORENA, de Zeca Afonso


Zeca Afonso partiu há trinta e três anos, deixando uma saudade imensa entre os portugueses. Ele era a personificação musical das melhores conquistas do 25 de abril de 1974: liberdade, fraternidade, democracia.
Na década de sessenta e setenta ele foi a voz do povo na luta contra o fascismo, a ditadura, a injustiça social. Sendo assumidamente de esquerda, a sua música estava para além da ideologia e unia pessoas de diversos quadrantes políticos, ideológicos, sociais e geográficos.
Zeca Afonso “fazia” uma música simples, de raiz popular, mas profundamente portuguesa. Há nas suas composições musicais a saudade, a tristeza, a esperança de tempos melhores, assim como a denúncia das injustiças sociais que caracterizavam a sociedade portuguesa do terceiro quartel do século XX.

A sua música era simples sem nunca ser simplória, pois brotava da alma lusitana e nela se reconhecia a esmagadora maioria dos portugueses. As letras comunicavam ideias justas e claras, assumiam posições políticas, denunciavam.
Há muitas canções que ainda hoje são trauteadas por milhões de compatriotas, com emoção. Hoje quero apenas concentrar-me numa “Grândola Vila Morena”. Escolhida pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) para servir de senha/sinal para o começo da Revolução de Abril de 1974, tornou-se um ícone dessa mesma revolução, pois resumia muitos dos valores que se pretendiam restaurar em Portugal: democracia (“o povo é quem mais ordena”), fraternidade, liberdade.

Poucas canções alcançaram aquilo que “Grândola Vila Morena” conseguiu: símbolo duma revolução sem sangue; emblema da recuperação da liberdade de expressão, fator de união entre um povo demasiado oprimido.
Se reparamos bem, não há nada de excecional na letra ou na música, mas a sua simplicidade refletia a limpidez de alma de um povo que procurava renascer dum longo inverno de privações. O povo português revia-se nela, porque ela traduzia os seus desejos mais intrínsecos e básicos.


Passadas três décadas, não encontro outra música que nos unisse tão profundamente como a composição de Zeca Afonso, nem vislumbro algo que defina tão categoricamente um período social e histórico como o “Grândola Vila Morena”.
No meu entender, o grande segredo da música de Zeca Afonso era a sua raiz popular e despretensiosa, mas que ao mesmo tempo penetrante, ousada. Não havia dúvidas sobre o que queria dizer com os “Vampiros” ou “A Formiga No Carreiro”.
Acho que a música de Zeca Afonso foi mais um fenómeno social que político. A música do Zeca trouxe as pessoas para a rua, acordou-as para a vida e pô-las a cantar o que lhes ia na alma. Talvez não fosse má ideia que os músicos portugueses atuais pensassem nisto:
 Que fotografia musical deixaremos destes tempos de frustração coletiva? 

 Gabriel Vilas Boas

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A TEORIA DE TUDO


A poucas horas da entrega dos Óscares, em Hollywood, sucedem-se as apostas sobre qual o filme, o realizador, o ator ou a atriz que levarão para casa a estatueta dourada, símbolo de melhor do ano na sua categoria. Dos oito filmes nomeados para o Óscar de Melhor filme vi quatro, tendo-me referido a três, aqui, no blogue, no espaço dedicado ao cinema. Budapest Hotel; Boywood – Momentos De Uma Vida; Sniper Americano e a Teoria de Tudo, de que falarei hoje.

“A TEORIA DE TUDO”, de James Marsh, é um filme impressionante, tocante, comovedor, a que ninguém fica indiferente. Viu-o esta semana e fiquei esmagado pela história, verdadeira, que transpõe para a tela; pela sensibilidade do realizador, pela performance do ator Eddie Redmayne, que foi muito para além do que seria de esperar.
O filme é baseado na biografia desse génio da cosmologia de Cambridge, o físico inglês Stephen Hawking, a quem foi diagnosticada, há mais de cinquenta anos, esclerose lateral amiotrófica, com uma probabilidade máxima de dois anos de vida.
O filme retrata a vida sentimental, amorosa do físico britânico, que se vê aprisionado no próprio corpo, devido a uma doença degenerativa, enquanto abre portas ao conhecimento do universo através da sua teoria do tempo.


O filme é um hino de amor à vida, onde a capacidade de superação é levada para lá do possível. Eddie Redmayne esteve soberbo na maneira como vestiu a pele de Hawking, pois a exigência a nível físico e emocional era elevadíssima.
O filme não se destaca apenas pela força e superação que avulta na história, mas igualmente pela sensibilidade com que o realizador James Marsh filmou a história, como se comprova pelo delicado e comprometido desempenho dos dois protagonistas, justamente nomeados para Óscar. Na minha opinião, seria da mais elementar justiça Eddie Redmayne ganhar o Óscar de Melhor Ator, pois o modo como agarra o dificílimo papel de Hawking é extraordinário.

Ainda que num segundo plano, também destaco desempenho de Felicity Jones, no papel de Jane Wilde Hawking, que retrata muito bem todo o amor, a dedicação, o esforço, com a primeira esposa de Stephen Hawking viveu largos anos, ao lado do astrofísico inglês. Felicity foi uma fiel intérprete daquilo que Jane contou no livro que deu origem a este filme.
O grande mérito deste filme é a sua alma, a história de Stephen Hawking, que é uma história profundamente humana e universal, revelando que afinal a grande Teoria de Tudo continua a ser esse milagre que se chama AMOR.
Gabriel Vilas Boas

sábado, 21 de fevereiro de 2015

RITA REDSHOES

 

Na noite de ontem, Rita Redshoes esteve em Felgueiras, na Casa das Artes, para apresentar o álbum “Life Is A Second of Love”. Perante um plateia cheia, Rita aqueceu a noite fria e chuvosa com a sua extraordinária voz de cristal, que não falha uma nota e ainda se dá
ao luxo de espantar o público com malabarismos vocálicos e interpretativos.

            “Life Is A Second Of Love” é um album editado em maio de 2014, em que a sedutora cantora dos sapatos vermelhos fala das relações modernas. As doze canções que compõem este recente trabalho de Rita Pereira fazem luz sobre as diversas cambiantes que tornam as relações um mundo tão complexo, por vezes sedutor por vezes pleno de dor.


  Gostei particularmente de três temas: “White lies”, que chama a atenção para as pequenas mentirinhas que minam e destroem as relações; “Love is, Love you”, onde a pureza, a inocência e a crença no amor eterno brotam da letra e da voz de Rita como uma impressão digital; “Blood deal”, em que a cantor recorda que há relações tão mais fortes e profundas que as próprias relações de sangue.
            Sozinha em palco, Rita fazia de cada tema um ser com vida própria, dando uma interpretação coreográfica, sonora e instrumental de tal maneira personalizadas que cada canção conquistava um pedacinho no coração de todo o espectador.



            Rita Redshoes mostrou-se sempre muito segura, desinibida e próxima do público, sabendo gerar uma atmosfera de sorrisos, onde a sua música penetrava de modo descontraído.
O alinhamento escolhido contemplou a recuperação de velhos êxitos como “Dream on Girl”, “Begining Song”; “Captain Of My Soul”, além de "Choose Love". Para o final ficou uma surpresa: Rita sentou-se ao piano, pegou numa pauta de papel e interpretou o belíssimo tema de Joni Mitchell, “Both sides now”, cujo final não resisto a citar
“I've looked at life from both sides now 
From up and down, and still somehow 
It's life's illusions I recall 
I really don't know life at all”

Rita Redshoes segue a rota das estrelas, segura que a sua delicada e cativante música conquistará muitas corações, especialmente aqueles para quem as inquietações da vida e do amor não são coisas sem importância.

Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

PALÁCIO NACIONAL DA AJUDA



Se há palácio que conheço razoavelmente é o Palácio Nacional da Ajuda. Lá já vi importantes exposições, além de o ter visitado apenas com o intuito de conhecer a sua arquitetura e história.
Situado num sítio magnífico, com o Tejo em fundo, o Palácio da Ajuda começou por ser concebido para ser uma espécie de Versalhes da corte portuguesa, mas rapidamente a monarquia portuguesa percebeu que luxos tão grandiosos não estavam ao alcance de bolsas tão pobres.

Edificado entre os séculos XVIII e XIX, o Palácio Nacional da Ajuda serviu, durante dezenas de anos, como residência oficial da monarquia portuguesa. Em 1826, o palácio foi usado pela primeira vez como habitação real, quando nele se instalou a infanta D. Maria, mas apenas em 1861 ganhou o estatuto de residência oficial.
Trata-se duma arquitetura do tipo civil residencial, de estilo neoclássico, com planta quadrada, organizando em torno dum pátio quadrangular quatro alas, cuja volumetria paralelepipédica  é coberta por telhados a duas águas, articulados nos ângulos.


A fachada Este, que depois viria a tornar-se a fachada principal, apresenta uma organização em três corpos, totalmente em pedra de lioz. No nível térreo do corpo central abrem-se três arcos, de acesso ao grande vestíbulo, onde se rasgam grandes nichos preenchidos com estátuas figurando Virtudes. Sobre estes três arcos há a varanda nobre, para onde abrem três janelões retangulares inscritos em arcos de volta inteira e ladeados por colunas.
Este corpo central é rematado por um frontão com armas reais. Os corpos laterais apresentam três ordens de oito janelas e os torreões de planta quadrada surgem com quatro ordens de três janelas, sendo encimados por doze troféus.
O alçado sul organiza-se em três pisos, em cada um dos quais se rasgam dezanove janelas. Uma série de nichos vazios abre-se na base da fachada, o que compensa o desnível do terreno.

No interior, entre as inúmeras salas do Palácio, há a destacar a Sala dos Archeiros (com pinturas nas sobreportas e troféus nos ângulos); a Sala do Porteiro da Cana; a Sala de Espera ou da Audiência (com uma representação do regresso de D. João VI do Brasil), a Sala de D. Sebastião ou dos Cães; a Sala do Despacho ou do Beija-mão (nos muros observam-se seis tapeçarias de Aubussun e no teto uma alegoria da Felicidade Pública de Wolkmar Machado); a Sala da Música; a Salinha de Saxe e a Sala de Mármore ou Jardim de inverno.


No segundo andar, registe-se a Sala Oriental (dotada de mobiliário japonês e chinês); a Sala de D. Fernando (decorado ao estilo holandês e alemão), a Sala Império (decorada com três tapeçarias de Aubussun); a Sala dos Gobelins (com tapeçarias cuja temática são os costumes turcos); a Sala do Trono (com um pé direito muito alto, apresenta uma composição temática alegórica no teto, da autoria de Máximo dos Reis); a Sala dos Embaixadores (de planta elíptica e totalmente revestida de placagem de mármore); A Sala de Jantar (com trabalhos em talha de Leandro Braga); A Sala do Corpo Diplomático, a Sala de D. João VI e a Sala da Aclamação ou da Tocha.


Para quem gostar de experimentar todo o tipo de estilos decorativos e mais algum tem no Palácio da Ajuda um manancial único. Para quem gosta de ver um Palácio com identidade própria, fruto dum arquitetura de época ou dum estilo de decoração uniforme, o Palácio da Ajuda exagera claramente na oferta ao visitante.

De qualquer modo, o Palácio Nacional da Ajuda é um dos palácio-referência em Portugal e qualquer um de nós não pode deixar de experimentar todas as sensações que ele proporciona.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

ANTÓNIO GEDEÃO


Até 1996 conhecia mal António Gedeão. Como a maioria dos portugueses, sabia que tinha escrito a “Pedra Filosofal”, esse extraordinário poema sobre o sonho feito vida, que Manuel Freire transformou em canção e deu a conhecer aos outros 99% que não se interessam por poesia.
Nesse ano final de ano de 1996, resolvi escolher a poesia de António Gedeão para a minha primeira avaliação de estágio profissional e lancei-me na extraordinária aventura de descobrir este poeta. E foi uma descoberta maravilhosa.
O magnífico professor de Físico-Química, Rómulo de Carvalho, foi poeta ainda mais valeroso. Entre 1956 e 1967, António Gedeão (pseudónimo literário do professor Rómulo de Carvalho) escreveu poemas de grande qualidade poética, literária e humanidade.


Logo em “Movimento Perpétuo” (1956) declara acerca do Homem

“É inútil definir este animal aflito
Nem palavras
Nem cinzéis
Nem acordes,
Nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão,
Pincelada de zarcão
Desde mais infinito a menos infinito.”

E acrescenta em “impressão Digital”

Os meus olhos são uns olhos
E é com esses olhos uns
Que eu vejo no mundo escolhos
Onde os outros com outros olhos
 não veem escolhos nenhuns”

para nos explicar que somos diferentes e por isso temos diferentes interpretações duma mesma realidade, sendo que a nossa interpretação não é melhor nem pior do que a do outro. Mais do que afirmar a “impressão digital” de cada personalidade, acho que António Gedeão quis provar que o respeito perante o outro é uma atitude sábia e justa.

Ainda neste primeiro livro de poemas, António Gedeão deixou a sua pedra poética mais preciosa e famosa: Pedra Filosofal. É um poema longamente belo, onde o professor de Física e de Química utiliza as duras palavras da ciência para provar quanto ela reluzem dentro do poema.
Quando Manuel Freire o transformou em música, toda a gente pode perceber o magnífico trabalho poético feito por António Gedeão e rapidamente a canção foi adotada como um hino de todos aqueles que almejavam o regresso da liberdade em Portugal.



Em 1958, António Gedeão publica “De Teatro do Mundo” que contém, entre outros, o poema Calçada de Carriche, onde António Gedeão chama a atenção para o corre-corre extenuante de muitas mulheres do povo que viviam a mil à hora, desdobrando-se em múltiplas tarefas, diariamente, sem nunca desfrutarem duma folga, dum momento de descanso. A chave do poema é o ritmo. Feito de versos curtos e repetições, se declamado apropriadamente, a impressão que causa no leitor é a sensação extenuante duma vida pesada, vivida por muitas mulheres portuguesas. Cinquenta anos de depois, este poema continua a fazer muito sentido.
A década de sessenta do século passado dará à luz mais dois livros de poemas do autor de "Pedra Filosofal". No primeiro – Máquina de Fogo – destacam-se dois poemas: Lágrima de Preta e Dia de Natal.
“Lágrima de Preta” é a mais bela demonstração científica da estupidez do racismo. Aprendemos este poema nos bancos da escola, mas a sua mensagem, infelizmente, ainda não foi captada por todos.

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
(…)
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.



O poema "Dia Natal" é um exercício irónico sobre a hipocrisia de muitos pseudo bons sentimentos de pacotilha.

“Hoje é dia de ser bom
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças
De falar e de ouvir com mavioso tom
De abraçar toda a gente e de oferecer lembranças”

No quatro livro publicado – Linhas de Força (1967) – António Gedeão brinda-nos com “Poema para Galileu”, de quem falei há dias. Trata-se de mais um poema longo, que relata a história de Galileu e a paciência do velho matemático e astrónomo com a intolerância humana quando vê ameaçado o seu irrisório poder. 


"(…)
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,

por isso era teu coração cheio de piedade,

piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos

a quem Deus dispensou de buscar a verdade. 

Por isso estoicamente, mansamente, 

resististe a todas as torturas, 

a todas as angústias, a todos os contratempos, 

enquanto eles, do alto incessível das suas alturas, 

foram caindo, 

caindo, 

caindo sempre, 

e sempre, 

ininterruptamente, 

na razão direta do quadrado dos tempos. "



Pouco depois de ter conhecido tudo isto e muito mais, António Gedeão deu por finda a sua longa viagem no planeta Terra. Foi a 19 de fevereiro de 1997. E eu fiquei extremamente grato a quem me obrigou a tropeçar em mais que uma pedra filosofal, o que mudou para sempre a minha consideração por este excecional poeta.

Gabriel Vilas Boas