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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O PADRE ANTÓNIO VIEIRA, PORTUGAL E EU


O Padre António Vieira é um dos maiores génios da literatura e do pensamento português. Nasceu há 407 anos para nos brindar com uma escrita cheia de pedras preciosas, que tornavam ainda mais brilhantes as ideias que proclamava nos sermões e nas castas.

O Padre António Vieira é barroco dos pés à cabeça, mas é dos poucos artistas desta época que me faz admirar este tipo de arte. Considero-o um ourives da língua, pois trata as palavras e o discurso com a arte, a paciência e a coerência artística de um mago. 

Conhecemo-lo dos bancos de escola quando estudámos o Sermão de Santo António aos Peixes; sabemos que lutou como um louco contra a escravatura, conhecemos a sua coragem física e intelectual ao denunciar a máquina de tortura em que se tornou a inquisição, mas há muito mais a descobrir por entre os seus maravilhosos escritos em que se contam mais de duzentos sermões e setecentas cartas. 

O “discurso” do padre António Vieira está muito para além do teológico e do filosófico, já que tem muito de político. Um discurso político universal e… nacional. Ele não foge à concretização das suas ideias. Releio algumas das suas frases sobre Portugal e os portugueses e elas fazem tanto sentido em 2015. 

Há mais de trezentos anos, o padre Vieira escreveu que “enquanto Portugal teve homens de "havemos de fazer" (que sempre os teve) não tivemos liberdade, não tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos homens de "quid facimus" (que fazemos), logo tivemos tudo.”, a que acrescentou noutro discurso “Todos os que na matéria de Portugal se governaram pelo discurso, erraram e se perderam.”




Infelizmente não saímos disto. Há, em quem nos governa, uma grande tendência para o adiar a resolução dos problemas reais dos portugueses. Morrem pessoas por falta de medicamentos, chegam crianças com fome aos hospitais, aumenta o desespero e a pobreza entre a população há longo tempo sem emprego que lhe restitua dignidade. 

Entretanto sobram gladiadores da palavra que acham maravilhoso brincar com os vocábulos numa qualquer assembleia da república, completamente alienada da realidade daqueles que dizem representar. Volto a António Vieira: “A peste do governo é a irresolução. Está parado o que havia de correr, está suspenso o que havia de voar, porque não atamos nem desatamos.”

E por que é isto acontece? Quem nos governa há muito perdeu a dimensão humana! Dizem que é demagógico e populista aquele que defende um serviço nacional de saúde forte e capaz de proteger a enorme legião de pobres e desprotegidos que vagueiam à porta dos nossos hospitais, e falam de honradez, quando nos dizem que temos de pagar, a tempo e horas, os empréstimos que contraímos para salvar Bancos privados de gente corrupta que desapareceu com milhões e milhões, escondidos numa qualquer offshore duma ilha mais à mão. 

Neste momento é impossível não recordar a sabedoria daquele jesuíta do século XVII que tanto incomodava o poder da altura: “O não ter respeito a alguns, é procurar, como a morte, a universal destruição de todos.”

Em tempos difíceis, em que sobressai o pior dos impreparados que nos governam, é bom saber que há almas e inteligências como as do padre António Vieira, que nos recordam, com clareza, o essencial e não nos deixam apodrecer a alma e o espírito. No entanto, isso não ilude o problema que vivemos nem nos pode fazer desconsiderar a força do inimigo. Tal como António Vieira também acho que “os inimigos que mais temo a Portugal são a soberba e a ingratidão, vícios tão naturais da próspera fortuna que, como filhos da víbora, juntamente nascem dela e a corrompem.”


Gabriel Vilas Boas

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