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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

OBVIAMENTE, UM GENERAL SEM MEDO






Aquilo que as salas de cinema deviam estar a passar neste dia chuvoso, em vez de um filme erótico de segunda classe, era, sem sombra de dúvida, o filme de Jorge Campos “POR AMOR AO PORTO”, de 2008, que homenageou um dos homens mais relevantes do século XX em Portugal – Humberto Delgado, e assinalou um dia cheio de sol no longo inverno da ditadura salazarista: 14 de maio de 1958, dia em que o Portugal que amava a liberdade não aguentou mais o desejo reprimido e foi esperar o seu salvador à estação de S. Bento, no Porto.   
Hoje passam 50 anos sobre a data do assassínio do general Humberto Delgado por essa máquina de cobardes, investida de “ polícia de defesa do Estado” que se chamou Pide. Não é uma data para comemorações, mas para recordações. É bom lembrar de que material era feito o regime para os saudosos das vitórias incontestadas na secretaria, mas é, sobretudo, importante relembrar que “até numa noite triste, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não.”


O filme/documentário de Jorge Campos sobre esse monstro sagrado da liberdade e da democracia que dava pelo nome de Humberto Delgado devia ser mostrado nas escolas e exibido nos cinemas para que a memória não se apague e os poucos bons exemplos da nossa história coletiva encontrem eco nos jovens que descrêem da classe política.
Humberto Delgado tinha aquela voz possante de homem determinado e frontal que sabe o que quer para os seus e não está disposto a negociar a democracia nem a liberdade. Por isso não teve medo de declarar em campanha OBVIAMENTE, DEMITO-O.
Aquela receção no Porto, de que só temos registos fotográficos, é obviamente impressionante e carimba sem censura as eleições de 1958 como as mais fraudulentas da nossa História. Claro que o coração de Humberto Delgado só podia ficar no Porto, como havia ficado o de D. Pedro. A mística protestante do Porto afrontou o medo e o poder percebeu claramente a sua ilegitimidade.
O homem que Casimiro Monteiro assassinou sob as ordens desse terror de pessoa chamada Rosa Casaco conseguiu convencer a oposição a unir-se e o povo a sair à rua para vitoriar aquele que nos devia ter governado na década de sessenta.



Mas, obviamente, um regime inspirado em Mussolini não permitiria que o seu poderzinho fosse posto em causa por um general sem medo. Usou todos os truques sujos, alguns hilariantes.
O filme de Jorge Campos relembra o silenciamento do Rádio Clube Português, a proibição dum comício de Humberto Delgado, em Braga, com a desculpa que desestabilizar as cerimónias religiosas – logo nós que desde 1910 éramos um Estado laico – a polícia, a Pide e a GNR a cercarem sempre o general de modo a que este não pudesse ser saudado por quem o quisesse ver e ouvir…

Há 50 anos desceu uma grande sombra sobre Portugal. Todos perceberam que não era possível derrotar honestamente um regime desonesto, porque este usava todos os meios para se perpetuar no poder. As eleições que elegeram Humberto Delgado, perdão, Óscar Carmona, em 1958, foram uma fraude completa.
O sentimento de derrota e de desânimo, apoderou-se dos portugueses ao mesmo tempo que a repressão afiava ainda mais as suas garras. Não lhe bastou exonerar Humberto Delgado do exército, obrigá-lo ao exílio no Brasil; tinha de o matar, pois até a sua sombra era demasiado poderosa. Mas era uma sombra boa e vigorosa, porque trazia o doce sorriso da liberdade e da democracia que tinha desaparecido do rosto dos portugueses.
Gabriel Vilas Boas

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