No
domingo passado estive no Teatro Nacional São João, no Porto, a assistir à mais
importante de peça de Tennessee Williams, “Gata em Telhado de Zinco Quente”, cuja
encenação é assinada por Jorge Silva Melo, que dirige um conjunto de atores
onde se destacam Catarina Wallenstein, Rúben Gomes e Américo Silva.
Foi
uma extraordinária tarde de teatro, porque o texto do dramaturgo americano é de
grande qualidade e também porque a performance das interpretações artísticas dos
atores dos “Artistas Unidos” foi superlativa, o que não espanta dada a
encenação estar a cargo de Jorge Silva Melo, um dos encenadores com maior
cartel no panorama teatral português.
Como
o próprio Tennessee Williams reconheceu, “Gata em Telhado de Zinco Quente” é
provavelmente o mais extraordinário texto deste autor, aquele onde o texto dramático
mais se aproxima da obra de arte. Para quem não conhecia a versão escrita da
peça (tal como a grande maioria das pessoas apenas tinha visto o filme
homónimo, onde contracenaram Elizabeth Taylor, Paul Newman e Burl Ives), o
texto revela-se uma preciosidade. A peça de T. Williams tem consistência; nela
as personagens são divertidas, credíveis e comoventes. Além disso, a peça obedece
àquele preceito aristotélico segundo o qual, uma tragédia deve ter uma certa
unidade de tempo, espaço e uma certa grandeza no seu tema.
Se
repararmos bem, o cenário de Gata em Telhado de Zinco Quente nunca muda e o
tempo de representação é exatamente o tempo da ação. O tema central é a
falsidade generalizada na nossa sociedade.
A
peça é longa, mas a qualidade literária e cénica do texto assim como o talento dos atores prende o espetador sem que este dê pela passagem do
tempo.
No
início, brilha a naturalidade e sensualidade da "gata" Catarina Wallenstein, no
papel de Maggie, um jovem mulher que a frustração amorosa tinha levado a
seduzir um rapaz que não a desejava. Esse equívoco/desespero é uma das razões da revolta de Brick (Rúben Gomes) que afoga no álcool toda a frustração duma
vida falhada. No entanto, a persistência de Maggie há de obrigar, literalmente,
Brick a voltar à cama, até porque ela lhe confisca a garrafa…
Com
o decorrer da peça vamos percebendo que aquela é a história dum casamento
destruído pelo álcool, pela ausência de filhos, pelos mistérios e pela mentira.
No
meio do labirinto em que se tornou a vida daquela numerosa e rica família do
sul da América do Norte, vive-se sob o espectro da doença incurável do
patriarca (Papá Pollit), que levanta o inevitável problema da herança e quem a
governaria. Enquanto uns tentavam fugir à morte, declarando amor à vida (Papá
Pollit), outros jogavam a cartada oportunista dos filhos para aceder ao domínio
da herança (Ema e Gooper), e havia quem fugisse ao encontro consigo e teimasse em
manter-se enredado na teia do álcool – Brick.
O
nó será desatado no segundo ato, quando o Papá Pollit obriga o filho Brick à
conversa de que ele fugia desde o início. É um diálogo fantástico, onde o ator
Américo Silva tem uma interpretação muito boa, pois consegue transmitir à sua
personagem uma espécie de eloquência em estado bruto que prende a assistência e
convence o filho a encarar os seus problemas.
Quando
finalmente todos se vêem no espelho da vida, a hipocrisia cede lugar à crueza
da realidade e da verdade. E ainda que a morte faça a visita esperada, há uma
cama onde se começa a desenhar a vida mais esperada.
Gabriel
Vilas Boas
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