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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

CARLOS PAREDES


Certo dia, enquanto conduzia, fui surpreendido pelo som duma guitarra portuguesa tão virtuosamente dedilhada que me levou às lágrimas, em segundos, sem que nenhum pensamento anterior o justificasse.
Impressionou-me aquele poder invasor e procurei saber que música era aquela que tão fortemente me despia e magoava. De imediato só soube o nome do seu autor: Carlos Paredes. Quando cheguei a casa, procurei ouvir outras obras de arte suas e percebi que “aquilo” não fora um acaso.
Carlos Paredes foi um dos maiores cultores da guitarra portuguesa do século XX. Há na maioria das suas peças musicais uma melancolia, uma tristeza, uma saudade, um desencanto tão portugueses que em poucos segundos descortinamos a difícil vida que os nossos avós levaram em meados do século XX.
Carlos Paredes foi gerado num berço de guitarristas extraordinários, pois o seu pai, Artur Paredes, e o seu avô, Gonçalo Pares eram figuras tutelares da guitarra portuguesa e do fado coimbrão. Mas Paredes criou uma forma própria de tocar, diferente da do pai e da do avô, que conquistou o público português, que sentia que da sua guitarra saiam as angústias, os medos, as ilusões e desilusões que só os poetas como Manuel Alegre sabiam dizer.
Carlos Paredes dedilhava a alma portuguesa em concertos que se ouviam em silêncio reconhecido. Tocando guitarra desde os quatro anos, o filho de Artur Paredes foi aprimorando a sua técnica, exigindo sempre muito de si. Por vezes interrompia os seus concertos, pedia desculpa ao público e recomeçava, porque houvera uma nota que não fora tocada com a total sapiência dum mestre.

Delicado, discreto, algo tímido, Paredes sofreu, como muitos compatriotas, as vergastadas do regime salazarista e esteve preso alguns meses, dado que a sua ligação ao Partido Comunista era evidente. Todavia recusou tirar partido desses momentos de sofrimento na primavera de 1974, porque “havia muitos que tinham sofrido mais”. E sobretudo soube perdoar a quem o traiu, no hospital de S. José, e o denunciou à Pide.
O seu primeiro álbum surgiu apenas aos 42 anos – “Guitarra Portuguesa” – fruto da grande exigência que punha em tudo aquilo que compunha; “Movimento Perpétuo”, em 1971 é considerado a sua obra-prima e é um daqueles CD que qualquer biblioteca musical não pode dispensar. Até à viragem do século ainda editaria mais quatro álbuns, ao mesmo tempo que emprestaria a magia da sua guitarra para filmes e peças de teatro. Tocou com Rui Veloso, António Vitorino de Almeida, Carlos de Carmo, Adriano Correia de Oliveira, entre todos.
Tocou a alma portuguesa, tocou Coimbra e tocou Lisboa, tocou o amor, a saudade e a dor, até que a doença o impediu de tocar mais. Foi em 2003 que a mielopatia nos roubos o som da guitarra de Carlos Paredes.
A guitarra fora sempre o grande amor da sua vida e não concebia a ideia de separar-se dela.

“Quando eu morrer, morre a guitarra também.
O meu pai dizia que, quando morresse, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele.
Eu desejaria fazer o mesmo. Se eu tiver de morrer.” – Carlos Paredes


Gabriel Vilas Boas

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