A questão das
pensões de Reforma é uma questão que baila no subconsciente da maioria dos
portugueses, suscitando vários sentimentos: preocupação, medo, raiva,
indignação…
O sistema português
de segurança social não é perfeito, tem entorses de conceção, mas foi desenhado
com razoável preocupação social pela Democracia de Abril. É uma conquista do
regime democrático tão relevante como o Serviço Nacional de Saúde, o sistema de
ensino público ou a própria liberdade. Agora que vemos fugir grandes fatias
desses bens tantas vezes desdenhados é que começamos a perceber que tínhamos uma
segurança social e um sistema de pensões razoáveis. Tínhamos… já não temos. Atualmente,
as pensões de reforma, em Portugal, caminham inexoravelmente para a repetição das
injustiças de toda uma vida de trabalho.
É verdade que o
sistema apenas tinha capacidade para cumprir 70% das promessas que fazia e que
o aumento da esperança média de vida agravou a situação. Talvez por isso os
portugueses tenham aceitado com poucos resmungos a subida da idade da reforma
para os 65 anos, o que para muitos representa mais uma década de trabalho do
que a expectativa inicial.
No entanto, o
sentimento de aceitação dolorosa muda para indignação, raiva e repulsa, quando os
governantes reduzem as pensões médias a meros suplementos de sobrevivência
quase semelhantes ao rendimento mínimo. Fazem isto com pessoas que
trabalharam durante 40 anos (!!!),que fizeram os descontos que as leis foram
ordenando e que agora estão frágeis, muitas vezes doentes, isolados nas suas
casas cheias de maleitas, sem força nem vontade de viver.
É sobre esta gente que trabalhou durante quarenta anos, para terminar os seus dias a auferir 800/900 euros e cuja reforma não ultrapassa os 500/600 euros, que o ministro Marques Guedes acha que é preciso rever em baixa as pensões “porque não podemos enfiar a cabeça na areia”, pois a “sustentabilidade das pensões está em causa”.
Talvez Marques Guedes
tenha razão. Com tantos desempregados, com tantos velhos pobres e doentes, é
impossível continuar a garantir reformas superiores a 5000 euros a gente que
trabalhou 15/20 anos e usufruirá dessa reforma durante 30 anos.
Já perceberam o
desequilíbrio? Quarenta anos a trabalhar e um choradinho obsceno para pagar
500/600 euros durante 15/20 anos; e vinte anos a trabalhar e toda a abertura para
pagar uma reforma de 5000 euros durante 30 anos. Que indignidade obscena!
A solução política
dos nossos governantes (que nos conduziram em menos duma década a uma penúria
humilhante no contexto europeu) é aprofundar esta linha.
Quando Marques Guedes
fala em consenso político, alude a mais um “arranjinho” com o PS, na senda do
que já aconteceu com o BPN, BCP e BES.
O nosso querido
ministro acerta quando diz que “não podemos enfiar a cabeça na areia” e fingir
que o problema não existe, só que o “nós” é mesmo o “nós – classe política” e
não o “nós – portugueses”.
Entretanto, vão-nos
servindo justificações falsas, acenando com os papões comunistas e a força dos
mercados, com a mesma desfaçatez com que escondem o património em qualquer
off-shore em contramão.
Aproveitam o nosso
jeitinho inigualável para a inércia, o nosso medo congénito de cortes radicais
com aquilo que nos apodrece, amesquinha e humilha.
Qualquer pessoa
decente percebe que não se pode pagar reformas elevadíssimas a partir dos 50
anos; qualquer ser decente conclui que é viável pagar pensões mínimas iguais ou
um pouco superiores ao salário mínimo nacional aos mais necessitados.
Refuto a ideia de que nesse caso o orçamento
de estado seria chamado a contribuir e isso seria inaceitável. O orçamento sempre
contribuiu e sempre contribuirá. Mas neste caso é para garantir a dignidade na
velhice e não para assegurar que uma trupe de ladrões nos goza três vezes durante
dez anos, levando bancos privados à bancarrota.
Gabriel Vilas Boas