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terça-feira, 3 de março de 2015

VERSÃO MODERNA DO AUTO DA BARCA DO INFERNO - JOSÉ "FIDALGO" SÓCRATES




DIABO: Ó poderoso Sócrates, que coisa é esta? Que vos traz por cá?
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Estava farto da prisão! Achei que era melhor falecer! Pior diabo que o juiz Carlos Alexandre não deve haver!
DIABO: Fizeste bem! Falecer é coisa boa, especialmente numa pessoa do vosso nível!
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Ainda bem que alguém reconhece. Sabes, têm-me tratado mal. Deixei de viajar, de dar entrevistas, de mandar os meus «bitaites» sobre o governo e agora acusaram-me de corrupto. Tudo sem provas! Uns canalhas!
DIABO: Mas como tinhas dinheiro para aqueles luxos em que vivias?

JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Não tinha! Era o meu amigo Zé Carlos que pagava sempre tudo. Somo amigos desde pequenos. Já nessa altura o Zé Carlos recebia de quem me devia!
DIABO: Afinal o dinheiro sempre era teu…
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Não era nada. Era do Carlos. É um amigo do peito e generoso. Quer ver? Olha, até o trouxe comigo! Carlos, anda aqui cumprimentar o Dr. Cornudo.
DIABO: Mau, começamos mal! Cornudo é a mãezinha.
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: A mãezinha não! A minha mãezinha é uma santa. Sempre que havia encrenca, eu telefonava à mãezinha e ela lá assinava mais um papel que me livrava de suspeitas.
CARLOS SANTOS SILVA: Algum problema, chefe? É preciso fazer algum pagamento? Eu trouxe a carteira (e exibe a carteira recheada de notas) e o livre de cheques.
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: (Algo impaciente): Não é nada disso, burro! É só para cumprimentar aqui o senhor… como disse que se chama?
DIABO: Não disse!


JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Também não importa. O que importa é que queria apresentar-lhe o meu amigo Carlos, que me acompanha para todo o lugar que é preciso.
CARLOS SANTOS SILVA: É verdade, senhor. Só não vou atrás do Sócrates para a casa de banho.   
DIABO: Olhe que daqui a pouco também se vai pagar para fazer chichi! Com o governo do Passos só não se paga se roubar, subornar, aldrabar!
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: É por isso que eu não entendo porque fui preso! Fiz tudo como o Paulo Portas, mas enquanto ele passeia de submarino eu passeio no pátio da prisão.
DIABO: Deixa lá Zé, agora estás aqui! E boa companhia não te vai faltar! Temos ali o Duarte Lima e logo à noite chega mais alguém que tu conheces…
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Adoro surpresas! Se for a Teresa Guilherme ainda vamos brincar ao quarto escuro!
DIABO: Tu vais é brincar ao José Ratão que caiu no Caldeirão. Anda cá que o teu lugar é no inferno.
(foge para o outro lado da sala/palco)


JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Mas tu estás doido? Eu só vim ver a bola. Tu cheiras mal! E eu vou para outro tribunal que tu és do PSD e só me queres mal. Carlos traz o banco que vamos recorrer para o Tribunal desta menina que tem cara de anjinha!
CARLOS SANTOS SILVA: O banco, chefe?! Mas o BES foi à falência e agora já ninguém nos empresta dinheiro.
JOSÉ “FILDALGO”SÓCRATES: Não é desse banco que estava a falar, seu estúpido. É do banco onde estás sentado. Leva o banco para junto daquela menina vestida de banco e espera lá por mim, que antes desse encontro tão importante quero fazer a minha corridinha diária.
(José Sócrates tira o casaco e corre um pouco à volta do palco. Faz algumas flexões. Depois cheira a axilas – que cheiram mal – perfumar-se, penteia o cabelo e dirige-se todo sorridente para junto do anjo)
 ANJO: Que me queres homem presumido?
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Presumido, eu??? Bonito, queres tu dizer! Fica sabendo que fui eleito o segundo mais bonito primeiro-ministro da Europa.

ANJO: E o primeiro mais corrupto!
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Que corrupto! Eu não tenho nada de meu! Aliás toda a gente sabe que vivo da caridade aqui do meu amigo Carlos! Não é Carlinhos?
CARLOS SANTOS SILVA: (distraído)… falsidade? Não há falsidade nenhuma, menina. O Zé é um anjo!
ANJO: Um bom anjinho saíste-me tu, seu nabo! Vamos ao que importa: não há lugar aqui para ti!
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Não me diga uma coisa dessas, menina! Eu estou farto da comida da prisão, eu estou farto dos jornalistas e detesto gente com cornos.
ANJO: Pois… não sei que te faça: Olha pede ajuda à tua mãezinha… ehehehe… Mas agora desampara-me a loja.


JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: És uma ingrata. Não reconheces tudo quanto fiz pelo meu país: meses e meses a enganar a gorda da Merkel para nada.
ANJO: A enganar a Merkel e a afundar o país. Desaparece-me da vista, seu vigarista!
(Cabisbaixo, José Sócrates chora no ombro do amigo. Abraçam-se e ambos caminham em direção ao DIABO)
DIABO: Sócrinho, Sócrinho, não chores, não chores… anda cá ao tiozinho!
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Não me apetece, estuporzinho! Vou voltar ao meu mundinho, e pedir ajuda ao meu padrinho!
DIABO: Ao teu padrinho? Ahahah! A quem? Ao velho gagá Mário Só Ares? Deixa-te disso, morreu ontem! Já vem a caminho! 
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Isso não foi porreiro, pá! Carlos, ainda temos dinheiro para subornar o cornudo?
CARLOS SANTOS SILVA: Gastamos quase tudo em Paris! Agora só temos ações do BES!
DIABO: Isso não vale nada, ó gordo. Zé, desiste. Aqui deixas de ser o 44 e passas novamente a n.º1
JOSÉ “FIDALGO” SÓCRATES: Volto ao governo? Volta a mandar? Porreiro, pá. Aceito!

(Dá um abraço ao diabo, empurra o amigo para dentro e entra contente).

GAVB

terça-feira, 26 de agosto de 2014

MILLÔR FERNANDES


“O homem é o único animal que ri. E é a rir que ele mostra o animal que é!”





Millôr Fernandes é uma figura incontornável da literatura, do jornalismo e, sobretudo, do humor brasileiro do século XX.
Millôr tinha um especial talento para a tirada certeira, muito bem-humorada e satírica. Pelas redes sociais encontramos dezenas de frases do escritor brasileiro que analisam com ironia e uma boa gargalhada o ser humano em geral e o brasileiro em particular.
Millôr Fernandes era um génio e como todos os génios não cabe num espartilho por muito dourada que seja a gaiola. Escritor, desenhador, tradutor, jornalista, dramaturgo, Millôr deixou a sua marca na sociedade brasileira, pela maneira incisiva com a fotografou em pequenas legendas que ficaram célebres.

Hoje, apenas recordo a sua faceta de dramaturgo. O teatro brasileiro fica-lhe a dever duplamente: enquanto tradutor de grandes textos dramáticos e enquanto criador. Millôr costumava dizer com graça que para “traduzir é preciso ter todo o rigor e nenhum respeito pelo original”. Foi com esse espírito que os brasileiros conheceram o “Hamlet” de Shakespeare, “O jardim das cerejas” de Tchekov, “Assim é se lhe parece” de Pirandello ou a “Antígona” de Sófocles entre mais de setenta peças de autores estrangeiros.
Ao mesmo tempo que lutava contra a ditadura militar nas colunas dos jornais ou criticava instituições estabelecidas e ideologias perenes, Millôr Fernandes criava as suas próprias peças de teatro. Entre 1950 e 1984, escreveu mais de vinte textos dramáticos, todos eles eivados de humor.


No entanto, as comédias de Millôr não buscavam o riso pelo riso. A ironia e a sátira são permanentes na sua obra e estão ao serviço da análise social, cultural e histórica. Ainda recentemente vi, em Amarante, um grupo de teatro amador de Valongo – A Retorta – levar à cena “A História é uma história”, escrita por Millôr Fernandes em 1977. Nesta peça, a História da humanidade é passada em revista desde os primórdios até à atualidade, dum modo muito sintético e muito bem -humorado.
Todavia, o melhor do dramaturgo brasileiro está em peças como “U elefante no caos” (1960), “Flávia, cabeça, tronco e membros” (1963), “É…” (1976) – unanimemente considerada a mais madura peça de Millôr, não só pela crítica como pelo público – e “Os órfãos de Jânio” (1980).
No teatro como na vida cívica, Millôr é fiel aos seus princípios: criticar é uma arte que se deve fazer com humor, ou não fosse ele um brasileiro, povo para quem até o assunto mais circunspecto deve ser levado a brincar. No entanto, essa é uma visão simplista e muito ligeira para caracterizar uma mente brilhante como é Millôr. Ele possuía um agudo sentido crítico, uma cultura multidisciplinar e uma cidadania incorruptível de que não abdicou mesmo quando o Brasil suspendeu a democracia.


A melhor homenagem que podemos fazer a Millôr Fernandes é procurar uma das suas peças e lê-la com atenção. No fim, o nosso espírito pedirá outra fatia “Millôr”, pois Millôr é melhor que sobremesa porque apetece sempre repetir e não faz mal ao colesterol.

Gabriel Vilas Boas

terça-feira, 8 de julho de 2014

O MISANTROPO, de MOLIÈRE



   Molière é dos dramaturgos mais famosos de todos os tempos. O escritor francês viveu no século XVII e conviveu com toda a frivolidade cortesã da corte de Luís XIV, sendo, por isso, um atento observador dos defeitos morais da sociedade francesa do seu tempo. Captou-lhe os tiques, as fraquezas morais, as modas da classe dirigente, a entourage que vivia à sua custa.As suas peças são maioritariamente comédias satíricas que visam de modo direto os costumes sociais, por vezes, muito censuráveis.

   Hoje falo-vos do MISANTROPO. Esta peça foi escrita no curioso ano de 1666 e parodia um homem assumidamente anti-social que recusa todas as regras e convenções da sociedade em que vive e não considera ninguém suficientemente digno de se lhe comparar. 
   Esse homem é Alceste, o misantropo, que odeia o falso honnête-homme e todas as hipocrisias que rodeiam a corte. Molière, como a maioria dos escritores da época, frequentava a corte e por isso sabia bem do que falava.
   O que prende leitor e espetador é a ironia que perpassa a vida do misantropo. Alceste, o homem que se autoexclui da sociedade porque se revolta contra a hipocrisia da maioria das relações sociais acaba por se apaixonar por uma viúva jovem vaidosa e deslumbrada, que tem o comportamento exatamente oposto ao dele. Não há nada em comum entre eles.


   O embate de Alceste com sua amada Célimène é contado em cinco atos, com uma homogeneidade perfeita em versos de rimas ricas. 
   Alceste é obrigado a frequentar a corte que tão abominava, por amor de Célimène e isso torna-o um ser melancólico e enfastiado com a hipocrisia reinante na corte de Luís XIV. 
   Alceste vive duplamente angustiado: com a personalidade da mulher que ama e com ele, por não se sentir corrompido por um modelo social que detesta, mas que o envolve. 

  Além do drama de Alceste e da irónica lição de moral que Molière prega ao seu excesso e rígido moralismo, a comédia O MISANTROPO concentra-se em fotografar a alta burguesia, a nobreza e a realeza do século XVII, através de um retrato claramente exagerado. Aliás, a única maneira de criticar algo ou alguém na altura seria exagerar determinadas características para não ofender directamente os visados.

    Philinte, amigo de Alceste, tenta constantemente chamá-lo à conveniente razão e tenta fazer com que o amigo veja que é necessário, muitas vezes, ceder ao cinismo e à hipocrisia para alcançar a paz e o sucesso social. É necessário usar máscaras para nos integrarmos. 

    No entanto, Alceste não atende às razões do amigo. Ele continua a pugnar por um mundo ideal. Jamais aceita que a vida em sociedade exige uma série de relações convencionais e superficiais. É impossível tornar amizades de dois dias em amizades de dois anos; é inviável pensar que todos têm as melhores intenções a nosso respeito, especialmente quando aceitamos como humanos certos defeitos morais como a inveja, o orgulho, a vaidade ou a arrogância. Para viver em sociedade, torna-se, então, imperioso fingir, ou seja, ser hipócrita.
 


   A comédia satírica de Molière aborda ainda outros motivos através das diversas personagens que compõem o enredo. Temos um cortesão com pretensões a literato, evocando o cómico e o ridículo (Oronte), uma "coquette" (Célimène), uma rapariga estranhamente sincera considerando o meio em que se insere (Éliante), uma falsa puritana (Arsinoé) e mais algumas personagens sem grande relevância mas que provocam umas quantas gargalhadas. 
   Como resolve Molière o drama de Alceste? Inovando! A inovação de Molière em O Misantropo é a introdução de uma carta que vai desmascarar Célimène e que vai pôr em evidência um dos ensinamentos daquele século: as confidências são perigosas e para estarmos bem com todos é necessário ser dotado duma grande “qualidade” social: a hipocrisia.

Gabriel Vilas Boas