“O homem é o único
animal que ri. E é a rir que ele mostra o animal que é!”
Millôr Fernandes é
uma figura incontornável da literatura, do jornalismo e, sobretudo, do humor
brasileiro do século XX.
Millôr tinha um
especial talento para a tirada certeira, muito bem-humorada e satírica. Pelas
redes sociais encontramos dezenas de frases do escritor brasileiro que analisam
com ironia e uma boa gargalhada o ser humano em geral e o brasileiro em
particular.
Millôr Fernandes
era um génio e como todos os génios não cabe num espartilho por muito dourada que
seja a gaiola. Escritor, desenhador, tradutor, jornalista, dramaturgo, Millôr
deixou a sua marca na sociedade brasileira, pela maneira incisiva com a
fotografou em pequenas legendas que ficaram célebres.
Hoje, apenas
recordo a sua faceta de dramaturgo. O teatro brasileiro fica-lhe a dever
duplamente: enquanto tradutor de grandes textos dramáticos e enquanto criador.
Millôr costumava dizer com graça que para “traduzir é preciso ter todo o rigor
e nenhum respeito pelo original”. Foi com esse espírito que os brasileiros
conheceram o “Hamlet” de Shakespeare, “O jardim das cerejas” de Tchekov, “Assim
é se lhe parece” de Pirandello ou a “Antígona” de Sófocles entre mais de
setenta peças de autores estrangeiros.
Ao mesmo tempo que
lutava contra a ditadura militar nas colunas dos jornais ou criticava
instituições estabelecidas e ideologias perenes, Millôr Fernandes criava as
suas próprias peças de teatro. Entre 1950 e 1984, escreveu mais de vinte textos
dramáticos, todos eles eivados de humor.
No entanto, as
comédias de Millôr não buscavam o riso pelo riso. A ironia e a sátira são
permanentes na sua obra e estão ao serviço da análise social, cultural e
histórica. Ainda recentemente vi, em Amarante, um grupo de teatro amador de
Valongo – A Retorta – levar à cena “A História é uma história”, escrita por
Millôr Fernandes em 1977. Nesta peça, a História da humanidade é passada em
revista desde os primórdios até à atualidade, dum modo muito sintético e muito
bem -humorado.
Todavia, o melhor
do dramaturgo brasileiro está em peças como “U elefante no caos” (1960), “Flávia,
cabeça, tronco e membros” (1963), “É…” (1976) – unanimemente considerada a mais
madura peça de Millôr, não só pela crítica como pelo público – e “Os órfãos de
Jânio” (1980).
No teatro como na
vida cívica, Millôr é fiel aos seus princípios: criticar é uma arte que se deve
fazer com humor, ou não fosse ele um brasileiro, povo para quem até o assunto
mais circunspecto deve ser levado a brincar. No entanto, essa é uma visão
simplista e muito ligeira para caracterizar uma mente brilhante como é Millôr.
Ele possuía um agudo sentido crítico, uma cultura multidisciplinar e uma
cidadania incorruptível de que não abdicou mesmo quando o Brasil suspendeu a
democracia.
A melhor homenagem
que podemos fazer a Millôr Fernandes é procurar uma das suas peças e lê-la com
atenção. No fim, o nosso espírito pedirá outra fatia “Millôr”, pois Millôr é
melhor que sobremesa porque apetece sempre repetir e não faz mal ao colesterol.
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário