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terça-feira, 26 de agosto de 2014

MILLÔR FERNANDES


“O homem é o único animal que ri. E é a rir que ele mostra o animal que é!”





Millôr Fernandes é uma figura incontornável da literatura, do jornalismo e, sobretudo, do humor brasileiro do século XX.
Millôr tinha um especial talento para a tirada certeira, muito bem-humorada e satírica. Pelas redes sociais encontramos dezenas de frases do escritor brasileiro que analisam com ironia e uma boa gargalhada o ser humano em geral e o brasileiro em particular.
Millôr Fernandes era um génio e como todos os génios não cabe num espartilho por muito dourada que seja a gaiola. Escritor, desenhador, tradutor, jornalista, dramaturgo, Millôr deixou a sua marca na sociedade brasileira, pela maneira incisiva com a fotografou em pequenas legendas que ficaram célebres.

Hoje, apenas recordo a sua faceta de dramaturgo. O teatro brasileiro fica-lhe a dever duplamente: enquanto tradutor de grandes textos dramáticos e enquanto criador. Millôr costumava dizer com graça que para “traduzir é preciso ter todo o rigor e nenhum respeito pelo original”. Foi com esse espírito que os brasileiros conheceram o “Hamlet” de Shakespeare, “O jardim das cerejas” de Tchekov, “Assim é se lhe parece” de Pirandello ou a “Antígona” de Sófocles entre mais de setenta peças de autores estrangeiros.
Ao mesmo tempo que lutava contra a ditadura militar nas colunas dos jornais ou criticava instituições estabelecidas e ideologias perenes, Millôr Fernandes criava as suas próprias peças de teatro. Entre 1950 e 1984, escreveu mais de vinte textos dramáticos, todos eles eivados de humor.


No entanto, as comédias de Millôr não buscavam o riso pelo riso. A ironia e a sátira são permanentes na sua obra e estão ao serviço da análise social, cultural e histórica. Ainda recentemente vi, em Amarante, um grupo de teatro amador de Valongo – A Retorta – levar à cena “A História é uma história”, escrita por Millôr Fernandes em 1977. Nesta peça, a História da humanidade é passada em revista desde os primórdios até à atualidade, dum modo muito sintético e muito bem -humorado.
Todavia, o melhor do dramaturgo brasileiro está em peças como “U elefante no caos” (1960), “Flávia, cabeça, tronco e membros” (1963), “É…” (1976) – unanimemente considerada a mais madura peça de Millôr, não só pela crítica como pelo público – e “Os órfãos de Jânio” (1980).
No teatro como na vida cívica, Millôr é fiel aos seus princípios: criticar é uma arte que se deve fazer com humor, ou não fosse ele um brasileiro, povo para quem até o assunto mais circunspecto deve ser levado a brincar. No entanto, essa é uma visão simplista e muito ligeira para caracterizar uma mente brilhante como é Millôr. Ele possuía um agudo sentido crítico, uma cultura multidisciplinar e uma cidadania incorruptível de que não abdicou mesmo quando o Brasil suspendeu a democracia.


A melhor homenagem que podemos fazer a Millôr Fernandes é procurar uma das suas peças e lê-la com atenção. No fim, o nosso espírito pedirá outra fatia “Millôr”, pois Millôr é melhor que sobremesa porque apetece sempre repetir e não faz mal ao colesterol.

Gabriel Vilas Boas

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