Etiquetas

domingo, 24 de agosto de 2014

CONVENTO DE CRISTO, TOMAR



   Há poucos dias estive em Tomar. Foi um regresso após uma década sem visitar a cidade de Lopes da Graça, que sempre me atraiu por ser a cidade dos Templários. Revisitar Tomar sem ver o Convento de Cristo é como ir a Roma sem ver o Papa, ou seja, inconcebível.
   O Convento de Cristo continua a ser fascinante. Entrar nele, ainda que sem guia (falha enorme que continua por colmatar) é mergulhar no misterioso mundo medieval, onde religião, poder, grandiosidade e arte se confundem, aguçando a nossa curiosidade e satisfazendo os nossos sentidos.


   O Convento de Cristo levanta-se como um cruzado do interior do castelo de Tomar, fundado por Gualdim Pais, grão-mestre da Ordem do Templo, que se situa na impressionante Mata dos Sete Mouros.
   No interior do Convento destaca-se a charola, cuja planta centralizada tem causado tanto fascínio. Serviria o culto dos cavaleiros, tendo também uma função funerária. A sua centralidade remete para o templo divino com vários referentes bíblicos e históricos.


    A charola data do século XII e é um dos edifícios mais importantes da Ordem dos Cavaleiros do Templo de Salomão em todo o Mundo. Esta igreja circular foi concebida segundo o plano da Cúpula do Rochedo (Qubbat-as-Sakhrah, século VII), a qual foi edificada por arquitetos sufis da tradição esotérica muçulmana no recinto atribuído ao Templo de Salomão. Esta imitatio da Cúpula do Rochedo sugere a faceta transreligiosa e universalista dos Cavaleiros de Salomão, já que a “pedra sagrada” da Cúpula do Rochedo está ligada à história mítica das três religiões do Livro. A sua arquitetura de base octogonal transmite-nos claramente a sensação do áxis mundi, do omphalos, do lugar de comunicação entre o Céu (invisível) e a Terra (visível), mas também recorda o mito do Graal já que, segundo Eschenbach (século XIII), o “Templo do Graal simulava a forma radiante do octógono” e era defendido por doze templários.


   No início do século XVI é construído o coro manuelino que transforma a charola na capela-mor da nova igreja. Este coro é planificado segundo a base geométrica do duplo quadrado, seguindo o modelo do Templo de Salomão descrito na Bíblia. No magnífico pórtico sul, dedicado à Virgem, podemos observar no fecho da arquivolta um Cupido. Aquele que entra no espaço sagrado do novo “Templo de Salomão” é “ferido” por uma seta do deus Cupido e renasce no interior da casa do espírito. Este renascimento espiritual está simbolizado na fieira de ovos que une as duas colunas torsas (simbolicamente as duas colunas do Templo de Salomão, Jakin e Boaz) que se encontram no lado interior da porta sul.


   A este corpo românico (charola) foram sendo adicionadas construções, as primeiras por iniciativa do infante D. Henrique, mestre da Ordem de Cristo, sucessora dos Templários. Destas obras góticas, pouco mais resta para além dos claustros da lavagem e do cemitério, cuja inspiração é o Mosteiro da Batalha. Seguiu-se a grandiosa campanha de D. Manuel, a partir de 1510, centrada em torno da charola e destinada a adaptá-la a capela-mor de um novo templo. Foi erguida uma monumental igreja a ocidente, cujo arco triunfal rompe as paredes da charola (agora simbolicamente situada no Oriente) e na junção entre os dois edifícios rasgou-se o novo portal. Na fachada poente, a iluminar a sacristia sob a nave da Igreja abriu-se a famosa janela da Sala do Capítulo, cenográfica e possante, materialização do discurso simbólico do manuelino.


   Esta dramática intervenção é seguida de perto pelas grandes obras do reinado de D. João III. Preparou-se então um imenso mosteiro, desdobrado em seis claustros e dependências anexas, autêntico repositório de estilos artísticos, desde as elegantes e eruditas referências italianas, notáveis na obra-prima do renascimento que é o claustro de D. João III, passando pelas intervenções maneiristas e barrocas que se foram sucedendo até ao século XVIII.    
   
Gabriel Vilas Boas


Sem comentários:

Enviar um comentário