Há poucos dias
estive em Tomar. Foi um regresso após uma década sem visitar a cidade de Lopes
da Graça, que sempre me atraiu por ser a cidade dos Templários. Revisitar Tomar
sem ver o Convento de Cristo é como ir a Roma sem ver o Papa, ou seja, inconcebível.
O Convento de
Cristo continua a ser fascinante. Entrar nele, ainda que sem guia (falha enorme
que continua por colmatar) é mergulhar no misterioso mundo medieval, onde
religião, poder, grandiosidade e arte se confundem, aguçando a nossa
curiosidade e satisfazendo os nossos sentidos.
O Convento de
Cristo levanta-se como um cruzado do interior do castelo de Tomar, fundado por
Gualdim Pais, grão-mestre da Ordem do Templo, que se situa na impressionante Mata
dos Sete Mouros.
No interior do
Convento destaca-se a charola, cuja planta centralizada tem causado tanto
fascínio. Serviria o culto dos cavaleiros, tendo também uma função funerária. A
sua centralidade remete para o templo divino com vários referentes bíblicos e históricos.
A charola data
do século XII e é um dos edifícios mais importantes da Ordem dos Cavaleiros do
Templo de Salomão em todo o Mundo. Esta igreja circular foi concebida segundo o
plano da Cúpula do Rochedo (Qubbat-as-Sakhrah, século VII), a qual foi
edificada por arquitetos sufis da tradição esotérica muçulmana no recinto atribuído
ao Templo de Salomão. Esta imitatio
da Cúpula do Rochedo sugere a faceta transreligiosa e universalista dos
Cavaleiros de Salomão, já que a “pedra sagrada” da Cúpula do Rochedo está
ligada à história mítica das três religiões do Livro. A sua arquitetura de base
octogonal transmite-nos claramente a sensação do áxis mundi, do omphalos,
do lugar de comunicação entre o Céu (invisível) e a Terra (visível), mas também
recorda o mito do Graal já que, segundo Eschenbach (século XIII), o “Templo do
Graal simulava a forma radiante do octógono” e era defendido por doze
templários.
No início do
século XVI é construído o coro manuelino que transforma a charola na capela-mor
da nova igreja. Este coro é planificado segundo a base geométrica do duplo quadrado,
seguindo o modelo do Templo de Salomão descrito na Bíblia. No magnífico pórtico
sul, dedicado à Virgem, podemos observar no fecho da arquivolta um Cupido.
Aquele que entra no espaço sagrado do novo “Templo de Salomão” é “ferido” por
uma seta do deus Cupido e renasce no interior da casa do espírito. Este renascimento
espiritual está simbolizado na fieira de ovos que une as duas colunas torsas
(simbolicamente as duas colunas do Templo de Salomão, Jakin e Boaz) que se
encontram no lado interior da porta sul.
A este corpo
românico (charola) foram sendo adicionadas construções, as primeiras por iniciativa
do infante D. Henrique, mestre da Ordem de Cristo, sucessora dos Templários.
Destas obras góticas, pouco mais resta para além dos claustros da lavagem e do
cemitério, cuja inspiração é o Mosteiro da Batalha. Seguiu-se a grandiosa
campanha de D. Manuel, a partir de 1510, centrada em torno da charola e destinada
a adaptá-la a capela-mor de um novo templo. Foi erguida uma monumental igreja a
ocidente, cujo arco triunfal rompe as paredes da charola (agora simbolicamente situada
no Oriente) e na junção entre os dois edifícios rasgou-se o novo portal. Na
fachada poente, a iluminar a sacristia sob a nave da Igreja abriu-se a famosa
janela da Sala do Capítulo, cenográfica e possante, materialização do discurso
simbólico do manuelino.
Esta dramática
intervenção é seguida de perto pelas grandes obras do reinado de D. João III.
Preparou-se então um imenso mosteiro, desdobrado em seis claustros e
dependências anexas, autêntico repositório de estilos artísticos, desde as
elegantes e eruditas referências italianas, notáveis na obra-prima do
renascimento que é o claustro de D. João III, passando pelas intervenções
maneiristas e barrocas que se foram sucedendo até ao século XVIII.
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário