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sábado, 30 de agosto de 2014

SALAS DE CINEMA



Hoje reabre em Lisboa o histórico cinema “Ideal”, com o filme “E agora? Lembra-me”. A recuperação do edifício custou 500 mil euros e tentou contrariar a tendência geral das últimas duas décadas nas cidades de Lisboa e Porto, onde fecharam dezenas de salas de cinema emblemáticas, como o Éden, o Condes, o Politeama, o Monumental, o Odeon (Lisboa), o Foco, o Águia de Ouro ou o Pedro Cem (Porto), entre muitos outros. Ainda há poucos meses, Paulo Branco, da Medeia Filmes, que não conseguiu acompanhar o brutal aumento da renda, deixou fechar o cinema King, em Lisboa, que se dedicava à projeção de filmes menos comerciais. Há dois meses o edifício foi vendido a um anónimo por 1,2 milhões de euros e será, por certo, usado para fins não culturais. O mesmo acontecerá com o cinema Londres, que acaba de fechar em definitivo, não obstante todas as tentativas do Secretário de Estado da Cultura para evitar mais uma perda dum espaço cultural na cidade.

Por que desapareceram salas de cinema tão emblemáticas em Lisboa e Porto, cuja beleza arquitetónica acompanhava os momentos culturais que, semana após semana, centenas de espectadores lá viviam?
Acho que mudou o paradigma cultural e social do país a que acresce o advento dos canais de televisão privados, da televisão por cabo ou satélite. A isto deve acrescentar-se a erupção dos centros comerciais que surgiram como borbulhas na câmara dum país em desenvolvimento e mudaram a geografia das grandes e médias cidades portuguesas.
          Mas voltemos ao cinema que hoje se vê em sítios bem diferentes daqueles de há trinta/quarenta anos.
                O chique da classe média e média-baixa de hoje não é tomar chá numa pastelaria do Foco, passar as tardes entre jardins frondosos a conversar pacatamente sobre livros, filmes, desempenhos cinematográficos, fait-divers de atrizes a atores.

                A vida mudou para os centros comerciais, onde, entre uma vista de olhos pelas novidades da Berska, Zara ou Pepe Jeans, se entretêm os sentidos e o intelecto numa sala de cinema que fica mesmo no centro da praça da restauração, entre a Pizzaria Hut e o MacDonald’s e no meio das pipocas.
                Quando a sessão acabar, é só descer as escadas - sempre protegido pelo ar condicionado do centro comercial - até à garagem, pegar no carro e rumar a casa, onde a cama nos espera para uma boa noite de sono. Provavelmente não ficam grandes memórias do evento nem do filme, que apenas teve o mérito de nos entreter duma maneira diferente.
                O cinema dos nossos pais era diferente. Ir ao cinema era um acontecimento. Cada um vestia-se a preceito e para impressionar a companhia. Ir ao cinema era o ponto alto da semana e não apenas mais uma distração. Além da beleza arquitetónica, as salas não eram apenas salas de exibição de filmes, mas salas de espectáculos e antes do filme era possível ver e ouvir um pianista a criar o ambiente de festa.

                Nesse tempo, os cinemas não eram todos iguais e desenxabidos. As estreias só aconteciam num número limitado de salas e havia salas que se especializavam num determinado tipo de cinema, o que criava um público específico em cada cinema e transmitia identidade ao espaço.
                As salas eram bem maiores, com lugares diferenciados na localização e no conforto. As salas mais famosas das grandes cidades tinham um conforto e luxo tão grandes que algumas pareciam quase quartos de hotel.
                Todavia, tudo isso pertence ao passado! Esse tempo não voltará! Somos diferentes, queremos coisas diferentes. Será possível recriar o glamour desse cinema da década de 70 e 80? Penso que tentar fazer igual ou parecido será uma perda de tempo. Como já referi, o nosso paradigma mudou. No entanto, é possível recriar o prazer de ver cinema, especialmente nas cidades médias onde a falta de equipamentos culturais cria uma oportunidade para o surgimento de cinemas e/ ou teatros que matem a fome de eventos culturais permanentes a uma população que tem sempre que se deslocar para os grandes centros para ver as últimas novidades cinéfilas.

  Há que ousar, romper com a ditadura do modelo do cento comercial e desafiar a população jovem a construir as memórias onde no futuro habitará a saudade.
Gabriel Vilas Boas 

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