Hoje
reabre em Lisboa o histórico cinema “Ideal”, com o filme “E agora? Lembra-me”.
A recuperação do edifício custou 500 mil euros e tentou contrariar a tendência
geral das últimas duas décadas nas cidades de Lisboa e Porto, onde fecharam
dezenas de salas de cinema emblemáticas, como o Éden, o Condes, o Politeama, o
Monumental, o Odeon (Lisboa), o Foco, o Águia de Ouro ou o Pedro Cem (Porto),
entre muitos outros. Ainda há poucos meses, Paulo Branco, da Medeia Filmes, que
não conseguiu acompanhar o brutal aumento da renda, deixou fechar o cinema
King, em Lisboa, que se dedicava à projeção de filmes menos comerciais. Há dois
meses o edifício foi vendido a um anónimo por 1,2 milhões de euros e será, por
certo, usado para fins não culturais. O mesmo acontecerá com o cinema Londres,
que acaba de fechar em definitivo, não obstante todas as tentativas do
Secretário de Estado da Cultura para evitar mais uma perda dum espaço cultural
na cidade.
Por
que desapareceram salas de cinema tão emblemáticas em Lisboa e Porto, cuja
beleza arquitetónica acompanhava os momentos culturais que, semana após semana,
centenas de espectadores lá viviam?
Acho
que mudou o paradigma cultural e social do país a que acresce o advento dos
canais de televisão privados, da televisão por cabo ou satélite. A isto deve
acrescentar-se a erupção dos centros comerciais que surgiram como borbulhas na
câmara dum país em desenvolvimento e mudaram a geografia das grandes e médias
cidades portuguesas.
Mas voltemos ao cinema que hoje
se vê em sítios bem diferentes daqueles de há trinta/quarenta anos.
O chique da classe média e média-baixa
de hoje não é tomar chá numa pastelaria do Foco, passar as tardes entre jardins
frondosos a conversar pacatamente sobre livros, filmes, desempenhos
cinematográficos, fait-divers de atrizes a atores.
A vida mudou para os centros
comerciais, onde, entre uma vista de olhos pelas novidades da Berska, Zara ou
Pepe Jeans, se entretêm os sentidos e o intelecto numa sala de cinema que fica
mesmo no centro da praça da restauração, entre a Pizzaria Hut e o MacDonald’s e
no meio das pipocas.
Quando a sessão acabar, é só
descer as escadas - sempre protegido pelo ar condicionado do centro comercial -
até à garagem, pegar no carro e rumar a casa, onde a cama nos espera para uma
boa noite de sono. Provavelmente não ficam grandes memórias do evento nem do
filme, que apenas teve o mérito de nos entreter duma maneira diferente.
O cinema dos nossos pais era
diferente. Ir ao cinema era um acontecimento. Cada um vestia-se a preceito e
para impressionar a companhia. Ir ao cinema era o ponto alto da semana e não
apenas mais uma distração. Além da beleza arquitetónica, as salas não eram
apenas salas de exibição de filmes, mas salas de espectáculos e antes do filme
era possível ver e ouvir um pianista a criar o ambiente de festa.
Nesse tempo, os cinemas não eram
todos iguais e desenxabidos. As estreias só aconteciam num número limitado de
salas e havia salas que se especializavam num determinado tipo de cinema, o que
criava um público específico em cada cinema e transmitia identidade ao espaço.
As salas eram bem maiores, com
lugares diferenciados na localização e no conforto. As salas mais famosas das
grandes cidades tinham um conforto e luxo tão grandes que algumas pareciam
quase quartos de hotel.
Todavia, tudo isso pertence ao
passado! Esse tempo não voltará! Somos diferentes, queremos coisas diferentes.
Será possível recriar o glamour desse cinema da década de 70 e 80? Penso que
tentar fazer igual ou parecido será uma perda de tempo. Como já referi, o nosso
paradigma mudou. No entanto, é possível recriar o prazer de ver cinema,
especialmente nas cidades médias onde a falta de equipamentos culturais cria
uma oportunidade para o surgimento de cinemas e/ ou teatros que matem a fome de
eventos culturais permanentes a uma população que tem sempre que se deslocar
para os grandes centros para ver as últimas novidades cinéfilas.
Há que ousar, romper com a
ditadura do modelo do cento comercial e desafiar a população jovem a construir as
memórias onde no futuro habitará a saudade.
Gabriel Vilas Boas
Sem comentários:
Enviar um comentário