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quarta-feira, 30 de abril de 2014

O ROMÂNICO EM AMARANTE (III)

(Continuação)
Como dissemos atrás, foi no reinado de D. Afonso Henriques que se efectivou a expansão da arquitectura românica em Portugal.
                                                                                   D. Afonso Henriques 
Amarante, nesta época, estava muito ligada às principais figuras das origens de Portugal. Basta referir dois nomes ilustres desta época, fortemente ligados a Amarante, e que pelas suas relações de amizade e familiares, entroncavam nas mais altas esferas do poder de então, para nos apercebermos do referido. São eles D. Mendo Gundar, que sendo natural das Astúrias, veio para Portugal com o Conde D. Henrique e que por aqui “assentou arraiais”, tendo fundado o mosteiro de Gondar e Gonçalo Mendes de Sousa (dos Sousões), que anda ligado à fundação de Amarante e que era, pelo seu primeiro assamento, cunhado de D. Afonso Henriques e pelo segundo casamento, genro de Egas Moniz e que exerceu altas funções políticas no reinado de D. Sancho I.
O referido D. Mendo Gundar, viveu no Concelho de Gestaço (margem direita do ribeiro do Arquinho), foi alcaide-mor de Celorico de Basto e jaz sepultado na galilé da Igreja do Mosteiro de Telões. Deixou descendência no Concelho de Amarante, sendo que um filho viveu em S. Paio de Olo e um
descendente deste, deu origem à família nobre que ficou conhecida como os da “Motta”.
Não é pois para admirar que na região de Amarante tenham “crescido” inúmeros mosteiros e igrejas construídas segundo o estilo trazido para Portugal pelo Conde D. Henrique (Borgonha) e pelas ordens religiosas já citadas.
Grande parte das igrejas românicas da região foi erigida por iniciativa de famílias nobres locais e reflectem a maior ou menor disponibilidade de recursos materiais e financeiros!
Assim temos que, na margem esquerda do Tâmega, o românico revela uma certa pobreza, patente na reduzida dimensão das igrejas, e nas soluções simplistas encontradas na planificação e decoração das construções. As igrejas de Gondar, Jazente e Lufrei são as mais modestas construções românicas do concelho.
                                              Igreja Mosteiro de Gondar, Amarante
Por outro lado, na margem direita do Tâmega pontificam os mais importantes exemplares da arte românica em Amarante, como as igrejas de Travanca, Mancelos, Real, Telões, Freixo de Baixo e Gatão. Apesar de respeitarem as linhas universais do românico, distinguem-se das formas originais, por influência do meio e até por influência dos construtores locais.

                                                     Torre e Igreja Mosteiro de Travanca, Amarante

A esta diferenciação na dimensão e riqueza das construções não é alheia a densidade populacional, que na margem direita do Tâmega era superior à da margem esquerda, por aí se encontrarem os mais vastos e férteis terrenos agrícolas da região.
António Aires

terça-feira, 29 de abril de 2014

DANÇA-TEATRO


Hoje é o dia Mundial da Dança.
A dança é uma arte que escreve poemas com o corpo. Dotada duma beleza e graciosidade que nem sempre as palavras conseguem descrever, a dança transmite sentimentos, conta histórias, descreve cenários. Através dela, dançarinos e espectadores são atirados para o mundo dos sonhos onde os gestos, a música, os sentimentos e as ideias comunicam entre si, criando longos minutos de magia.

Dança e teatro sempre foram duas artes performativas com uma estreita ligação. Ambos são criadores de espectáculo e beleza. Pina Bausch, a grande deusa da dança, deu corpo a essa ligação desenvolvendo o conceito de Dança-Teatro.


O conceito nasce no início do século XX, na Alemanha, e define-se pela união genuína da dança com alguns elementos do teatro, criando uma nova e única forma de dança, na qual a maior referência é a realidade humana.
Esta maneira peculiar de fazer dança e teatro baseia-se no elemento humano e procura ser uma expressão artística que prima pela sensibilização e reflexão do público.

A Dança-Teatro combina dança, canto, diálogos, uso de personagens, cenários e figurinos. Com esta forma de dança recriam-se situações específicas como: medos, tristezas e outros conflitos humanos que são apresentados com um objetivo.
A personalidade de cada coreógrafo é decisiva na Dança-Teatro, pois é ela que vai imprimir a cada performance um carácter único.


Pina Bausch é o grande ícone da Dança-Teatro. Ela apresentou trabalhos dentro desta área um pouco por todo o mundo e por todos os palcos por onde passou ela deslumbrou e emocionou plateias inteiras com as suas atuações.

Pina Baush promovia um entrelaçamento entre dança e palavras. Nas suas atuações, os corpos ganhavam consciência de si e expressividade através de repetições de gestos, palavras e experiências, estando sempre em constante transformação. O corpo ajuda a contar uma história, mas ele próprio possui a sua história, que também pode ser percebida nas apresentações. Na Dança-Teatro, o corpo é uma visão particularizada de uma vivência.

O teatro tem a sua essência na linguagem verbal. A dança tem sua essência no corpo humano. Ele é o seu principal instrumento de expressão. A Dança-Teatro unifica esses dois elementos. O corpo é texto dos dançarinos-atores.
O pilar fundamental da Dança-Teatro é unir a dança e o teatro pelo seu ponto mais conflituante para daí surgir um espetáculo.

Gabriel Vilas Boas



segunda-feira, 28 de abril de 2014

AO SOM DE... CLÁUDIO CARNEYRO

Oriundo de uma família de artistas, Cláudio Carneyro nasceu no Porto a 27 de janeiro de 1895 e faleceu na mesma cidade em 1963. Era filho do pintor António Carneyro, natural de Amarante e irmão do também pintor Carlos Carneyro. 

                                            Cláudio Carneyro retratado pelo seu irmão Carlos Carneyro

O ambiente artístico vivido em casa da sua família, com visitas frequentes de figuras do mundo das artes e das letras tais como Francisco de Lacerda, Moreira de Sá e Costa, Teixeira Lopes e Teixeira de Pascoaes, contribuíram para a formação de Cláudio Carneyro e para a sua escolha pelas artes, desta feita pela música. Começou por estudar violino no Conservatório de Música do Porto e mais tarde composição onde se viria a destacar. Desenvolveu a sua técnica compositiva em Paris, onde entre outros, foi aluno de Paul Dukas. Regressado a Portugal foi lecionar composição para o Conservatório de Música do Porto, sucedendo no lugar ao seu mestre Lucien Lambert, que entretanto se aposentara.
É autor de uma vasta e eclética produção musical, infelizmente pouco conhecida entre o público em geral porque pouco tocada nas salas de concertos. No entanto, há discografia com várias das suas obras.
O seu espólio encontra-se na Biblioteca Pública Municipal do Porto  e dele consta música vocal, música sinfónica, música concertante e música para instrumentos solistas.
Margarida Assis


domingo, 27 de abril de 2014

PAISAGENS CONSTRUÍDAS

                                          A importância dum planeamento sustentável
É cada vez mais consensual, nas políticas de urbanismo das cidades, a importância da reabilitação e revitalização dos espaços construídos assim como das áreas públicas, nomeadamente das praças, das zonas históricas e eventualmente de espaços degradados, de forma a conferir-lhes as características formais, culturais e sociais que possibilitem o acesso a uma vivência colectiva e a uma vida com melhor qualidade.
Contudo, nas estratégias urbanísticas, o desafio consiste, também, em modificar as formas de pensar e agir em torno da questão ambiental. Passa pela transformação da vida nas cidades, pela mudança nos hábitos da população urbana e das políticas públicas, tais como: a melhoria da gestão do tráfego, a introdução de mais áreas verdes, o controle da poluição, além da conservação do património natural e cultural da cidade.
Hoje existe uma óptica fortemente ambientalista no planeamento urbanístico, com enfoque na recuperação do que já foi degradado e com o mesmo cuidado dedicado à protecção do que foi miraculosamente preservado.
Questões como acessibilidade, retenção e aproveitamento de águas pluviais, redução das superfícies impermeabilizadas, entre outras, fazem parte do nosso vocabulário habitual.
           Um exemplo, nesta linha de trabalho situada essencialmente no campo da reanimação, preparação e transformação urbana interventiva, é Dieter Magnus (1937 em Schotten, Hesse).
          As suas propostas, as suas realizações, pressupõem a recuperação da água, a criação de verdadeiros biótopos, onde a natureza, o espaço construído e a sociedade se articulam procurando uma nova harmonia e cooperação na biosfera.
Paisagens construídas de Dieter Magnus


            Dieter Magnus propõe transformações nos edifícios existentes, nas ruas e nas auto-estradas. Esta capacidade de intervir no que já existe, esta esperança em transformar um mal num bem torna-o num artista algo mágico.
                                 Espaços verdes + uso rentável – Arquiteto Emílio Ambasz
        O arquitecto argentino Emílio Ambasz (Argentina, 1943) brinca com a natureza para criar uma arquitectura que se transforma em cenário. Sem abrir mão da monumentalidade, os seus projectos respeitam os contornos do terreno e as cores da paisagem. "Construir com a natureza" é o seu slogan.









O edifício Asian Cross roads Over the Sea (ACROS), localizado na cidade de Fukuoka, no Japão, é praticamente um parque urbano, construído em 1994





           Árvores, água e terra são usados em conjunto com os materiais de construção que, com o auxílio da tecnologia, perdem o ar rígido que aparentam nas cidades e parecem fazer parte da paisagem.

Teresa Beyer

sábado, 26 de abril de 2014

ALFRED HITCHCOCK



Alfred Hitchcock foi o mestre do suspense. A definição pode parecer simplista, mas é incontornável. Hitchcock mistura dum modo muito peculiar momentos de grande tensão, humor, sexo e violência. Hoje, ele é uma referência dentro do mundo do Thriller. 

E o que torna Hitchcock uma referência do cinema de suspense? 

Comecemos por referir que um dos elementos fundamentais que caracterizam as suas personagens é a figura do assassino, cuja identidade é revelada ao longo da ação. 

O suspense de Hitchcock trouxe inovações técnicas nas posições e movimentos das câmaras, na maneira como as bandas sonoras realçam os efeitos de suspense e terror. O clima de suspense é acentuado pelo uso de música forte e dos efeitos de luz. Por exemplo, no filme Psycho, apenas o espectador vê a porta entreabrir-se, esperando algo acontecer enquanto o detetive sobe a escada. Outro dos recursos de suspense mais usados por Hitchcock é o do vilão inocente. Isto é, um inocente é erroneamente acusado ou condenado por um crime e, para se ver livre dessa acusação, acaba por assumir a missão de perseguir e encontrar o real culpado. 

Outra técnica de que Hitchcock se socorre frequentemente é a do espectador participante. O personagem age como se soubesse que o telespectador está a observar a sua vida. No filme "A Janela Indiscreta" (1954), o personagem Lars Thorwald confronta Jeffries, dizendo: "O que você quer de mim?" endereçando a pergunta ao telespectador. 

Alfred Hitchcok, enquanto cineasta, era também homem de muitas manias. Uma das mais célebres era aparecer nos seus filmes. Ele é visto em aparições breves, geralmente no início das suas películas. Estas aparições fetiche surgiram em muitos filmes. Recordo apenas alguns: A Janela Indiscreta, Psycho, Cortina Rasgada. Para não distrair o público do enredo principal, Hitchcock passou a aparecer no início dos filmes. 

Hitckcock nasceu em Londres em 1899, no seio duma família católica. Desde cedo mostrou dotes para o desenho, mas cursou engenharia e começou por trabalhar no mundo da publicidade. Foi como desenhador de cartazes que entrou no mundo do cinema e rapidamente foi experimentando diversos ofícios: argumentista, montador, diretor artístico e assistente de realização. Em 1925, realiza finalmente o seu primeiro filme, Jardim do Prazer, e um ano depois, com O Hóspede, já mostra aquilo que há-de ser o estilo hitchcockiano: um protagonista inocente é acusado de ter cometido um assassínio, sendo envolvido numa teia de intriga. 

Ainda em Inglaterra filma O Homem que sabia demais (1934), Os 39 Degraus (1935) e Desaparecida (1938) – todos eles foram grandes êxitos e isso abriu-lhe as portas de Hollywood, onde chega no início da década de 40 para filmar Rebecca, que conquistou o Óscar de “Melhor Filme”. Enquanto realizador Hitchcock foi várias vezes nomeado para o Óscar de melhor realizador, mas nunca o alcançou, por muito injusto que tal seja. 

Os anos subsequentes foram de frenética produção cinematográfica, quase sempre acompanhada de qualidade superlativa. 

A Casa Encantada (1945) é uma viagem ao mundo dos sonhos que o realizador proporciona ao espectador, enquadrada por quadros de Salvador Dali. Neste filme, Hitchcock revela a sua fascinação pelo mundo da psicanálise. A Corda (1948), rodado numa única sala em três planos-sequência, revela a exploração de novas técnicas de filmagem. 

Se a década de quarenta fora produtiva, a de cinquenta foi dourada para o cineasta londrino que haveria de se tornar cidadão americano em 1955. 

Em 1954 o Chamada para a Morte trouxe Ray Milland e Grace Kelly nos papéis principais. Foi o primeiro filme em que Hitchcock trabalhou com Grace Kelly e, pela primeira vez, o diretor usou a técnica 3D. No mesmo ano, realizou o famosíssimo “A Janela Indiscreta”, considerado um dos seus maiores sucessos. Em 1958, filmou Vertigo ou A Mulher que viveu duas vezes, que haveria de influenciar muitos argumentistas e realizadores em décadas posteriores. A década de ouro terminou com Intriga Internacional (1959). A seguinte começou com Psicho, filme que ajudou a mudar a abordagem cinematográfica sobre o terror. A reação do público foi impressionante, com filas que dobravam os quarteirões e muita gritaria na plateia nas cenas mais aterrorizantes. O filme teve como protagonistas Janet Leigh e Anthony Perkins, além de Vera Miles. Alcançou o Globo de Ouro na categoria melhor atriz secundária pela mão de Janet Leigh. O filme trouxe uma das cenas mais conhecidas da história do cinema, a famosa cena do chuveiro, quando a personagem de Janet Leigh é assassinada às facadas. 


Em 1963, Hitchcock filmou “Os Pássaros”, onde brilhou a belíssima Tippi Hedren, mãe da futura atriz Melanie Griffith, e onde Hitchcock inovou ao nível da banda sonora e dos efeitos especiais. 

Depois de alguns filmes menos conseguidos, Hitchcock terminaria a carreira em grande estilo, com o filme Intriga em Família. 

Apesar de não ter ganho os prémios cinematográficos que as suas obras e o seu talento justificavam (Hitchcock ganhou dois prestigiadíssimos prémios de carreira: Prémio Irving Thalberg – 1968; Prémio Cecil B. De Mille – 1972; Prémio BAFTA Fellowship Award – 1971), Hitchcock foi um dos pouco realizadores que adquiriram o estatuto de estrela, talvez porque conciliou como poucos qualidade artística e sucesso comercial. 

Gabriel Vilas Boas

sexta-feira, 25 de abril de 2014

O 25 DE ABRIL E OS JOVENS

O 25 de abril faz quarenta e cinco anos. Mais de quatro décadas de democracia e liberdade tornaram o nosso país muito diferente e muito melhor. Afirmá-lo num tempo em que Portugal vive a sua maior crise económica, financeira, de confiança e de identidade, pode parecer uma ousadia, mas não é.
 Portugal não ganhou apenas liberdade de expressão e democracia política. Cresceu, também, muitíssimo a nível da educação, em todos os níveis: pré-escolar, ensino básico, secundário e universitário; melhorou brutalmente na prestação de cuidados de saúde, havendo hoje o triplo dos médicos e dos enfermeiros que existiam há quatro décadas. A esperança média de vida aumentou significativamente e isso ficou a dever-se à melhoria da assistência médica. A proteção social passou da quase inexistência a algo que garante um mínimo de dignidade aos nossos velhos.
                No entanto, sentimos, hoje, uma frustração de falhados. Sentimos que ficámos aquém do que podíamos e devíamos. E é verdade! A economia do país não desenvolveu conforme as oportunidades que teve na última década do século XX. A justiça paralisou e ajoelhou perante a burocracia e a corrupção e para completar o ramalhete da deceção coletiva: as qualificações de muitos portugueses são deficientes e ineficazes.
                Ficámos a meio da viagem. Muitos pensam que esta estagnação é definitiva, eu penso que não.
                Temos apenas que capacitar-nos que fizemos meio caminho e que há outro meio para fazer. Este caminho tem de ser feito pela geração do 25 de Abril, pelos homens e mulheres que agora têm quarenta anos.
                Durante quarenta anos, aqueles que conquistaram o 25 de Abril acusaram os jovens de não sentirem nem valorizarem as conquistas de abril. Não valorizavam nem podiam valorizar, pois não foram conquistas suas. Poucos são aqueles que entendem, valorizam e agradecem aquilo que lhes chega de mão beijada. Acham-no seu por direito natural. Não há que ficar ofendido com isso. É o que é!
                Esta geração, que tem hoje quarenta anos, tem de ter a sua “conquista”, fazer a sua revolução, ganhar o seu desafio. E o desafio desta geração não pode ser outro senão fazer a segunda parte do caminho.

                Modernizar sustentadamente o país; tornar a justiça ágil e independente; criar uma mentalidade de trabalho, de inovação, de competição salutar; aceitar e promover uma educação exigente, útil e eficiente.
                Contudo, é necessário fazer tudo isto sem destruir nenhuma das grandes conquistas da primeira parte do caminho: liberdade de expressão e escolha; educação e saúde para todos. Isto que dizer que temos de ir todos juntos. É mais difícil, mas é a única maneira de sermos um povo que luta por se cumprir.
Há quase um século, Fernando Pessoa dizia “Falta cumprir-se Portugal”, eu acrescento: à geração de abril falta cumprir-se. E Portugal é uma grande oportunidade, a melhor de todas, porque é a nossa vida, porque é o nosso amor.

Gabriel Vilas Boas.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

VINCENT VAN GOGH

Telas de Solidão

“Não tenho talento para as pessoas.”
 A frase é de Vincent van Gogh, pintor holandês pós-impressionista e um dos artistas mais incompreendidos de sempre, em vida.
Nasceu a 30 de março de 1853, o homem. O pintor, esse, nasceria mais tarde quando, por volta do ano de 1880, numa manifestação “tardia” de paixão e talento congénitos, Van Gogh tomou a decisão irreversível de viver para a pintura. Já da pintura nunca conseguiu viver e não fora o apoio incondicional do irmão Theo que o sustentou dali em diante até ao fim da sua vida e talvez tivesse sido forçado a arredar o seu sonho em troca de uma atividade com retorno. No entanto, aquela generosidade (que ele entendia sobretudo como um investimento) trazia à contraluz a angústia de que a mesma lhe falhasse algum dia, tornada quase terror quando Theo decidiu casar.
Ainda assim viveu quase sempre no limiar da pobreza, muitas vezes apenas com o bastante para comprar primeiro as tintas, depois o pão.

As suas obras estão hoje entre as mais vendidas e admiradas. Em 1990, o seu “Dr. Gachet” (quadro que retrata o médico de personalidade singular que o acompanhou nos últimos meses de vida) foi comprado pela soma recorde de oitenta e dois milhões e quinhentos mil dólares. Contudo, em vida vendeu pouco mais do que um quadro (sendo o mais conhecido “A Vinha Vermelha”, à pintora Anna Boch), o que o enchia de tristeza.

                                                                                             A Vinha Vermelha

 Numa sociedade sem lugar para a diferença, onde o amor se confinava aos opostos (e não era seguro que a sua sexualidade apontasse exclusivamente para o feminino), a vida, ao tríptico trabalhar, casar e ter filhos e a arte a uma estética académica imberbe o suficiente para apreciar a sua pintura expressiva e plena de carácter, nem os seus o perceberam (exceção feita ao irmão Theo). Não entenderam essa forma de pintar feita de pinceladas curtas, soltas e corredias e tintas espremidas quase diretamente do tubo para a tela em empastes sugestivos ou elipses nervosas, onde o traço era assinatura e as cores deixavam de ser reféns da realidade e amarravam as emoções à tela. De tal modo, que a sua mãe vendeu ao desbarato os quadros que Van Gogh deixou na casa dos pais a um adeleiro (que os revendeu pelo equivalente a dez cêntimos a peça) e os que não conseguiu vender… queimou-os!

                                                                                       

                                                                       Retrato de Alexander Reid


Até os modelos se esgueiravam dele, em desculpas, por não quererem ver-se retratados da forma distorcida, quase caricatural, como liam a sua pintura. Quando no final do trabalho lhes ofertava a obra, faziam dela o uso mais inusitado que se possa imaginar, desde servir de tapume a um qualquer buraco a alvo de setas para os filhos brincarem.
Pintava como quem fugia, com uma urgência animal responsável pela quantidade incrível de quadros que nos deixou em apenas dez anos de produção artística. Houve alturas em que chegou a criar um quadro (e até mesmo dois, na fase final) por dia.
Retratou gente anónima e sofrida em quadros tingidos de escuridão, ao gosto naturalista. Mais tarde, influenciado pela luz dos impressionistas, correu atrás das paisagens clareadas pelo sol da Provença, França.
Fixou-se em Arles, deixou-se seduzir pelas possibilidades pictóricas, mas sentiu falta da partilha intelectual que tinha vivido em Paris e sonhou com uma comunidade de artistas. Atraiu para junto de si o pintor Gauguin (outro autodidata), mas foi o começo do fim. As diferenças, conceptuais (Van Gogh defendia a pintura ao ar livre, finalmente possível pela invenção da tinta em tubo, Gauguin protestava que a arte devia socorrer-se apenas da memória e da imaginação) e de temperamento entre os dois agigantaram-se no insistente inverno de 1888 que os obrigou a passar largos dias fechados na pequena casa que co-habitavam. A tensão fermentou até culminar no episódio em que Vincent se descontrolou e seguiu Gauguin de navalha em punho. Daí até à partida inevitável de Gauguin e ao redemoinho de sentimentos de solidão, desespero e alienação que culminou na automutilação da orelha direita do pintor holandês, foi um passo.
A partir dali iniciou um entra e sai de instituições psiquiátricas que em nada o ajudou. Doente (sofreu crises de alucinação e paranóia que o chegaram a deixar inconsciente) e infeliz, só a sua arte não se ressentiu. Fora algumas intermitências coincidentes com episódios de crise da sua doença mental, Van Gogh nunca deixou de pintar, pintou compulsivamente, com o frenesi próprio do desassossego interno que só na arte serenava. É dessa altura a atormentada “Noite Estrelada”, assim como o poderoso grito de solidão que é “Campo de trigo com corvos.”
                                                         Noite Estrelada

Procurou ir sempre ao encontro das pessoas (até no pormenor de assinar “Vincent” nos seus quadros porque os franceses percebiam mal a grafia “Van Gogh”), deu-se em doses desmedidas de amor, mas a sua vida foi povoada de desencontros.
Foi de esperança em desalento e de desalento em esperança até não poder mais.
A 27 de julho de 1890 disparou um tiro sobre si próprio, arrastando um fio de vida durante os dois dias seguintes, até morrer. A sua genialidade resumiu-a Pissarro quando vaticinou: “esta criatura ou enlouquece ou nos deixa a todos muito atrás de si.” 

                                                     Campo de Trigo com Corvos

Deixo-vos com Don McLean e a música – para mim belíssima - que compôs em homenagem ao pintor: “Vincent”. Acompanha-a um desfile de alguns dos mais belos quadros de Van Gogh.

Maria Vilas

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O ROMÂNICO EM AMARANTE (II)

(Continuação)
O Românico entra na Península Ibérica, mercê da europeização dos reinos peninsulares.
Os reinos cristãos da Europa Ocidental, nomeadamente a França, vão ocupar um lugar de relevo no apoio aos reinos peninsulares, na Reconquista Cristã do território aos muçulmanos ocupantes. Esta tarefa traz até à península elevado número de cruzados franceses que também irão ajudar ao esforço de repovoamento das terras conquistadas!
Não menos importante é o poder e a influência das ordens religiosas que se foram implantando na península nesta altura, nomeadamente a Ordem de Cluny, a ordem de Cister, a dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e ainda, as ordens militares dos Templários e Hospitalários.
A ordem de Cluny, que nasce em França, na Borgonha, como reformadora, ou melhor, como purificadora da Regra beneditina cujo lema era o “ora et labora”, é a grande responsável pela difusão do românico na Península Ibérica.
Não nos podemos esquecer que o Conde D. Henrique era, por assim dizer, a face visível da Casa de Borgonha na Península Ibérica e que foi sob o seu comando que, nobres e monges franceses implantaram o românico em Portugal! O nosso Conde D. Henrique era sobrinho de S. Hugo, Abade de Cluny.
Foi durante a reconquista que foram construídas as inúmeras igrejas de estilo românico, com o objectivo último de reconverter as populações à fé cristã, o que justifica o facto de a sul de Lisboa não se encontrarem construções românicas, dado o domínio dessas terras pertencer aos muçulmanos, durante o período em que o românico se expandiu.

 É no reinado de D. Afonso Henriques que se efectiva a expansão da arquitectura românica em Portugal. Neste reinado iniciaram-se as obras de construção das Sés de Lisboa, Coimbra e Porto e construiu-se o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho (Ordem francesa que se estabeleceu em Coimbra em 1131, e que muito foi apoiada pelo nosso 1º rei de Portugal).

 A Sé de Braga é em Portugal, a igreja que mais reflete a influência da reforma clunicense na arquitectura e que irá servir de modelo na construção de muitas igrejas do entre Douro e Minho.
Aí se encontram os túmulos do Conde D. Henrique e de D. Teresa. 

António Aires

terça-feira, 22 de abril de 2014

RUY DE CARVALHO, O REI LEAR PORTUGUÊS

A vocação artística de Ruy de Carvalho foi revelada ainda ele não tinha 20 anos. Ruy de Carvalho assinou um trabalho vastíssimo nos palcos de teatro, mas também no cinema e na televisão, onde o seu talento continua a encantar. No clássico de William Shakespeare, “Rei Lear”, o autor encontrou o papel da sua vida: pelo menos aos olhos dos espectadores. Para muitos, este foi considerado o momento mais alto da sua carreira artística.

                O teatro foi a sua primeira paixão. Natural de Lisboa, Ruy de Carvalho cedo começou a conviver com atores, encenadores, público e palco. Ainda não tinha vinte anos e já se tinha estreado como amador em Jogo para o Natal de Cristo (1942). O talento estava detectado.
O teatro profissional chega um pouco mais tarde, 1947, com a peça “Rapazes de Hoje”.
Nessa altura já o jovem actor cursava no Conservatório Nacional, estudos que iniciou em 1945 e terminou em 1950.
                Na década de 50 esteve em diversas Companhias de Teatro. Ingressando no Teatro Popular, protagoniza O Juiz da Beira, sob a direcção de Ribeirinho.
                Em 1955, tem a oportunidade de actuar ao lado de Amália Rodrigues em A Severa. De Júlio Dantas.
                Entre 1961 e 1963, Ruy de Carvalho surge ligado a dois projetos: O Teatro Moderno de Lisboa, onde foi ator de referência, e o Teatro Experimental do Porto, onde assumiu a direcção artística.

                Entretanto, estreou-se no cinema em 1951, no filme Eram dezenas de irmãos, de armando Vieira Pinto.
                Com a reabertura do Teatro Nacional D. Maria II, em 1978, o ator passou a integrar o elenco principal. Das várias peças que protagonizou até hoje, destaque para a actuação em Rei Lear, em 1998, onde, para muitos, desempenhou o papel da sua vida.
                Sendo fundamentalmente um ator de teatro, Ruy de Carvalho tem vindo a construir, nos últimos anos, uma carreira na televisão. A estreia aconteceu na primeira telenovela portuguesa – Vila Faia. Recentemente teve a oportunidade de trabalhar quer na televisão quer no teatro com Eunice Muñoz em Todo o Tempo do Mundo e na peça Casa do Lago, respetivamente.
                Uma longa carreira que tem sido reconhecida não só pelos elogios que obteve, como também pelos prémios recebidos: Prémio Garrett, da Secretaria de Estado da Cultura; Prémio da Imprensa para o Cinema; Prémio da Crítica Especializada.

Gabriel Vilas Boas

segunda-feira, 21 de abril de 2014

AO SOM DE... ALFREDO KEIL


Alfredo Keil é conhecido entre nós pelo facto de ser o autor de “A Portuguesa”, obra que se tornou oficialmente o Hino Nacional de Portugal, após a Implantação da República.
Alfredo Keil, descendente de alemães, nasceu em Lisboa em 1850 e morreu em Hamburgo em 1907. Foi, para além de compositor, pintor, poeta e arqueólogo, tendo feito os seus estudos na Alemanha. Em 1891 compôs A Portuguesa, com letra de Henrique Lopes de Mendonça. Não chegou a ter conhecimento da escolha da sua obra para Hino de Portugal, pois morreu em 1907, e só um ano após a proclamação da república, ou seja em 1911, é que A Portuguesa passou a ser o nosso Hino Nacional.
Na pintura, destacou-se como pintor de paisagens e de interiores. Na música, para além da sua obra mais conhecida e de grande sucesso,A Portuguesa, escreveu uma Marcha Fúnebre, várias peças para piano e três óperas, D. Branca, Irene e A Serrana. Foi um precursor do Nacionalismo musical português
Um dos seus netos, foi o conhecido arquiteto Francisco Keil do Amaral que casou com a pintora e ilustradora Maria Keil.

Para audição proponho a abertura da ópera D. Branca. Esta ópera apresenta uma abertura e quatro atos. Narra a paixão entre Aben-Afan, rei do Algarve e D. Branca, princesa a caminho de um convento em Espanha. Aben encontra a rainha das fadas e esta dá-lhe a escolher entre louro, ou seja a glória nos campos de batalha, ou murta, o amor e a felicidade para sempre, mas adverte-o que se escolher a murta nunca mais poderá escolher o louro. Aben escolhe a murta, mas ao passar por uma cidade cristã, julgando-o muçulmano, querem matá-lo. Eis que surge D. Branca que acalma os ânimos exaltados, levando a que Aben se apaixone por ela, mas  D. Branca segue para o convento, onde Aben a irá visitar com o intuito de a tirar de lá. Os dois saem a voar e alcançam o paraíso, mas nem tudo são rosas e um amigo de Aben avisa-o que o Algarve está a ser atacado por cristãos e o povo chacinado. Aben lembra-se do que lhe tinha dito a rainha das fadas. Depois de escolher a murta nunca poderia querer o louro, pois a murta secaria imediatamente, passando a sua vida a ser de grande sofrimento. D. Branca sente-se a morrer e no final, depois do ataque à cidade de Silves, Aben aparece moribundo, acabando por morrer e D. Branca também.
Margarida Assis

domingo, 20 de abril de 2014

SER CRISTÃO: CONSTRANGEDOR OU DESAFIADOR?

Hoje os cristãos assinalam a Páscoa, ou seja, a ressurreição de Jesus Cristo. Trata-se da principal festa religiosa dos cristãos, pois através da ressurreição, Cristo assume-se como verdadeiro Deus e deste modo o cristianismo ganha uma dimensão de religião.
A palavra Páscoa deriva do hebraico “Pessach” que significa passagem. Os judeus comemoram, através dela, a libertação e fuga do seu povo do Egito; os pagãos ligam-na à passagem do inverno para a primavera; para os cristãos é a passagem da morte à vida. É isso que a ressurreição de Cristo significa para os cristãos. Verdadeiramente, o cristianismo começa aí.

Ora, os portugueses são um povo sem religião oficial, mas, culturalmente, são  na sua maioria cristãos e católicos. A questão que hoje, no meu entender, se coloca é que espécie de cristãos e de católicos são os portugueses, atualmente? Qual o papel da religião na vida das pessoas? E o da Igreja?
Acho que é um papel cada vez mais secundário. As decisões mais importantes da vida de cada um não têm em conta os ensinamentos cristãos nem as recomendações da Igreja.
Hoje, há uma certa vergonha em se assumir cristão. E por que é que isto acontece? O ideário cristão é profundamente humanista e geralmente considerado muito recomendável, no entanto, uma grande parte das pessoas acham-no duma inocência racional inaceitável, outros acusam-no de semelhanças com um conto de fadas, pois contém evidentes falhas de explicação racional. Pois contém e terá sempre de conter. A Igreja nem deve preocupar-se em refutar tal acusação.
A força da religião não é a razão, mas sim a fé! E a fé não é acessória para o ser humano. Ele acredita no sobrenatural e no transcendente.
Então, por que se afasta o Homem da religião (cristã) a quem reconhece méritos? Porque ela o interpela, porque lhe aponta diretamente os erros e lhe sugere caminhos a seguir, “obrigando-o” a mudar, sem vacilar. Como isso implica esforço, normalmente, o cristão cultural sorri amarelo e prefere apontar as falhas da Igreja e, se isso não for suficiente, do próprio cristianismo.

A isto acresce que ser da Igreja é conotado como ser alguém fora de moda, algo rústico, tonto e naïf. Nessa visão desfocada das coisas, ser da Igreja impede as pessoas de usufruir da vida, de a aproveitar.
O problema não é esse. O problema é que ser-se cristão obrigar-nos-ia a confrontarmo-nos com os nossos defeitos e a ser melhores pessoas. Ora isso dá muito trabalho! Isto aplica-se aos cristãos, porque há cada vez mais pessoas a declarar-se “sem religião”. Ao contrário de há cinquenta anos, o normal, o aceitável e expectável é não ser-se religioso.
Eu acho que o bom seria cada um pensar pela sua própria cabeça. Conhecer e avaliar a proposta de vida que uma religião como o cristianismo faz e verificar se ela faz sentido ou não na sua vida. Verdadeiramente desafiante para um cristão cultural era tornar-se num cristão praticante.
E qual o papel do Papa Francisco no contexto atual do cristianismo e da Igreja católica?
O grande e surpreendente herói dos cristãos é um fenómeno pela sua sincera simplicidade, pela maneira desconcertante como diz o óbvio que a Igreja não dizia nem praticava, por fazer a Igreja regressar à simplicidade e humildade da fé de Cristo.

O Papa Francisco conseguiu travar o processo de erosão que a Igreja Católica passava e fê-la olhar-se ao espelho. Motivo de orgulho para os cristãos, de admiração para os não praticantes e de respeito para os não crentes, o Papa Francisco tem um enorme desafio pela frente.
 Ele deve atrair gente à Igreja Católica, recuperando os não praticantes, seduzindo os não crentes. Depois ele deve tornar a voz e o papel da Igreja relevantes quer no contexto das diversas sociedades quer nas decisões de cada pessoa.
Mais que simpático, o Papa Francisco precisa de ser ainda mais assertivo e incisivo, sem se tornar pretensioso ou querer decidir pelas pessoas. Ele tem que seduzir como Cristo. Tem de ter opinião sobre os assuntos que afetam as pessoas no dia-a-dia, sem impor uma visão meramente religiosa. Ele tem de mostrar que algumas visões humanistas da vida têm muito de cristianismo.

Gabriel Vilas Boas

sábado, 19 de abril de 2014

GRAND BUDAPEST HOTEL


Recentemente vi o filme Grand Budapest Hotel e gostei muito, por causa da realização, do desempenho dos atores, da história, do humor irónico e da fotografia do filme, repleto de cenários maravilhosos.

O filme Grand Budapest Hotel, do realizador Wes Anderson conta as aventuras do consierge do Grand Budapest Hotel, Gustave H. (Ralph Fiennes) e do jovem paquete Zero (Tony Revolori) que se torna seu amigo. A história envolve o roubo e a recuperação de uma preciosa pintura renascentista e a luta por uma enorme herança, de Madame D (Tilda Swinton). Tudo acontece sob o cenário duma Europa que passa por inesperadas e dramáticas mudanças.A narração fica a cargo de Jude Law, que cumpre o papel com distinção, classe e requinte.

O Grand Budapest Hotel é um histórico edifício situado nas montanhas da (ficcional) República de Zubrowka e o epicentro das três eras históricas que seguimos ao longo de quase duas horas de filme. Algures nos anos 80, um escritor recorda como venceu o seu bloqueio criativo que ocorreu anos antes, durante sua estadia no decadente hotel titular, quando conheceu o melancólico Mr. Moustafa.


Depois dum encontro ocasional com o dono do Grand Budapest Hotel, o escritor navega pela extraordinária história de vida, morte, amor, coragem e vingança do atual dono do Hotel.
O mais proeminente habitante das suas memórias é Gustave H., o distinto concierge do Grand Budapest Hotel, mestre-de-cerimónias, sedutor de hóspedes, leitor e recitador de poesia romântica e emblema de uma era dourada na antecâmara da barbárie.


Sob a liderança estrita de Gustav H., o Grand Budapest Hotel era o destino de eleição para qualquer membro da alta sociedade europeia e nenhum hóspede se sentia desacompanhado. É, no entanto, quando uma das suas muito estimadas hóspedes morre inesperadamente que o carismático concierge e o seu paquete Zero se veem envolvidos numa embaraçosa aventura que envolve acusações cruzadas de homicídio e roubo, a recuperação de uma preciosa pintura renascentista e a luta por uma enorme fortuna de família.



O TRAÇO DO REALIZADOR
São vários os pequenos detalhes que completam a lista de imagens de marca do realizador: o tradicional humor screwball à Anderson, os seus habituais planos simétricos, as personagens peculiares com curiosos timings, cenários repletos de cor; animação em stop-motion, backgrounds em matte, uma banda sonora muito “Andersiana” do compositor Alexandre Desplat.

ELENCO DE LUXO
Grande parte do elenco de luxo não tem mais do que meras linhas de diálogo e ainda menos minutos de antena. Isto fez com que cada ator se dedicasse à sua personagem como um predador que jamais larga a sua presa. Nenhum deles era substituível, todos foram absolutamente necessários. Destaco todavia o protagonista, Mr. Gustave H., interpretado por Ralph Fiennes. Combinando a comicidade irónica com um toque trágico e nostálgico, o ator inglês criou uma figura deliciosamente excêntrica e profundamente melancólica que se torna instantaneamente um ícone. A química e dinâmica que cria com o jovem Tony Revolori (paquete Zero) parece uma trapaça irrepetível e congelada na nostalgia do tempo.
Entre os atores destaco ainda o excelente Jeff Goldblum, o surpreendente Adrien Brody e o genial Willem Dafoe.

HUMOR
Um dos traços mais marcantes do filme Grand Budapest Hotel é o seu fino e irónico humor. No entanto, faço notar que, por detrás do thriller cómico, está uma reflexão profunda sobre o desaparecimento da velha Europa culta e civilizada, as tragédias do colapso socioeconómico, o poder destrutivo do conflito bélico e um melancólico e trágico ensaio sobre a memória e a nostalgia.

PARTE TÉCNICA

Nesta vertente, estamos perante o melhor que o realizador Was Anderson já realizou. Do design de produção à banda sonora simbiótica de Alexandre Desplat, passando pelo luxuriante guarda-roupa, tudo se enquadra com a perfeição de uma obra renascentista na fotografia de Robert D. Yeoman.

Gabriel Vilas Boas